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REVISTA SÁBADO

Letizia, a dama mais valorizada

A Princesa fala pela primeira vez em público desde o anúncio de que ela será rainha

Luz Sánchez-Mellado
Dona Letizia, na entrega dos Prêmios Nacionais da Moda.
Dona Letizia, na entrega dos Prêmios Nacionais da Moda.JULIÁN ROJAS

Facas não, porque não são utensílios próprios para o ofício. No entanto, além de pessoas lindas, galanteios e borrifadas de perfumes caros, voavam também tesouras na tarde da última sexta-feira no auditório do museu Reina Sofía. Na plateia, a nata da indústria de moda do país, que fingiam não saber de antemão quem seriam os vencedores dos Prêmios Nacionais de Moda, para que a princesa de Astúrias pudesse entregá-los sem arruinar o efeito surpresa. Por trás de tanta gentileza estava o desejo de todos os presentes de conquistar um espaço no guarda-roupa da dama mais valorizada do país: Letizia Ortiz Rocasolano, a próxima Rainha da Espanha.

Certamente alguém, em algum ateliê de luxo de Madri, provavelmente no do estilista Felipe Varela, está fazendo os ajustes no vestido da Princesa – uma mulher de 41 anos, não tão alta, mas magra, tipo de garça e pele translúcida – usará no solene ato de proclamação de seu marido, Felipe de Borbón, e dela mesma, sua consorte, como os novos Monarcas. Porte, desde já, não lhe falta.

Chegou bem depois que o resto dos mortais, cumprimentou os convidados ilustres, posou durante 30 segundos para os fotógrafos e foi rapidamente entregar os prêmios. Estava vestida com um Felipe Varela, obviamente. Um vestido de seda leve – que alguns diziam ser cinza perolado, e outros que era cinza-pedra – e justo, a cintura marcada por lantejoulas, perdão, pailletes, que se estendiam em tiras até a parte de baixo da roupa. Escoltando-a, o ministro Soria, titular da pasta da Indústria, com seu uniforme de burocrata e uma gravata ligeiramente violeta, que não chegava a despertar a suspeita de ser pouco monárquica. Borja Villel, diretor do museu, cumpria o papel de anfitrião com cara de “o que foi que eu fiz para merecer isso”, nunca vista antes.

Era a primeira vez que dona Letizia iria discursar em alto e bom som desde que foi anunciado que, no dia 19 de junho, ela passará a ser a nova rainha. E ela falou, depois de entregar o prêmio pelo conjunto da carreira ao veterano estilista Adolfo Domínguez e o de novo talento a Etxeberría. A Princesa agradeceu pelo convite, defendeu o triunfo da moda espanhola dentro e fora de casa e exaltou “o esforço e a magia” daqueles que criam as coisas belas que vestimos.

Antes, Etxeberría – um homem grande, com alargadores do tamanho de uma moeda de um euro nas orelhas e vestido com a, digamos, peculiar roupa de couro para homens que ele mesmo desenha e que dificilmente poderia ser utilizada em público pelo futuro Felipe VI –, quase beijou o chão em vez da mão de dona Letizia ao fazer uma reverência perante Sua Alteza. O veterano Adolfo Domínguez, mais sóbrio, recebeu um caloroso abraço da mulher que de vez em quando veste suas roupas e que teve o gosto por roupas de marca despertado por ele, ainda na época em que Letizia não era princesa e apresentava um telejornal. “É correta. Veste espanhol, e isso já é suficiente”, disse Domínguez, de 64 anos de idade, 40 de carreira e várias gerações de poderosos vestidos com suas roupas, ao ser perguntado sobre o estilo da princesa.

O que todos sabem é que dona Letizia é, e será ainda mais de agora em diante, a imagem da Espanha no mundo. Agora foi iniciada a disputa para vesti-la, e já há testes. Nem dom Juan Carlos nem dom Felipe, prestes a ser rei, foram os ícones escolhidos por veículos tão influentes como o The Telegraph para ilustrar a sucessão ao trono. O veículo escolheu como foto de capa aquela que Cristina García Rodero fez da Princesa de Astúrias em seu aniversario de 40 anos, na qual usava um vestido de guipure pretaque deixava os ombros de fora. De Felipe Varela, obviamente.

A preferência, quase única, da futura rainha por esse estilista constitui uma espécie de muro a ser derrubado pelos profissionais espanhóis do setor da moda, caso queiram que suas criações apareçam nesse tipo de foto para aproveitar o potencial de Letizia para atrair outras possíveis clientes. “Está sempre impecável, mas podia abrir um pouco o leque. Ainda mais agora que vai ser rainha. Eu mataria para vesti-la, e lhe digo que seria sensacional”, comentou o jovem estilista Juanjo Gómez, que usa óculos de aro grosso e barba homérica. Resta saber, no entanto, se Letizia será capaz de fazer com que modelos de roupas se esgotem nas lojas como acontece no caso de Kate Middleton ou, sem ir tão longe, Sara Carbonero.

Que dona Letizia não é uma vítima da moda já se sabe. A ponto de os repórteres cinematográficos de Mallorca se desesperarem quando ela ia para a redação praticamente vestida em farrapos, como uma turista plebeia. Mas, desde que descobriu Varela e confiou a ele o seu guarda-roupa, é raro que ela vista outra marca em algum evento. Ela repete modelos com tanta frequência que alguns suspeitam que o faz para passar uma imagem de austeridade por causa da crise econômica que o país enfrenta, ou talvez pela comodidade de usar peças que já sabe que lhe caem bem. As liquidações da Mango e da Zara da rua Princesa, em Madri, são as ocasiões em que, talvez, ela compre roupas mais informais que utiliza em shows indies ou para sair para jantar com o marido ou as amigas. Se ela continuará ou não com essa tradição após se tornar rainha é um enigma.

Essa é a batalha que empreendem agora aqueles que estavam presentes no evento de moda no Reina Sofía na última sexta-feira. Vestir Sua Majestade dona Letizia. Desde o presidente do júri, o alto-comissário da Marca Espanha, Espinosa de los Monteros, até Modesto Lomba, presidente da Associação de Criadores de Moda da Espanha (ACME), e Covadonga O’Shea, diretora da revista Telva. Na plateia, o mais vistoso da flora e da fauna – mais flora do que fauna – da moda, com seus uniformes de “somos diferentes e estamos superideais”. Nada a ver com a outra elite da sociedade madrilenha que tinha ido aplaudir o sogro de Letizia, dom Juan Carlos, em sua última aparição como Rei na corrida da Beneficência em Las Ventas.

Veremos se dona Letizia sai do arroz com feijão de Varela, Hugo Boss e Mango e ajuda a promover um setor que, em 2013, exportou bens no valor de aproximadamente 61,3 bilhões de reais e que gera emprego para mais de 100.000 pessoas. Ela vai ser rainha. Conhece bem a função. E não costuma dar ponto sem nó. Se possível, duplo.

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