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Provar o céu por 5.000 reais

Paco Roncero desafia os limites do luxo gastronômico com seu novo restaurante em Ibiza

O restaurante Sublimotion em homenagem ao Polo Norte.
O restaurante Sublimotion em homenagem ao Polo Norte.

Poderia ser uma porta dos fundos de serviço do recém-inaugurado hotel Hard Rock de Ibiza, se quem estivesse esperando em frente não fosse Paco Roncero. O chef puxa o trinco e da simplória entrada aparece uma aeromoça que guia 12 pessoas até um elevador de cargas. “Apertem os cintos”. As luzes se apagam e resta apenas uma lâmpada vermelha. Como um trovão, entra a música: os Ramones e seu “Hey, Ho, Let’s Go”. Tudo vibra. O acesso dá passagem a uma sala vazia de cerca de 70 metros quadrados, presidida por uma mesa de porcelana completamente limpa. A escuridão desaparece com as luzes fluorescentes que se refletem no piso. Um feixe projeta o nome de cada convidado. “Não tentem contar o que vão viver esta noite, porque ninguém vai acreditar”, anuncia um mestre de cerimônias. O telão de 360 graus que envolve a sala é ligado. Vai acompanhar cada prato no decorrer de três horas e transportar os presentes do Ártico ao Central Park, dos campos de Toledo (onde Roncero nasceu) ao fundo do mar, de uma viagem em balão ao mesmíssimo inferno.

Bem-vindos ao Sublimotion, onde tudo pode acontecer com o estímulo dos sentidos, desde os sons até os temperos do olfato. É a última loucura que Roncero, com duas estrelas Michelin, montou na ilha graças ao patrocínio da Land Rover. O preço por pessoa: 1.650 euros (cerca de 5.000 reais). Provavelmente o restaurante mais caro do mundo. Realmente vale ? Roncero faz uma careta: “O Sublimotion vale o que você quer pagar. Eu não gosto de dizer que é caro, mas custoso”. São 30 pessoas para servir a cada noite uma dúzia de sortudos. Muitos dias em dois turnos. Façam os cálculos. Da mesma forma, não concorda que esta proposta esteja concebida para milionários russos (embora sejam muitos entre a sua clientela): “É para todos aqueles que queiram viver algo único; tem gente que trabalha na ilha que me disse que está economizando todas suas gorjetas para poder vir jantar no final da temporada”.

O chef Paco Roncero.
O chef Paco Roncero.

Estamos diante do último desafio dos limites da experiência sensogastronômica deste chef formado no elBulli e que trabalha há 23 anos no Casino de Madrid, onde começou como ajudante de cozinha. Tudo começou há dois anos, quando Roncero colocou em prática um pequeno laboratório culinário em seu baluarte na capital. “Qual é seu sonho?”. A pergunta foi feita pela empresa de tecnologia HP. “Meu sonho custa dinheiro”, respondeu. “Então sonhe, e veremos até onde podemos chegar”. “Dá a impressão que nós, os chefs, apenas nos concentramos no que está no prato e nos esquecemos do resto, de como melhorar esta experiência com o que há ao redor. E queria acabar com isso, meu desafio é sempre ir além”, reflete.

Ele é assim com quase tudo. Confessa que é hiperativo. Dorme apenas quatro horas e às seis da manhã já está dedicado às suas horas diárias de corrida. Apaixonou-se pelo esporte há quatro anos. Pesava 112 quilos. Acaba de correr o Meio Ironman de Vitoria e gostaria de se preparar para o Ironman de outubro em Calella (“mas acredito que não vou ter tempo”). Em novembro correrá na maratona de Nova York pela segunda vez. E está acabando um livro que será lançado no final do ano: Correr, Comer e Ser Feliz. “Eu era uma pessoa de sucesso profissional, um cara que tinha tudo para ser feliz, mas me sentia vazio. Tinha acabado de abrir meu primeiro Estado Puro e vivia absorvido pelo trabalho. Calcei o tênis por acaso, em uma semana quando fui visitar Roses [o elBulli, em Girona]. Como não tinha nada o que fazer durantes as manhãs, e não consigo ficar quieto, comecei a sair para correr na praia. E até hoje”.

Foi graças ao seu professor, Ferran Adrià, que alcançou uma notoriedade midiática. Com ele e com Juan Mari Arzak, compartilhou a honra de orquestrar o jantar organizado no Palácio El Pardo, na noite anterior ao casamento dos atuais Reis da Espanha para 400 pessoas. O casal ia frequentemente ao seu restaurante La Terraza do Casino. “Eu, além disso, sempre me considerei uma pessoa monárquica. Tenho muito carinho por eles, minhas experiências sempre foram boas”. Sua especialidade em eventos para centenas de convidados (“não penso em um cardápio para 500, mas em dez menus para 50”) chegaria às alturas depois de participar do jantar VIP organizado por Miuccia Prada no Mercado Central de Valência durante a regata Copa América de 2007. Durante o jantar, serviu convidados como Demi Moore, Ashton Kutcher e Chloë Sevigny e estreitou laços com a estilista italiana, que lhe convida para seus eventos em Milão.

Quando, em 2011, Elton John procurava alguém para preparar um cardápio de inspiração espanhola para sua clássica gala beneficente contra a AIDS no Battersea Park de Londres, lhe recomendaram Roncero. Nesta noite, foram arrecadados mais de meio milhão de euros (1,5 bilhão de reais) e o lance por um jantar no laboratório gastronômico do chef de Toledo superaria os 35.000 euros (105.000 reais). Depois participou de outras edições, já sentado à mesa. “De vez em quando é bom que seja você o convidado para jantar”, brinca.

Diz que quer exportar o Sublimotion para fora de Ibiza, como transplantou seus pentes e flamencas do Estado Puro para um estabelecimento em Xangai. “Gosto das coisas bem-feitas, mas não tenho pressa para engolir o mundo. Sempre defenderei isso: sou um corredor de longa distância”.

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