_
_
_
_
_
CRISE DOS 'FUNDOS ABUTRES'

A Argentina vai denunciar os EUA em Haia pela sentença dos bônus da dívida

O tribunal analisará o caso se o Governo de Obama aceitar a jurisdição

Alejandro Rebossio
A presidenta da Argentina, Cristina Fernández Kirchner.
A presidenta da Argentina, Cristina Fernández Kirchner.EFE

A Argentina está decidida a resistir à sentença definitiva da justiça dos EUA que a condenou a pagar os fundos abutres e outros credores que rechaçaram a reestruturação da dívida de 2005 e 2010 e que ficaram com bônus não pagos desde o colapso do país sul americano em 2001. Oito dias depois de não poder pagar um vencimento do passivo refinanciado, por conta do bloqueio judicial que a obriga a abonar primeiro os fundos abutres, o Governo de Cristina Kirchner iniciou os trâmites para apelar da sentença no Tribunal Internacional de Haia, segundo confirmou o órgão esta quinta-feira.

Mas o tribunal com sede na Holanda declarou que só analisará a sentença se o Governo de Barack Obama aceitar. A demanda da Argentina acusa os EUA por suposta violação de sua soberania e imunidade pelo bloqueio judicial que a impediu de seguir pagando a dívida reestruturada enquanto não saldar o reclamado pelos fundos especulativos, demanda que soma 1,3 bilhões de euros (3,99 bilhões de reais).

A Argentina acusa os EUA por suposta violação de sua soberania e imunidade pelo bloqueio judicial

Alguns juristas opinam que os EUA rechaçarão a jurisdição de Haia. Um deles é o argentino Luis Moreno Ocampo, ex-promotor do Tribunal Penal Internacional, órgão ao qual a superpotência jamais quis se submeter. “Não vejo nenhuma chance (opção). Para que a Argentina possa ter um caso lá, os EUA deveriam aceitar a jurisdição e isso eu não creio que vá acontecer. O lugar (para apelar) seria a Organização Mundial do Comércio (OMC), mas ela tampouco pode intervir sem que os EUA concordem e em casos como esse, no qual já existe um juiz intervindo”, disse Moreno referindo-se ao juiz de Nova York Thomas Griesa.

Por outro lado, a presidenta de um alto tribunal de Buenos Aires, María Laura Garrigós de Rébori, considerou valioso o recurso em Haia pelo seu impacto simbólico: “É uma possibilidade de chamar a atenção dos grandes mercados e dos donos do mundo sobre essa loucura, demonstrando que (o comportamento dos abutres) é prejudicial para todo o sistema econômico financeiro internacional”. Garrigós acrescentou que um “grupo minúsculo está exercendo o poder por cima do Governo e os outros poderes dos EUA”.

Mais informações
A Argentina reconhece “dificuldades” após uma semana da crise da dívida
Quatro bancos negociam uma solução à crise da dívida argentina
O homem aferrado à lei
A Argentina insiste em defender que não há calote nos credores

Acusada por empresários e analistas nos últimos anos por suposta inseguridade jurídica, a Argentina agora faz a mesma acusação aos EUA. Assim fez seu ministro da Economia, Axel Kicillof. “Estamos muito preocupados e pedimos ao Governo dos EUA que intervenha porque não é possível que um juiz de uma jurisdição queira bloquear os pagamentos de um país inteiro. Aqui existe uma questão chamada soberania”, disse Kicillof.

A sentença do juiz Griesa é de 2012, foi ratificada por um tribunal de segunda instância em 2013 e continuou firme em junho passado pois a Suprema Corte norte-americana desistiu de intervir no caso. O Governo de Obama havia se apresentado no início do caso como amigo do tribunal para defender a posição da Argentina, frente ao possível esmorecimento de futuras reestruturações de dívidas de outros países, em caso de um triunfo dos fundos que compram dívida não paga para rechaçar quitações e brigar na justiça. Mas depois das relações entre Obama e Kirchner ficarem tensa por outras questões o Executivo de Washington deixou de intervir por Buenos Aires nos tribunais de seu país.

A Argentina se submeteu à justiça dos EUA ao emitir na década de 1990 e princípios do século XXI vultosos títulos públicos sob a legislação deste país, de modo a captar mais fundos. Parte desse passivo é o que reclamam agora os abutres. Na reestruturação de 2005 e 2010, os Governos dos Kirchner trocaram bônus sob a lei norte-americana por outros de menor valor mas na mesma jurisdição. Fizeram o mesmo com títulos com a legislação da Argentina, Europa e Japão. A sentença definitiva dos EUA não apenas bloqueou os pagamentos da dívida refinanciada nesse país como também nos de jurisdições europeia e japonesa. 

Um grupo de empresas está disposto a comprar a dívida

Grandes empresas e até pequenas e medias empresas da Argentina estão dispostas a entrar na coleta organizada por quatro bancos internacionais para comprar dos fundos abutres a dívida de 1,3 bilhões de euros (3,99 bilhões de reais) como forma de desativar a moratória na qual o país sul-americano incorreu em 30 de julho por um bloqueio judicial nos EUA. "Existem muitos empresários, grandes, médios e pequenos dispostos a colocar dinheiro", declarou nesta quinta-feira um dos homens de negócios poderosos da Argentina, Eduardo Eurnekian, cuja Corporação América é o grupo com mais aeroportos concessionados no mundo.

“São muitos mais [empresários] do que podem imaginar”, disse Eurnekian para a Rádio Mitre, de Buenos Aires. “Cada um vai colocar o que pode, e alguns, mais; é uma massa colaboradora. Mas isso por enquanto é uma indefinição total. Estamos de acordo que queremos que isso seja solucionado; eu não sei como vai se acertar, é uma questão de advogados e financistas. Não participamos disso. Existem bancos que ligam e perguntam se alguém vai colaborar e ele diz que sim. Depois dessas ligações, não ocorre nada de concreto. Existem montes de problemas de letras “miúdas” que devem ser analisados para que a negociação prospere”, explicou Eurnekian.

Um dos obstáculos está em que, conforme declararam fontes próximas à negociação para a Agência Reuters, os bancos Citi, Deutsche Bank, JP Morgan e HSBC querem comprar a dívida com uma diminuição de 20%, mas não sabem qual a soma lhes será reconhecida depois pelo Governo de Cristina Kirchner quando, em 2015, vencer a cláusula que os impede de pagar mais aos que rechaçaram a reestruturação de 2005 e 2010 e os que a aceitaram. “Existe um limitador: “O que eu sei sobre quem vai colocar a diferença (entre os que pagariam os abutres e os que cobrariam da Argentina)? Mas os bancos estão trabalhando nisso. Imagino que empresários e banqueiros que coloquem dinheiro na Argentina sem pedir nada em troca”, despertou suspeitas Eurnekian. As fontes próximas à negociação disseram esta quarta-feira para a Reuters em Nova York que o acordo poderia ser selado na próxima semana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_