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A imputação da Infanta Cristina

A infanta Cristina é indiciada

A irmã do rei da Espanha é investigada por delito fiscal e lavagem de dinheiro

Iñaki Urdangarin beija o pescoço de sua esposa, a infanta Cristina, na chegada ao banquete do casamento real da princesa herdeira da Suécia, em 2010.
Iñaki Urdangarin beija o pescoço de sua esposa, a infanta Cristina, na chegada ao banquete do casamento real da princesa herdeira da Suécia, em 2010.France Press

O juiz José Castro, que há três anos investiga os negócios ilegais de Iñaki Urdangarin, confirmou a imputação de Cristina de Borbón, irmã do rei Felipe VI, por crime fiscal e lavagem de dinheiro. Segundo a investigação judicial que acumula 32.000 páginas de documentos, a duquesa de Palma se beneficiou dos negócios ilegais do marido com administrações públicas, cujos lucros eram destinados à empresa Aizoon, na qual o casal detinha 50% das ações. Isso é o que afirma o juiz, que, na manhã desta quarta-feira, tornou público o auto de transformação de diligências prévias em processo acelerado, passo anterior à abertura do processo. Iñaki Urdangarin foi indiciado por oito acusações: desvio de dinheiro, prevaricação, falsidade ideológica, tráfico de influências, falsificação, fraude, superfaturamento e dois delitos fiscais.

“Temos indícios de sobra de que dona Cristina de Borbón e Grécia interveio, de um lado, lucrando em benefício próprio, e de outro, facilitando os meios para que seu marido fizesse o mesmo, mediante a colaboração silenciosa de seus 50% do capital social, de fundos ingressados ilicitamente na entidade mercantil Aizóon”, afirma o auto. Os crimes dos quais a Infanta é acusada estão dispostos nos artigos 301 e 305 do Código Penal. No primeiro caso, se a dívida contraída com a Receita supera os 120.000 euros (363.000 reais), mas é inferior a 600.000 euros, a pena estabelecida no Código Penal varia entre um e cinco anos de prisão. O crime de lavagem de dinheiro é passível de seis meses a seis anos de reclusão.

O juiz, que quer ver a infanta sentada no banco dos réus, manteve a imputação de 16 das 32 pessoas supostamente envolvidas no caso, muitas delas pertencentes à rede empresarial montada por Urdangarin e seu sócio, Diego Torres, e outros antigos funcionários de instituições públicas que contemplaram a dedo os contratos ao Instituto Nóos.

Nos processos acelerados não existe auto de acusação, previsto apenas para causas nas quais as penas pelos crimes cometidos superam os nove anos de cadeia. Mas os efeitos do auto de transformação de diligências prévias em processo acelerado, este que foi anunciado hoje pelo juiz José Castro e que mantém a imputação de Cristina de Borbón, são idêntidos. O juiz, após sua investigação judicial, insiste que tem indícios de crimes na atuação da pessoa imputada em quantidade suficiente para levá-la a julgamento.

A lista de indiciados inclui ainda o ex-presidente do Governo das Ilhas Baleares, Jaume Matas, e os antigos altos funcionários do Governo balear Pepote Ballester, Gonzalo Bernal, Juan Carlos Alía, Miguel Ángel Bonet. Também foram imputados o ex-sócia de Iñaki Urdangarin, sua esposa, Ana María Teijeiro, e seus irmãos Miguel e Marco. Foram ainda indiciados membros da Generalitat Valenciana (governo regional da Comunidade Valenciana): Luis Lobón, José Miguel Aguilar, Jorge Vela e Elisa Maldonado. A lista se completa com a ex-conselheira delegada de campanha Madri 2016, Mercedes Coghen.

Urdangarin e seu sócio receberam mais de seis milhões de euros dos Governos das Ilhas Baleares e da Comunidade Valenciana para organizar eventos nos quais gastaram apenas dois milhões de euros. Os contratos foram agraciados através do Instituto Nóos, que se apresentava como uma entidade sem fins lucrativos. No entanto, o Instituto Nóos desviava o dinheiro público obtido dessa maneira para empresas privadas de propriedade de Urdangarin e Diego Torres. Uma dessas empresas era a Aizoon, cujos donos eram Cristina de Borbón e seu marido. Através dessa empresa, o casal usou o dinheiro para despesas particulares que apresentavam à Receita como gastos próprios da atividade comercial da companhia.

Os advogados dos Duques de Palma devem recorrer da decisão do juiz de colocar o casal no banco dos réus diante da Audiência Provincial de Palma de Mallorca, que há mais de um ano decidiu anular a imputação da infanta e pedir ao juiz que aprofundasse suas investigações.

O caso Nóos foi descoberto por acaso durante a investigação do caso Palma Arena, aberto depois de uma denúncia do Governo balear, então presidido pelo socialista Francesc Antich, diante do superfaturamento detectado nas obras de um centro poli esportivo que passou do preço de licitação de 48 milhões de euros para mais de 110 milhões de euros. Em um dos registros ordenados pelo juiz, foi encontrada documentação que fazia referencia ao convênios que o Governo balear firmava com o Instituto Nóos para a organização de eventos de esportes e turismo.

Ao puxar esse fio, o juiz Castro e o fiscal Pedro Horrach descobriram a trama empresarial que Urdangarin e Torres montaram para realizar fraudes, desviar recursos públicos e se apropriar indevidamente do dinheiro dos governos, segundo a investigação judicial.

Três anos depois da investigação iniciada por causa daquela descoberta casual, que não tinha nada a ver com o objeto das pesquisas sobre o centro poliesportivo que disparou de preço, os duques de Palma estão a um passo do banco dos réus.

O prejuízo para a imagem e o prestígio da família real foi enorme, a ponto de sua nota nas enquetes do CIS terem caído para 3,72, quando já chegara a superar 7. O rei cessante, Juan Carlos I, chegou a se envolver na busca por uma solução para os negócios suspeitos de seu genro ao pedir-lhe para abandonar o Instituto Nóos em 2006, quando os grupos da oposição no parlamento balear começaram a questionar os contratos privilegiados oferecidos à entidade pelo Governo de Jaume Matas (PP). Após ouvir a notícia, nesta quarta-feira, a Casa do Rei expressou “seu total respeito à independência do poder judiciário”.

O juiz vê "indícios de sobra" de que dona Cristina lucrou

O auto do juiz Castro não deixa dúvida sobre a intervençao da irmã do Rei: "Temos indícios de sobra de que dona Cristina de Borbón y Grecia interveio, de um lado, lucrando em benefício próprio e, de outro, facilitando os meios para que seu marido fizesse o mesmo, mediante a colaboração silenciosa de seus 50% do capital social, de fundos ingressados ilicitamente na entidade mercantil Aizóon, procedentes dos lucros da Associação Instituto Nóos de Investigação Aplicada com custos para os cofres públicos das comunidades valenciana e das Ilhas Baleares através das faturas que emitiu para a Associação Instituto Nóos para esvaziar seus fundos que, além de ilícitos, não poderiam explicitamente ser repartidos por, aparentemente, ser uma entidade sem fins lucrativos e que a própria Agência Impositiva afirma serem falsas, já que depois de 20 de março de 2006, esse dinheiro continuava em seus cofres."

O magistrado considera que "não está aí a origem dos fundos ilicitamente lavados", já que, embora "tenham terminado desterrados", os indícios que pesam sobre a irmã do Rei sobre sua participação nos supostos delitos fiscais cometidos por seu marido, "apareceria então inevitavelmente o delito da lavagem de dinheiro", que "poderia ter sido cometido com o dinheiro que seu marido teria obtido".

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