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A Copa mais realista do Brasil

Os brasileiros se reconhecem mais críticos depois dos erros cometidos durante a preparação do Mundial Agora, só resta torcer pela seleção

Carla Jiménez
Uma garota tira uma foto em frente a painel no aeroporto de Brasília.
Uma garota tira uma foto em frente a painel no aeroporto de Brasília. PAUL HANNA (REUTERS)

Foram 2.417 dias entre a eleição do Brasil para sediar a Copa do Mundo até o dia de hoje. Seis anos e sete meses que funcionaram como um túnel do tempo, que levou os brasileiros a se depararem com um espelho cuja imagem refletida foi deveras incômoda. Além de apaixonados por futebol, os pentacampeões ouviram adjetivos desconfortáveis, como corruptos, acomodados, ingênuos, incompetentes e despreparados. A exposição dos erros com o Mundial tirou os brasileiros da inércia e promoveu uma onda de protestos inédita, que começaram há exatamente um ano, em junho de 2013, quando milhões de brasileiros saíram para protestar por transporte, saúde e educação de qualidade.

Agora, no anunciado 12 de junho, o Brasil será visto por um bilhão de espectadores que vão acompanhar as partidas do Mundial, começando com a seleção brasileira enfrentando a Croácia. Foram 64 anos para repetir a façanha de 1950, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra mobilizou o país para receber a primeira Copa do Mundo no Brasil. Foi para aquele campeonato que o Maracanã foi construído às pressas, quando Dutra também foi cobrado por dedicar mais recursos para o futebol e menos para a saúde, como relata o jornalista e historiador Marcos Guterman no livro O futebol explica o Brasil.

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Está claro que o Brasil de 2014 não é o mesmo dos anos 50, quando poucos estudavam, e a televisão ainda era uma novidade, embora a saúde pública ainda deixe a desejar. Agora, no entanto, estão as redes sociais, onde toda informação e sensação é instantânea e partilhada. Foi nas redes que os brasileiros reclamaram, se consolaram, e dividiram suas aflições e percepções sobre tudo que o Mundial de 2014 provocou. As manifestações de junho do ano passado, aliás, também foram combinadas pelas redes.

Neste último ano, a avaliação é que o país amadureceu. “Estamos mais críticos [depois da preparação da Copa], com erros terríveis de direitos e deveres, cidadania e respeito a sociedade e ao próximo”, avalia o engenheiro Marcelo Colonno, que nasceu no final dos anos 1960.

A geração mais contrária ao evento, porém, nasceu quando o Brasil ainda era tetracampeão, em 1994, como mostra a pesquisa do instituto Data Popular, divulgada na véspera do Mundial. O levantamento revelou que 52% dos jovens entre 16 e 24 anos se mostravam contra a realização do Mundial no Brasil. Esses jovens eram pequenos quando veio o penta, em 2002, e agora vão encarar a versão 2014. Vão se render hoje ao ‘algo a mais’ que embevece o Brasil? A dúvida é se esse mesmo algo a mais distraiu a população durante os desvios de rota dos planos iniciais assumidos cinco anos atrás. Os gastos de mais de 26 bilhões de reais, mais do que todas os Mundiais anteriores, chocou a população que passou o ano apoiando os protestos contra a Copa.

Se as Copas costumam beneficiar o presidente da vez, Dilma Rousseff não pode dizer que foi brindada com esse encanto. Embora tenha se esforçado para animar a população, uma pesquisa eleitoral desta semana, que mostrou sua queda nas intenções de voto, talvez a tenham convencido de que o melhor será não fazer discursos na abertura da Copa hoje no Itaquerão.

À medida que a estreia do Mundial se aproximava, as ponderações começaram a ser feitas. “Dá pra gostar da Copa (e de futebol) sem ser um alienado”, diz Patrick, um morador de Brasília, na casa dos 40 anos, que se animou ao esbarrar com um grupo de colombianos entusiasmados com o Mundial. A Colômbia vai jogar na capital do país no dia 19 contra a Costa do Marfim.

Os turistas latinos, aliás, mais familiarizados com as mazelas propagadas durante a preparação do Mundial, não resistiram à ideia de vivenciar a famosa febre tropical, que esvazia as ruas durante os jogos do Brasil e proporciona o silêncio típico dos dias de Natal. Até que um gol seja marcado e os gritos explodam. “O povo já entendeu que título não enche barriga”, filosofa Eduardo Garcia, estudante de Geografia de São Paulo. “Mas a nossa cultura afetiva com o futebol e a seleção é uma alegria para o povo. É o único momento em que nos unimos, independentemente de classes sociais”, completa.

Talvez por isso grande parte dos milhões de brasileiros que promoveram a primavera brasileira não vão desligar a TV na hora do jogo: 75% dos brasileiros vão acompanhar os jogos da seleção, segundo o instituto Data Popular.

A história deve reconhecer que as jornadas de junho, que completam um ano exatamente agora, foram a semente antecipada da Copa do Mundo de 2014. Somente por isso parece que o evento já valeu a pena, como bem constatou o filósofo Vladimir Safatle, em seu artigo na Folha de S. Paulo esta semana. “Não houve Copa”, ironiza Safatle, numa alusão à alegria tímida que o povo brasileiro exibiu na prévia do campeonato. “E quem mais ganhou com isso foi o Brasil”, conclui.

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