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A Promotoria mexicana deixa Mamá Rosa em liberdade

As autoridades deixam livre, por sua idade e condição física, a fundadora do albergue A acusação se concentra agora em seis de seus colaboradores

Jan Martínez Ahrens
A prisão da fundadora do albergue, Rosa Verduzco em 15 de julho.
A prisão da fundadora do albergue, Rosa Verduzco em 15 de julho.S. T. R. (EFE)

A Promotoria Geral do México, que na última quarta-feira apontou Rosa del Carmen Verduzco como a principal responsável dos abusos e humilhações praticados em seu internato em Zamora (no estado de Michoacán), afrouxou o cerco e liberou-a na noite de sábado. Submetida a uma forte pressão por intelectuais e personalidades, a promotoria transferiu as acusações a seis de seus colaboradores e decidiu, por enquanto, não apresentar acusações contra Mamá Rosa alegando sua condição mental e sua idade. A manobra significa um alívio para a promotoria frente a uma onda de críticas que estava ganhando crescente peso político, mas deixa no ar a questão de como é possível que ao longo de tantos anos os menores tivessem sofrido essas sevícias sem a intervenção de nenhum organismo. Outra questão é o destino de Verduzco e suas centenas de adoções. A investigação judicial deverá resolver as reclamações das dezenas de pais que querem recuperar seus filhos. Mamá Rosa, até esta data, tinha se negado a devolvê-los, sob o argumento de que os progenitores tinham um compromisso assinado com ela para que os menores acabassem seus estudos. Mas o centro, como indicam fontes da promotoria, dificilmente voltará ao passado. E tampouco Mamá Rosa. O vendaval desatado pelos relatos de abusos e maus tratos afetaram não apenas sua reputação, mas também sua saúde.

Depois da intervenção policial no internato, a mulher, diabética e com 79 anos, foi internada por uma isquemia cardíaca no quarto 206 do andar superior do hospital de San José, em Zamora. A Promotoria Geral, segundo fontes do hospital, considerou-a como uma “delinquente de alta periculosidade” e colocou-a sob custódia. Duas mulheres policiais montaram guarda dentro do quarto, enquanto fora, perto da porta, uma promotora e três agentes federais cuidavam para que ninguém entrasse. A blindagem foi completada com outros 10 membros das forças de segurança entrincheirados na entrada do hospital. As visitas estavam proibidas, assim como as comunicações com o exterior. Nem sequer o próprio diretor do hospital, Alberto Sahagún, tinha permissão para ver a paciente. O bloqueio foi criticado pelo pessoal médico. “Nunca tinha visto nada semelhante. É uma paciente, que chegou aqui afetada por uma cardiopatia”, queixou-se com amargura o doutor Sahagún. Nascido em Zamora, o médico, irmão da esposa do ex-presidente Vicente Fox, saiu em defesa de sua paciente:

“Olhe, para entrar em uma casa-albergue cheia de crianças não é preciso tanques e rifles. E se o internato está sujo, em vez de armas, deveriam ter trazido produtos de limpeza”.

- Mas o que se investigam são também abusos, humilhações e estupros de menores.

"Pode ser que essa mulher não tenha conseguido controlar como fazia antes. Mas o fato de ser pobre e não ter como atender da forma devida, não quer dizer que seja uma delinquente, apenas que precisa de ajuda".

A opinião do doutor Sahagún constitui o núcleo de uma argumentação, que depois da prisão de Verduzco, foi expressa por numerosos intelectuais mexicanos e que culminou em um manifesto assinado, entre outros por Jean-Marie Le Clézio (Prêmio Nobel de Literatura), Enrique Krauze, Elena Poniatowska (Prêmio Cervantes), Jean Meyer, Javier Sicilia e Juan Villoro. O texto, sem negar os supostos abusos e a necessidade de puni-los, critica o excesso policial ao enviar o Exército ao internato e o “linchamento” de sua principal figura. “Essa mulher supriu as carências assistenciais em uma zona muito pobre, aonde não chegavam nem o Estado nem a Igreja. Sua instituição vive da caridade pública. Quando eu a visitei pela primeira vez, em 1983, ela já era uma lenda. Desde os 13 anos, tirava as crianças de uma miséria espantosa e lhes dava uma educação”, explica Krauze, porta-voz do protesto.

A pressão a favor de Verduzco teve efeito. Mas falta saber o que ela vai fazer. Pessoas próximas acham que tentará voltar ao internato. “Se não deixarem que volte, terá perdido seu objetivo de vida”, explica seu primo, o sacerdote Alfonso Verduzco, que seguiu seus passos desde criança, quando aquela garota de caráter forte e gestos masculinos recolheu pela primeira vez um menino da rua, que os bêbados de Zamora obrigavam a tomar vinho e dançar em cima das mesas dos bares. Isso aconteceu há 65 anos. E agora, tirando as pressões políticas e as lembranças, abre-se a dúvida de como quase 500 menores puderam viver nessas condições, submetidos a abusos e humilhações, em um internato conhecido em todo o México, sem a atuação prévia de nenhuma autoridade local, estadual ou federal.

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