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Mesmo contrariados, os brasileiros já admitem que apoiarão a Copa do Mundo

O maior evento do futebol potencializou os dramas do país, mas as ruas da cidade já começam a ficar enfeitadas e os carros a circular com bandeiras do Brasil

Carla Jiménez
Uma rua do Rio de Janeiro decorada para a Copa.
Uma rua do Rio de Janeiro decorada para a Copa.YASUYOSHI CHIBA (AFP)

Aos 45 minutos do segundo tempo, anônimos e formadores de opinião brasileiros começam a se posicionar contra o pessimismo exagerado que tomou conta do Brasil nos últimos meses. A poucos dias da estreia da seleção nos gramados, se intensificam as manifestações públicas de apoio à Copa – com ou sem protestos - e contra o mau agouro com tudo o que o Brasil fez ou deixou de fazer. Um dos mais articulados nesse movimento de resistência é o jornalista Xico Sá. “Poxa, vos peço, encarecidamente, deixem ter Copa, por favor, imploro, sei que vocês são minoria absoluta, mas também sei que é fácil fazer com dois pneus queimados os efeitos especiais de um "Apocalipse Now", escreveu ele em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, no dia 24 de maio.

Até mesmo a seleção brasileira, que chegou no dia 26 à Granja Comary sob protestos, saiu neste domingo rumo à Goiânia - onde joga um amistoso na terça - ouvindo gritos de apoio de torcedores, informa o portal UOL.

Nestes dias, diversas manifestações se encontram facilmente nas redes sociais, revelando que na disputa entre o sentimento de torcida, e o de frustração por todo os erros no planejamento do Mundial, o primeiro começa a prevalecer. Alex Silva, um “louco por futebol” confesso, desabafou na semana passada dizendo: “Esse bombardeio negativo [de reclamações] pra todo lado funciona mesmo. Tenho a impressão de morar no pior lugar do mundo e que algo vai acontecer a qualquer momento... Socorro!!!”, escreveu ele, disparando um longo debate sobre essa onda exagerada. Ontem, ele postou uma foto do seu filho com a camisa da seleção brasileira e garantiu ao EL PAÍS: “não acredito em olho gordo e eu acho que o Brasil ganha a Copa”.

A empresária Ana Maria Hitomi se incomoda com o que ela chama de uma campanha generalizada de desmoralização do Brasil pelos próprios brasileiros. “Já cansei desse discurso de terceiro mundo... ”

A onda avassaladora de críticas que varreu o país nos últimos meses é decorrente da superexposição com a Copa, que mostrou com lupa as fraturas sociais e transformaram o gigante latino-americano em saco de pancada mundial. No Rio de Janeiro, porém, uma pesquisa divulgada pelo jornal O Globo neste domingo, mostra que quase 70% dos cariocas acreditam que a população deve torcer pela Copa, receber bem os turistas ou fazer do Mundial uma festa.

Entre os paulistanos, cujo vício de falar mal do país é bem conhecido, as notícias sobre os erros de planejamento para o evento haviam levado o tom das lamúrias à estratosfera. O mau humor nunca foi tão grande na história recente, às vésperas de um Mundial, ainda mais, com os protestos salpicados, que fechar avenidas importantes nas grandes cidades e promovem balbúrdia no trânsito.

Mas, num país onde o esporte trazido pelos ingleses transformou-se num traço de identidade nacional, a bronca contra o Mundial não poderia ser diferente. “O futebol tem a capacidade de potencializar os dramas do país”, diz Flávio de Campos, coordenador do Núcleo de Estudos de Futebol e Esporte da Universidade de São Paulo. Neste ano, em especial, houve ainda um adendo ao debate sobre a Copa. Ele ganhou contornos políticos, desde as jornadas de junho. Quem é contra o Governo atual, torce contra. “E os jovens que estão nas ruas [fazendo protestos antiCopa] são muito críticos em relação a este Governo, ou a qualquer um, e têm um certo desencanto em relação às instituições”, completa Campos.

O ator Gregorio Duvivier encara os protestos como fundamentais e não acredita que a paixão pelo futebol tenha de calar as insatisfações. “Ficaria muito feliz se, pela primeira vez na história, nosso bom futebol não calasse a nossa consciência política”, diz ele. “Acho fundamental que se manifeste repúdio ao oportunismo de Ronaldo, um jogador vendido, e ao caráter de José Maria Marín, presidente da CBF e ladrão notório”, completa o ator, que estará na Europa, durante o Mundial, mas verá os jogos pela televisão.

As manifestações como as do mês de junho não devem voltar, porque as cenas de violência afastam aqueles que foram às ruas por primeira vez. Porém, uma nova tática se repete quase que diariamente. Poucas pessoas, mas que promovem um barulho potencializado pelo tumulto em ruas obstruída, ou quebra-quebras em lojas. No sábado, um grupo de 500 pessoas protestou contra a Copa em São Paulo, na praça da Sé, no centro da cidade. Embora o número seja reduzido, bloqueou algumas vias na região central.

Agora, porém, os protestos começam a esbarrar em carros com bandeiras do Brasil penduradas, algo que acontece apenas de quatro em quatro anos. Ao contrário de outros países, onde a população cultiva o hábito de exibir suas bandeiras, em São Paulo essa manifestação patriota é rara. Somente durante a Copa.

Diferentemente da outra vez em que o Brasil foi anfitrião do Mundial, em 1950, o evento deste ano acontece na esteira da, talvez, maior manifestação nacional do Brasil contemporâneo, que foram os protestos de junho, o que criou uma imagem peculiar para quem vem de fora. Mas, aqui dentro os brasileiros continuam refletindo sobre o assunto. “Os protestos de junho mostram que estamos assumindo a responsabilidade pelos nossos atos e percebendo que, como diria Brecht, nada deve parecer impossível de mudar. Acho que a consciência política veio pra ficar”, diz Duvivier. É essa consciência que tenta dividir espaço na mente e no coração dos brasileiros com a paixão pelo futebol.

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