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A Justiça dos EUA impede a Argentina de pagar sua dívida reestruturada

Um juiz de Nova York bloqueia o envio de dinheiro a credores do passivo em estado regular e determina que o Governo de Cristina Fernández entre em acordo primeiro com os fundos abutres

Buenos Aires -
Axel Kicillof, ministro da Economia da Argentina.
Axel Kicillof, ministro da Economia da Argentina.Diego Levy (Bloomberg)

A Argentina não poderá pagar na próxima segunda-feira os 539 milhões de dólares (1,19 bilhão de reais) que devia e queria destinar aos credores da dívida reestruturada em 2005 e 2010. No entanto, tem um período de graça até 30 de julho para evitar a suspensão de pagamentos, que seria a segunda neste século, depois da de 2001.

O fato é que o ministro da Economia argentino, Axel Kicillof, tinha anunciado na quinta-feira que o país enviaria aquele dinheiro para arcar com o vencimento da dívida emitida nos EUA, Reino Unido e Japão, apesar da sentença do juiz de Nova York Thomas Griesa que obriga a Argentina a pagar primeiro 1,33 bilhão a três fundos abutres e a outros credores que rejeitaram as trocas de 2005 e 2010, e que continuam reclamando na justiça os papéis não pagos desde 2001.

Griesa determinou na sexta-feira que a Argentina não poderia concretizar o pagamento da dívida reestruturada por considerá-lo “ilegal” e mandou o país negociar com os abutres.

O Governo de Cristina Fernández de Kirchner se nega a pagar os credores litigantes porque teme que se acumulem demandas num total de 15 bilhões dos 7% dos que rejeitaram as trocas, uma soma de dinheiro equivalente a mais da metade das reservas do Banco Central argentino. Mas também quer mostrar que mantém a vontade de pagar os 93% que aceitaram a reestruturação. Por isso, Kicillof anunciou na quinta-feira que enviaria os 539 milhões a esses investidores. Para isso, depositou o dinheiro no mesmo dia nas duas contas que o agente fiduciário da dívida, The Bank of New York, tem no Banco Central do país sul-americano, de tal modo que na segunda-feira chegassem às mãos dos credores da dívida nova. Apesar de alguns peritos especularem que esse dinheiro poderia ser embargado por Griesa para ressarcir os queixosos, de acordo com o estabelecido em sua sentença, outros analistas descartaram essa possibilidade porque os EUA não podem congelar ativos na Argentina e porque tão logo The Bank of New York transfira o dinheiro aos donos de títulos esse montante já lhes pertence, e não mais ao país sul-americano.

A Argentina tem até 30 de julho para evitar a suspensão de pagamentos

A reação dos fundos abutres ao anúncio de Kicillof não se fez esperar. O fundo NML pediu na quinta-feira a Griesa uma audiência para verificar se o pagamento não implicava um desacato à justiça norte-americana. O juiz de Nova York, de 84 anos, aceitou a petição e convocou a reunião para sexta-feira. Ali, Griesa não se referiu a embargo algum, mas, tal como solicitaram os abutres, ordenou a The Bank of New York que não fizesse o pagamento aos credores da dívida reestruturada e que devolvesse o dinheiro ao governo argentino. O advogado do banco norte-americano, presente na audiência, disse que a instituição acataria o que o juiz dissera. Os representantes da Argentina responsabilizaram Griesa, os litigiosos e The Bank of New York pelo não cumprimento do vencimento da dívida nova.

O juiz se queixou de que com esse anúncio de pagamento a Argentina havia interrompido as negociações iniciadas por um mediador designado por ele na segunda-feira. No entanto, Griesa mandou que essas conversações prossigam. “Seria desejável, se for possível, chegar a um acordo.” Mas nem todo o discurso do juiz foi tão suave. Ele também tachou de “explosiva” a decisão da Argentina de expedir o dinheiro. Os advogados do país sul-americano se justificaram dizendo que se não o fizessem os credores da dívida reestruturada poderiam iniciar ações legais.

Agora se abre um período de um mês no qual a Argentina e os abutres discutirão como se executa a sentença. Não está em debate o valor reivindicado, pois a sentença ordena pagar sem reduções como as aceitas pela maioria dos credores em 2005 e 2010. O que se avalia é se Buenos Aires pagará em dinheiro, como determinou o juiz, apesar de o Governo de Cristina considerar impossível assumir isso, ou com títulos públicos, cujos vencimentos ocorrerão nos próximos anos.

O problema enfrentado pela Argentina é que se oferecer aos abutres títulos públicos pelos 100% que reclamam desde 2001, os credores que aceitaram as trocas de 2005 e 2010 também podem exigir o mesmo tratamento, de acordo com uma cláusula de seus bônus. Uma alternativa é que, dada a escassez de divisas de que padece a Argentina e que levou este ano à desvalorização do peso, inflação de 35% e recessão, o país sul-americano consiga financiamento de algum banco de investimentos para pagar à vista os litigantes sem sacrificar suas reservas internacionais. Vários bancos fazem fila para oferecer o dinheiro porque acreditam que, se a Argentina resolver esse caso, as cotações de seus títulos saltarão nos mercados, já o país mantém, além do mais, uma baixa dívida externa com o setor privado, da ordem de 8% do PIB.

Mas enquanto o conflito pelo julgamento se agrava, há províncias argentinas que têm de adiar seus planos de emitir dívida para custear gastos cotidianos. Por sua vez, a Argentina continua acumulando apoios de organismos internacionais e outros países à sua posição porque eles preveem um possível efeito sistêmico com a sentença de Griesa a favor dos que rejeitam as reestruturações de dívidas e apostam na reclamação pela via judicial. Na quinta-feira foi a vez da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), órgão das Nações Unidas.

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