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A lei de abdicação consegue um amplo consenso no Congresso espanhol

Os partidos majoritários elogiam o Rei e sua contribuição à democracia e à estabilidade

Deputados da Izquierda Plural pedem um referendo durante a votação.
Deputados da Izquierda Plural pedem um referendo durante a votação.ULY MARTIN

A grande maioria da Câmara dos Deputados da Espanha se despediu nesta quarta-feira do reinado de dom Juan Carlos, com o reconhecimento de seu trabalho, e deu as boas-vindas ao próximo rei, Felipe VI, com a reafirmação do pacto constitucional e a contribuição da monarquia parlamentarista.

A Câmara aprovou a lei de abdicação, a norma mais curta e mais transcendente das últimas décadas na Espanha, em um ambiente de solenidade que terá continuidade no dia 19 com o ato de proclamação do novo rei Felipe VI. O único sobressalto foi o voto dos socialistas Odón Elorza e Guillem García: o primeiro se absteve rompendo a disciplina do voto, e o segundo, que pediu liberdade para votar, não esteve presente. Ambos serão multados em 400 euros.

Continua o processo da primeira sucessão na Coroa sob a Constituição de 1978, graças aos 299 votos dos deputados do PP, PSOE, UPyD, UPN e Foro Asturias, contra os 19 da Izquierda Plural, ERC, BNG, Geroa Bai, Compromis-Equo e Nueva Canarias, e as 23 abstenções de CiU, PNV, Coalición Canaria e Elorza.

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Nesse ambiente de transcendência histórica, o chefe de Governo, Mariano Rajoy, e o líder da oposição, Alfredo Pérez Rubalcaba, coincidiram em uma espécie de reedição do consenso que marcou o início da Monarquia constitucional e que serve para concluir os 39 anos de reinado de Juan Carlos I.

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A partir de diferentes pontos de vista, ambos endossaram a Constituição de 1978, a contribuição do Rei e a esperança em seu sucessor, apesar de que coincidiram em dizer que só se tratava de ratificar a abdicação e não de debater ou votar o modelo de Estado. O único matiz é que o líder do PSOE assegurou que "não se trata somente de uma mudança de geração". "Essa mudança deveria abrir caminho para um novo tempo", disse, e nele situou uma reforma constitucional e mudanças institucionais que afetem a lei eleitoral, o modelo territorial e o funcionamento dos partidos, entre outros.

O chefe do Governo espanhol interveio para defender o projeto de lei e dar a solenidade correspondente ao processo de sucessão. A partir da "normalidade e da naturalidade" e como "sintoma de estabilidade e de maturidade democrática", segundo suas próprias palavras. Porque, segundo Rajoy, "nenhum espanhol fica intranquilo com a abdicação, pois ninguém considera que se produziu um vazio no poder, nem que se abriu uma etapa de incertezas. A Espanha permanece tranquila, porque se apoia na estabilidade de seu sistema político e na solidez das instituições constitucionais".

"Não estamos aqui para modificar os fatos, mas para sublinhar com nossa lei que, na Espanha, contamos com uma monarquia parlamentar. Quer dizer, uma democracia na qual tudo o que afete a Coroa, assim como tudo que diz respeito às instituições do Estado, exige a intervenção das Cortes", sublinhou Rajoy para explicar o processo no Congresso.

Em duas ocasiões, assegurou que "a forma política do Estado não está na ordem do dia", que só se tratava de cumprir a Constituição, e lembrou a Transição para remarcar a importância da Monarquia para manter o sistema democrático. "Somos uma Monarquia, porque os espanhóis assim querem. Veem na Monarquia o melhor símbolo de unidade e permanência do Estado e porque estimam que é a opção que melhor garante a imparcialidade, a estabilidade política, a continuidade das instituições e, definitivamente, a convivência pacífica que é indispensável para o progresso e a posteridade".

