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A Argentina tem apenas hoje para evitar a suspensão de pagamento

O ministro da Economia apressa as negociações no julgamento contra os “fundos abutres”

Francisco Peregil
O ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, chega ao escritório do mediador Daniel Pollack, ontem pela tarde, em Manhattan.
O ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, chega ao escritório do mediador Daniel Pollack, ontem pela tarde, em Manhattan.DON EMMERT (AFP)

A Argentina esperou até o último dia do mês extra, com o qual contava, para evitar o calote. O ministro da Economia, Axel Kicillof, viajou na terça-feira de surpresa a Nova York para liderar uma delegação de três membros de sua equipe que tinham se reunido pela manhã com o advogado Daniel Pollack, o mediador designado pelo juiz Thomas Griesa para interceder entre o Executivo argentino e os fundos de investimento. Participaram do encontro os representantes dos fundos litigantes, também chamados de holdouts ou fundos abutre. E, finalmente, Kicillof pode falar pela primeira vez frente a frente com eles. Kicillof saiu da reunião à meia-noite, depois de quatro horas e meia de conversa, e anunciou que as negociações se prolongariam até o dia seguinte, esta quarta-feira, 30 de julho. "Continuamos trabalhando. Com toda a seriedade da questão. Como os senhores entenderão, não posso dar informações", indicou.

Havia motivos para alimentar esperanças de que estava mais próximo do que nunca um acordo que evitasse o calote. Mas após as declarações de Kicillof, o mediador Daniel Pollack emitiu um comunicado no qual afirmou: "Os temas que dividem as partes continuam sem solução". Com isso, tudo dependerá do que for discutido nesta quarta-feira.

Ninguém deseja o calote. Nem o juiz, que já alertou os advogados do Governo argentino de que os principais prejudicados serão os cidadãos comuns e não os abutres; nem os próprios fundos abutre, que poderão acabar vendo como se posterga indefinidamente seu objetivo de receber 1,5 bilhão de dólares em litígio (3,3 bilhões de reais); nem o Governo argentino, porque por mais que o calote não seja tão traumático como o que ocorreu em meio à crise de 2001, sempre paira a ameaça de que se sabe como entrar em um calote, mas nunca como se sai dele. E no melhor dos casos, o calote agravaria os problemas de uma economia que já está em recessão e com sérias dificuldades para conseguir investimento estrangeiro. Ninguém quer o calote, mas talvez ninguém queira se esforçar demais para evitá-lo.

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Conforme a reunião de Kicillof com o mediador avançava, a maior parte da imprensa argentina informava que o ministro da Economia tinha viajado a Nova York com uma proposta na manga: a Associação de Bancos Privados de Capital Argentino (Adeba) ofereceria aos fundos litigantes 250 milhões de dólares (558 milhões de reais) como garantia. Assim, os fundos abutre poderiam pedir uma moratória ao juiz para que adie sua sentença até janeiro de 2015. Segundo essa teoria, todos sairiam ganhando: os fundos abutre ganhariam dinheiro – 250 milhões dos 1,5 bilhão que reivindicam – e o Governo ganharia tempo. Tempo até janeiro de 2015, quando vence a cláusula RUFO (Rights Upon Future Offers), assinada pelos credores que aceitaram reduções no valor de suas dívidas durante as reestruturações de 2005 e 2010. Essa cláusula permitiria a esses investidores exigir as mesmas condições de cobrança que os abutres – ou seja, o pagamento integral das dívidas que o Governo contraiu com eles – se o Governo pagá-los antes de janeiro de 2015, quando expira a cláusula. Mas Kicillof não desmentiu nem confirmou nada.

Kicillof fez uma viagem surpresa de Caracas a Nova York. Na terça-feira de manhã, o ministro estava com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner na cúpula do Mercosul realizada na Venezuela. Ao meio-dia, três membros de sua equipe iniciavam uma reunião com Daniel Pollack em Nova York.

Um juiz deveria ser alguém que é imparcial entre duas partes, neutro e que decide de acordo a lei. Isto não é o que está acontecendo Cristina Kirchner

A reunião terminou às 16h (horário de Brasília). E às 19h35 Kicillof chegava ao escritório de Pollack em Manhattan. O ministro vinha acompanhado dos três funcionários que haviam negociado durante a manhã. Era uma daquelas situações em que todos buscam incutir calma, mas o tique-taque do relógio soa cada vez mais alto. E o relógio continuava avançando em direção a meia-noite de quarta-feira 30 de julho, quando expira o mês de carência para que o Governo e os litigantes cheguem a um acordo.

A viagem de Kicillof a Nova York anunciava um final feliz. Mas também havia indícios que levavam a pensar o contrário. Horas antes de Kicillof aterrissar em Nova York, Cristina Fernández de Kirchner criticava o juiz. "Que ideia temos todos de um juiz? De alguém que é imparcial entre duas partes e é neutro em relação às partes e decide de acordo com a lei. Não é isto que está acontecendo".

O Governo deixou esgotar o prazo de 30 dias de carência para conseguir um acordo. Os líderes da oposição não se mostraram particularmente contrários à estratégia do governo. No entanto, alguns analistas expressaram surpresa ante a naturalidade com que o país encara uma situação tão delicada. Esse foi o caso de Jorge Fontevecchia, diretor do quinzenal Perfil, que escreveu na edição de sábado 26 de julho: "Talvez na quinta-feira 31 tudo se resolva e a inflexibilidade de Griesa, do Governo e dos holdouts [fundos abutre] ou de algum deles, tenha sido só uma forma de negociar. Em qualquer caso, quem tem mais a perder é a Argentina, que mostra um caráter nacional temerário do qual, em alguma medida, todos fazemos parte. Não deve ser coincidência que o país que enfrentou duas hiperinflações possa ser o mesmo a correr o risco de enfrentar dois calotes". Fontevecchia falou de um "alto limiar de tolerância à angústia forjado ao longo de muitas crises terminais" experimentada pela Argentina. "No fundo é o nosso estado mais normal e no qual temos sobrevivido durante décadas", afirmou.

Cristina Fernández fortaleceu sua imagem positiva no país à medida que foi tensionando a corda nas declarações contra os abutres. A maior parte do país ficou do seu lado. Mas há economistas consultores, como Dante Sica, que defendem o cumprimento os compromissos: "Se você aceitou a regra e o árbitro, agora precisa acatar", disse Sica em várias ocasiões. E, nesse sentido, também se manifestou o diretor do jornal econômico El Cronista, Fernando González: "Se a opção é o calote (clássico, tático ou como quer que o chamem), as consequências serão ainda piores porque eles voltarão a colocar a Argentina em um clube que nos levou a triplicar os níveis de pobreza: o clube dos países que não respeitam os seus compromissos".

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