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Coluna
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Por que o Brasil deveria ganhar a Copa

Tal e como está o clima social neste país, uma vitória brasileira poderia ter consequências positivas para toda a sociedade

Juan Arias

Faltam dez dias para o início da Copa do Mundo no Brasil, país que nunca recebeu tanta atenção mundial e que vive um momento de perplexidade. Isso faz com que nessa competição não seja indiferente, nem social nem politicamente, que a Seleção Brasileira saia vitoriosa ou derrotada.

Talvez nunca se tenha escrito tanto sobre um Mundial de futebol, nas vésperas do acontecimento como está ocorrendo agora no Brasil. A Copa para os brasileiros, em primeiro lugar, é mais do que um acontecimento esportivo, já que deixou em carne viva os nervos da sociedade, até o ponto de se falar em um antes e depois do Mundial, algo que oferece uma carga especial de responsabilidade a todos os níveis.

Se no passado, para o Brasil ganhar ou perder a Copa era só uma questão de paixão nacional pelo futebol e não afetava as eleições políticas como indicam agora as estatísticas, desta vez uma vitória ou uma derrota da Copa jogada em chão brasileiro poderia ter maiores repercussões em níveis que afetam a própria vida dos cidadãos.

Tal e como está o clima social neste país, uma vitória brasileira poderia ter consequências positivas para toda a sociedade. Por vários motivos, dentro e fora do país.

Fora, porque atrasos, erros e tropeços cometidos durante a preparação deste Mundial, junto à campanha de rua “Não vai ter Copa”, chegaram de surpresa em um momento em que o Brasil tinha uma imagem no exterior que não se lembrava há muitos anos. O país se apresentava como a nova meca da América Latina, um gigante que acordava com uma nova pujança econômica e social, um lugar onde começavam a chegar até cidadãos cansados do primeiro mundo.

As manifestações de junho passado e as organizadas contra as despesas da Copa levantaram o discurso de que, melhor que organizar esse Mundial de futebol, seria melhor, por exemplo, desfrutar de melhores serviços públicos. E aquela imagem positiva do Brasil chegou a ficar avariada. De alguma maneira, já que do mesmo modo que talvez se tinha exagerado antes ao apresentar o país como um paraíso, sem problemas e sem pobreza, hoje os problemas do país estão sob o prisma de um derrotismo talvez exagerado que também não corresponde à realidade.

Seria por isso importante, neste aspecto, que o Brasil ganhasse limpa e belamente a Copa oferecendo aquele espetáculo da bola que o mundo sempre esperou e desfrutou vedo os jogadores brasileiros jogar.

Perder a Copa ou oferecer um futebol sem graça e sem paixão poderia ser visto pelos pessimistas como a confirmação de que o país está caminhando ladeira abaixo, já que o futebol, goste ou não, continua sendo um emblema e uma bandeira de cunho brasileiro.

Mais importante, no entanto, seria que o Brasil ganhasse a Copa perante à mesma sociedade. O país está vivendo um momento de mudança geracional. Tomou consciência de seu poder real dentro e fora de suas fronteiras, de suas riquezas e possibilidades e cresceu uma forte consciência coletiva que exige melhorias a todos os níveis e maior ética política. Poderia ser dito que está nascendo um Brasil “inconformado” com parte de seu passado e que deseja um futuro melhor.

Foi escrito que o Brasil começava a deixar para trás seu proverbial complexo de inferioridade, triste herança da escravatura e de políticas arcaicas, ao se ver admirado e observado com interesse até pelas grandes potências mundiais.

De repente, essa consciência coletiva de querer forçar os políticos a melhorar o país, que foi vista como um crescimento da população, parece ter se precipitado em um pessimismo coletivo ressuscitando, sem razão, em plena luta pela modernidade, o velho complexo de seus antepassados. Ou bem uma raiva e desconsolo geral que acaba criando sintomas de depressão pessoal e coletiva.

Foi escrito neste mesmo diário que o Brasil já ganhava a Copa porque, pela vez primeira, para os brasileiros, o futebol não era prioritário em suas exigências sociais e políticas. E é verdadede, já que hoje o Brasil é mais que futebol. Sonha mais alto.

E, no entanto, estão sendo os brasileiros os que, de repente, parecem ter se dado conta de que seria melhor separar as coisas, em vez de se deixar arrastar por sentimentos extremistas, algo alheio à idiossincrasia pacífica deste povo. Os brasileiros começaram, nas vésperas do Mundial, como bem escreve aqui Carla Jiménez, a “dividir o espaço entre a mente e o coração”, já que enquanto não renunciam a pressionar os governantes a forjar um país melhor, também não desejariam perder sua velha paixão pelo futebol que para eles é mais forte que os escândalos da FIFA e os erros de seus governantes.

Por tudo isso, como prêmio a esta sabedoria que estão oferecendo os brasileiros, mereceriam ganhar também o troféu. Mais ainda, neste ponto, seria importante que o Brasil ganhasse a Copa. Eles saberão depois distinguir entre esse triunfo, que seria de todos, e as responsabilidades que são só de alguns e que a sociedade, mais madura, saberá também julgar nas urnas.

O Brasil aparece como um país inconformado, mas não vencido. Tem ainda muito jogo pela frente quando as luzes e polêmicas do Mundial tiverem sido apagadas.

O Brasil não é o mesmo de um passado ainda recente pois agora não renuncia a poder ser melhor do que foi. Que ninguém, nem governo nem oposição, pretendam se fazer de surdos, porque este país cordial está aprendendo também a rugir.

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