O chefe de Governo aproveitou para homenagear dom Juan Carlos porque, segundo disse, "seria necessário estar muito cego de obstinação para não reconhecer os méritos que obteve o Rei que agora nos deixa: seu empenho por encarnar a harmonia de todos, sua capacidade para ser o melhor símbolo de nossa democracia no mundo e, não podemos esquecer, o cuidado que colocou na preparação de quem está chamado a sucedê-lo."

Ao ainda monarca atribuiu virtudes como "responsabilidade, serenidade, caráter, preparação, competência e maturidade". Para acrescentar: "Temos a certeza, junto com a maioria dos espanhóis, de que essas condições e qualidades também serão encontradas em Dom Felipe de Borbón y Grecia".

No balanço do reinado, Rajoy situou a comparação com a Espanha de 39 anos atrás, quando não havia liberdade e o existia era "uma sociedade bastante fechada sobre si mesma e um ator isolado de seus vizinhos e pouco relevante na cena internacional". Agora, segundo disse, "a Espanha é uma economia desenvolvida, um país de direitos e liberdades, uma sociedade aberta ao futuro. Somos uma democracia consolidada e estável". "Ele quis ser o Rei de todos e conseguiu" e "foi destinado a ele um papel extraordinário, desempenhado de forma excepcional", resumiu.

Rubalcaba: "Seria um disparate votar não"

Alfredo Pérez Rubalcaba interveio em apoio à lei, em uma de suas últimas interferências parlamentares como líder do PSOE e da oposição. Seu discurso serviu para explicar que não estava em votação a forma do Estado e também para argumentar a posição de seu partido frente à Monarquia, mostrar sua fidelidade ao pacto constitucional, deixar clara sua lealdade ao próximo Rei e pedir que comece um tempo novo que inclua uma mudança constitucional e institucional.

Segundo disse, seria "um disparate" votar contra uma lei de abdicação que só cumpre a Constituição e explicou que o PSOE apoia o processo de sucessão, porque se trata "da ratificação do consenso alcançado na Transição" e de um "exercício de coerência política".

"Essa lei serve para cumprir a Constituição, para sermos fiéis ao consenso que permitiu sua aprovação, e como expressão da vontade de colaborar para abrir um tempo novo, que nos permita enfrentar a crise social, política e econômica que a Espanha está vivendo. Votaremos a favor, porque se trata de cumprir a lei, a Constituição com a qual contribuímos para elaborar, que aprovamos com o nosso voto e que defendemos", argumentou.

Em sua declaração de intenções, assegurou que o PSOE "defende a preferência republicana, mas somos compatíveis com a monarquia" e "nós, socialistas, não ocultamos nossa opção republicana. Mas reafirmamos nossa fidelidade ao consenso constitucional", com argumentos como a garantia para a estabilidade e a democracia que representa o Rei.

"A soberania reside no povo. Os cidadãos não são súditos, são cidadãos. Votaremos a favor para cumprir a lei. Estamos decidindo sobre a abdicação, sobre a abdicação, não sobre a sucessão. Isso foi votado em 1978. Agora se trata da abdicação. Não da sucessão, que é regulada pela Constituição".

Também comprometeu a lealdade de seu partido com o próximo Rei, assegurando que quem será nomeado Felipe VI no dia 19 de junho "tem a maturidade, a preparação e o sentido da responsabilidade necessários para assumir com plenas garantias a Chefia do Estado e abrir uma nova etapa na Espanha" e desejando "o melhor para seu reinado, garantindo o respeito e a lealdade do grupo socialista e oferecendo nossa colaboração para abrir esse tempo novo que nosso país necessita".

