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A Alemanha ganha como nunca

Os alemães dão à Europa o primeiro título na América ante uma resistente Argentina Ninguém jogou melhor no campeonato que o time do técnico Joachim Löw

José Sámano
Rio de Janeiro -
Götze marca o gol da vitória da Alemanha.
Götze marca o gol da vitória da Alemanha.gabriel bouys (afp)

O Messi atual não bastou para ser o protagonista com que tanto sonhava a sua querida Argentina. A final chegou tarde para Leo. Para Götze, ela não pôde ser mais pontual. Um gol para a história pelo seu valor de romper uma barreira imbatível desde 1930: pela primeira vez, a Europa pôde comemorar na América. O mérito fez justiça a uma grande equipe, uma seleção que sempre foi respeitada porque botava medo. Agora, a Alemanha, com seu quarto título, merece ser admirada. Ninguém jogou melhor na Copa. E, com poucos recursos, ninguém foi tão competitivo quanto a Argentina. O jogo tornou maiores as duas equipes.

Foi uma final que honrou o Maracanã, um jogo que o Brasil merecia ver, porque o fracasso de sua seleção não pode apagar os arquivos dourados de seu futebol. Alemanha e Argentina jogaram de peito aberto, cada uma com seu futebol, sem que ninguém se escondesse. Não houve fogos de artifício, mas sim um duelo corpo a corpo, com boas jogadas nas duas áreas, com Romero e Neuer em alerta máximo, com os alemães mantendo a bola junto aos pés, em todas as suas linhas, com um apoteótico Lahm, um Müller com muita raça, um Neuer monumental e um Kroos solene. A Alemanha, com afeto, dedicação e paciência, montou um timaço, que pode fazer escola. A Argentina não tem esse time, mas conseguiu ser erguer como uma equipe trabalhadora e com muita vontade. Se os alemães dominaram os espaços reduzidos, os sul-americanos dominaram o campo aberto, e Messi fazia dele um mundo próprio.

A Argentina se impôs e fez mais do que parecia ser capaz, pelo menos pelo que mostrou em sua estupenda atuação no maior dos dias. O time foi unido como sempre, mas nunca aceitou o papel heroico dos mais fracos. De acordo com seu DNA, todos foram argentinos até a medula, com tudo isso que supõe: nada de se intimidar. Sob a batuta de Mascherano, a Albiceleste fechou-se à frente de seu goleiro, mas não titubeou em sair com ímpeto para o jogo.

A Alemanha, glorificada para sempre depois de arrasar o Brasil, sentia-se ameaçada, não estava diante de um adversário com taquicardia. Higuaín a fez prender a respiração após um erro grotesco de Kroos, que tentou recuar de cabeça para o goleiro quando no meio do caminho estava o Pipa. O atacante argentino correu em linha reta, cara a cara com Neuer, mas chutou torto. Às vezes, com o gol tão próximo, alguns ficam cegos. Higuaín, por duas vezes, teve o paraíso na ponta das chuteiras. A realidade o superou. E ele acabou indo para o banco.

Os dois times jogaram de peito aberto, cada um com seu futebol, sem que ninguém se escondesse

A equipe de Löw, didática e harmônica com seus passes subordinados, remava pela lateral de Lahm e Müller, mas na outra borda tinha uma brecha considerável. Özil, o de sangue frio em tantas ocasiões, não auxiliava Höwedes, um zagueiro adaptado como lateral, de carroceria pesada. A equipe de Sabella matou a charada, e seus ataques chegavam por essa rota de fuga. Em uma delas, Lavezzi, depois de uma excelente manobra de Messi, disparou e cruzou para Higuaín mandar para redes –mas com um corpo de impedimento. O ataque seguinte coube ao capitão. Messi fez uma infiltração tipicamente sua pela esquerda de Neuer, mas Hummels e Boateng se juntaram para varrer a bola quando ela se aproximava do gol.

Messi observa a celebração dos jogadores alemães.
Messi observa a celebração dos jogadores alemães.MICHAEL DALDER (REUTERS)

Um fato acidental corrigiu os alemães. Kramer, escalado na última hora para o lugar de Khedira, que se sentiu mal no aquecimento, sofreu uma forte pancada num choque de cabeça com Garay e foi a nocaute. O garoto saiu grogue, e Löw recorreu a Schürrle, que cobriu o vazio deixado por Özil na esquerda, fazendo o atleta do Arsenal se deslocar para o centro, onde tem melhor visão panorâmica e atribuições menos tediosas. A Argentina já não tinha caminho livre, e Höwedes devolveu o susto de Higuaín com uma cabeçada na trave, nos estertores do primeiro tempo. Schürrle, além disso, produziu alguns quantos arremates.

Higuaín, por duas vezes, teve o paraíso na ponta das chuteiras. A realidade o superou

Sabella, ou seja lá quem for, moveu as fichas no intervalo, e Messi trocou de sócio: Agüero, que atravessa uma época de abatimento, deu lugar ao ativo Lavezzi. Em nada melhorou a equipe sul-americana. Leo recuou um passo, tendo o Pipa – e depois Palacios, seu substituto - e Kun como referências. Na frente, Özil se animou, e a Alemanha encontrou outro recurso. Não houve quem conectasse o gancho final, por mais que o confronto fosse lá e cá, com labaredas em ambos os lados. Messi estava lá – não aquele de outro planeta, mas estava. E isso é muito. Quem também andava solto era Müller, esse predador que caça gols como num safári. A partida, sem parêntesis para o tédio, tinha curvas, ninguém estava a salvo. A Alemanha, exuberante e sem se acomodar, não deixava de insistir. A Argentina, com seus corsários, não baixava a cabeça: o reputado Schweinsteiger não impressionava Biglia, nem Enzo Pérez se esgotava diante do badalado Kroos. O duelo era sufocante, de alta voltagem, sem tempo para uma piscadela. Com a pulsação disparada, já na prorrogação, quando as cãibras campeavam no gramado, de novo a Argentina teve o céu aos seus pés. Palacios, tendo esse Golias que é Neuer no seu nariz, tentou encobrir o goleiro. O argentino mascou a bola com a tíbia, e ela foi para o vazio. Aí a Argentina se desvaneceu, já com Messi fora de foco.

Com os pênaltis à vista, Schürrle se aventurou pela esquerda, e seu cruzamento caiu aos pés de Götze, que afundou a Argentina inteira –e talvez também Messi, o último grande gênio, o menino de Rosário que até ontem cumpria todos e cada um dos sonhos alvicelestes. Para ele não haverá consolo na Copa. A Alemanha o impediu ao ganhar como nunca: por seu bom futebol e por seu rastro indelével na América. E ganhou em pleno Maracanã, que expressava o seu mal-estar a cada imagem da presidenta Dilma Rousseff. Para o Brasil, a Copa deixa um gosto amargo.

Lahm levanta o troféu no Maracanã.
Lahm levanta o troféu no Maracanã.Natacha Pisarenko (AP)

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