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Um país nocauteado

Incrédulo, decepcionado, humilhado, sem saber para onde olhar, o Brasil acorda imerso no pesadelo dos 7x1 Os especialistas se perguntam que efeitos terá a derrota da seleção brasileira nas próximas eleições de outubro

Antonio Jiménez Barca
Uma torcedora brasileira em Brasília.
Uma torcedora brasileira em Brasília.UESLEI MARCELINO (REUTERS)

Na cafeteria da esquina de um bairro comum de São Paulo, próximo à estação de metrô de Pinheiros, um policial cabisbaixo sentado no balcão conversava com um aposentado ainda mais cabisbaixo sob os olhares de um garçom silencioso porém ainda mais deprimido. O aposentado, então, deu um tapa na mesa e resmungou, para que o policial o ouvisse:

- Quem dera o Chile tivesse nos eliminado nos pênaltis. Quem dera.

O Brasil acordou incrédulo, triste, nocauteado, imerso ainda na névoa tóxica do pesadelo dos 7 a 1, em suas funestas consequências. Um comentarista de rádio madrugador da emissora CBN falava da falta de tática futebolística da equipe de Scolari. Mas um segundo comentarista, meia hora depois, comentou que a acachapante derrota, segundo ele, despertou outra vez o complexo de inferioridade do brasileiro e o devolve de uma vez para a realidade cheia de problemas da qual escapou durante o longo mês em que a seleção durou na Copa.

Na mesma noite da goleada ocorreram incidentes em São Paulo, no Rio e em outras grandes cidades brasileiras, que tinham mais a ver com um vandalismo incontrolável do que um movimento organizado de protestos: brigas, incêndios de ônibus, saques de lojas... O amanhecer trouxe uma calma triste e compungida, como a que se respirava na cafeteria do policial e do aposentado. As camisas amarelas desapareceram de repente. Todos os que a exibiam orgulhosamente no dia anterior as tinham guardadas em casa.

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O 7 a 1 nas redes sociais
A lição de Scolari
“Um vexame histórico”

A maioria dos jornais (suas capas aparecem cheias de “humilhação”, “vexame”, “vergonha”) especula sobre a possível influência que esse incrível placar pode ter nas próximas eleições de outubro. Todos os especialistas coincidem em lembrar que nunca o resultado da Copa influenciou as urnas, e as Copas coincidem, desde 1994, a cada quatro anos, com as eleições para presidente do Brasil. Mas esses mesmos especialistas também lembram que nunca o Brasil sofreu uma derrota tão acachapante, tão demolidora, com um potencial simbólico comparável – talvez maior – com a derrota do Maracanã em 1950. “Só superamos o trauma de 1950 com outro maior”, resumia um seguidor do Facebook. A frase sobre o trauma não é à toa: os jornais colocam conselhos de psiquiatras e psicólogos para que a goleada não afete demasiadamente as crianças.

Não se sabe ainda até que ponto a derrota aumentará novamente os protestos e manifestações que ficaram adormecidos quando a bola começou a rolar e que, há um ano, sacudiram o país inteiro pedindo menos gastos nos estádios do futebol e mais nos serviços públicos para ter um melhor transporte público, melhores escolas e melhores hospitais. Segundo a imprensa brasileira, os assessores da presidenta Dilma Rousseff e os membros do seu governo estão atônitos, na expectativa, sem saber como irá reagir o eleitorado frente a essa enxurrada de gols e de decepção, se se traduzirá em uma seca de votos em comícios que por si mesmo já são muito disputados. Rapidamente, a presidenta enviou, através de sua conta de twitter, uma mensagem para elevar os ânimos: “Estou muito triste pela derrota. Mas não podemos nos abater. Brasil, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.

“Que não existam dúvidas. Isso influenciará nas pesquisas e Dilma Rousseff irá cair. As pessoas agora culpam o treinador Scolari, mas logo transferirão essa frustração para Rousseff”, assegura o sociólogo especialista em esportes Flávio de Campos. Esse especialista recorda que, durante a partida, o público passou, quase sem perceber, de insultar o criticado centroavante Fred para dirigir-se à presidenta. E acrescenta uma particularidade do povo brasileiro que hoje aparece em carne viva: a identificação da essência do país com o futebol. “Sempre esperamos que os jogadores da seleção encarnem a força, a virtude e a criatividade que não encontramos em outros espaços sociais”.

Talvez por isso, segundo alguns, a derrota histórica que a Alemanha infligiu ao Brasil sirva de vacina, de curativo. Assim assegura o editorial da Folha de São Paulo: “A partida talvez implique que se acabe com uma época na qual país e estádio, torcida e povo e nação e seleção eram vistos como a mesma coisa (...) Talvez possamos dizer agora que o Brasil é maior que seu futebol”.

Em uma carta ao diretor do mesmo periódico, Albino Marcondes, de São Paulo é mais taxativo: “Acabou a euforia. Vamos cuidar da economia, fazer com que este país volte a andar. Basta de emoção. Vamos solucionar a inflação. Desperta para a realidade, Brasil”.

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