Nesse novo período, assegurou que "a abdicação do Rei Juan Carlos I e a proclamação do novo Rei Felipe VI deveriam servir para abrir caminho a um tempo de mudanças e reformas, pactadas, consensuais, mudanças institucionais e também constitucionais, que deveriam ser materializadas não em um novo processo constituinte, mas em uma reforma constitucional para melhorar o funcionamento dos partidos políticos; para mudar nosso sistema eleitoral; para recolher os avanços sociais que, nas últimas décadas, foram conseguidos e então consolidá-los; para abordar nossos problemas territoriais, o funcionamento de nosso Estado autônomo e levá-lo em uma direção federal. São reformas que são inadiáveis e imprescindíveis neste momento", afirmou.

Essas reformas terão que ser impulsionadas pelo novo líder do PSOE depois do congresso do mês de julho, no qual Rubalcaba será substituído como secretário-geral.

Também apoiou a abdicação e a tramitação da lei, o UPyD porque, segundo sua porta-voz, Rosa Díez, "se não aprovamos essa lei, ele não poderá abdicar".

Também porque, em sua opinião, significa cumprir a Constituição. "A resposta hoje é a Constituição, sim. O respeito à Constituição que corresponde ao período mais longo de liberdade, estabilidade e prosperidade que vivemos e que foi aprovada com um referendo em 1978".

"A forma de Estado não importa, o importante é a qualidade da democracia, a cidadania democrática, não a forma institucional do regime que a garante", assegurou Díez, para quem o povo espanhol está "em dia com o melhor momento da história do país e com a conquista da normalidade e da estabilidade institucional. Estamos à altura dos tempos".

A porta-voz da UPyD fez também uma forte defesa do Rei Juan Carlos afirmando que "soube aprender da sociedade espanhola e também dos fracassos" e que "ficou ao lado dos que queriam construir uma Espanha plural e democrática".

Ao futuro Rei deu seu apoio, não "como um cheque em branco", mas para pedir que esteja "do nosso lado na regeneração democrática". Disse que ele tem deveres na forma de "profundas reformas institucionais".

A esquerda pede um referendo

Do outro lado esteve a esquerda, especialmente o grupo da Izquierda Plural (IU, ICV e CHA), que votaram contra, que pediram um referendo sobre o modelo de Estado e que ilustraram sua posição com cartazes, nos quais se podia ler a expressão “Referendo Já”, e credenciais com a bandeira republicana em suas lapelas.

Cayo Lara, líder da IU, lamentou que o futuro Rei vá herdar a Coroa "como se fosse uma propriedade privada”. Em sua opinião, trata-se de um processo de sucessão "gerido de forma obscura. É sangue novo para uma dinastia decrépita". Lara ecoava a "voz das pessoas que sonhavam com uma República democrática", para falar da corrupção em torno da família real e colocar a disjuntiva entre "o direito de sangue ou a urna".

Do lado do não esteve também o porta-voz da ERC, Alfred Bosch, para quem em 9 de novembro, na consulta soberanista, “será possível escolher entre a monarquia espanhola e a república catalã, e proclamaremos a república catalã”.

Abstenções

No meio, ficaram CiU e PNV com sua abstenção. Josep Antoni Duran Lleida, porta-voz da CiU, explicou que os nacionalistas catalães se sentem excluídos do processo entre PP e PSOE, e pediu "sensibilidade" ao novo Rei sobre a Catalunha.

Aitor Esteban (PNV) fez referência ao pacto constitucional, do qual seu partido foi excluído e que levou a que somente 30% dos bascos tenham aprovado a Constituição.

E no extremo se situou Amaiur, cujos deputados abandonaram a votação e seu porta-voz, Sabino Cuadra, vinculou o Rei com torturas e o situou como herdeiro de Franco. E acabou com um grito de "Monarquia fora, viva Euskal Herria libre e republicana", enquanto abria uma bandeira basca na tribuna.

Os deputados da Izquierda Plural votaram não com frases como "por mais democracia, voto não", "pela democracia e a república, voto não" e "não, por mais democracia e liberdade". Os da ERC, com expressões como "pela república catalã, voto não". Os deputados do PSOE e do PP aplaudiram o resultado e os do Grupo Popular ficaram de pé.

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