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Um símbolo da luta contra a exploração sexual deixa a sua fundação após mentir

A famosa ativista cambojana Somaly Mam, prêmio Príncipe de Astúrias de Cooperação em 1998, deixou a fundação que preside após uma investigação encontrar falsidades na história de sua vida

Macarena Vidal Liy
A ativista Somaly Mam durante uma cerimônia em 2008.
A ativista Somaly Mam durante uma cerimônia em 2008.MAK REMISSA (EFE)

A famosa ativista cambojana Somaly Mam, prêmio Príncipe de Astúrias de Cooperação em 1998, pediu demissão da fundação que preside após uma investigação particular encontrar falsidades na história de sua vida, e que ela contava para promover a luta contra o tráfico sexual.

Em um comunicado, a Fundação Somaly Mam anunciou que a ativista renunciou após a organização não governamental encarregar à firma de advogados norte-americana Goodwin Procter, há dois meses, uma investigação privada sobre o passado de sua presidenta e de outra vítima do tráfico de pessoas, Long Pros, que também havia divulgado a sua história para promover a fundação e arrecadar fundos.

“Como resultado dos esforços da Goodwin Procter, aceitamos a demissão de Somaly de forma imediata”, indica a diretora-executiva da fundação, Gina Reiss-Wilchins. “Embora essa notícia nos entristeça, seguimos agradecidos ao trabalho de Somaly nas últimas duas décadas e por ter contribuído para a criação de uma fundação que ajudou milhares de crianças e mulheres, e que conscientizou enormemente em relação aos cerca de 21 milhões de pessoas que vivem na escravidão hoje em dia”.

A fundação assegura que, apesar da demissão de sua inspiradora, seguirá adiante com os seus trabalhos e os da organização que Mam criou há quase vinte anos para ajudar as vítimas do tráfico de pessoas, a AFESIP (Ação para as Mulheres em Condição Precária). “Ajudamos cerca de 100.000 mulheres e crianças. Tratamos cerca de 6.000 indivíduos em clínicas gratuitas nos bairros de prostituição em Phnom Penh e envolvemos cerca de 6.400 estudantes no ativismo contra o tráfico”.

Como resultado dos esforços de Goodwin Procter, aceitamos a demissão de Somaly de maneira imediata Gina Reiss-Wilchins, diretora executiva da Fundación 

Somaly Mam (1970) recebeu em 1998 o prêmio Príncipe de Astúrias de Cooperação Internacional por seu trabalho na ajudar às vítimas do tráfico sexual, colocando-a no patamar de outras mulheres como Rigoberta Menchú e Emma Bonino. Foi o prêmio que deu o incentivo para que ampliasse de forma gradual a sua fundação além das fronteiras do Camboja: Vietnã, Laos, Tailândia... Em 2009 a revista Time a escolheu como uma das cem pessoas mais influentes do ano, e em 2012 foi convidada a falar na Casa Branca.

Mas o jornalista Simon Marks, ex-repórter do diário Cambodia Daily, identificou nos últimos dois anos inúmeras contradições na biografia da ativista, “Inocência Perdida”, e nos relatos de outras supostas vítimas ajudadas pela fundação. A renúncia ocorre poucos dias após a revista Newsweek publicar um artigo de Marks em sua capa denunciando as falsidades nas histórias de Somaly e Pros, que afirmava ter perdido um olho pelas mãos de um proxeneta e de ter sido obrigada a praticar a prostituição. No artigo, a revista reúne as declarações dos pais de Pros, que negam que sua filha tenha exercido a prostituição e asseguram que a perda do olho se deveu a um tumor.

A renúncia tem local poucos dias após que a revista Newsweek publicasse um artigo em sua portada no que denunciava as falsidades nas histórias de Somaly

Somaly Mam, de 44 anos, assegura em seu livro que foi criada junto com um homem mais velho, a quem chamava de “avô” e que a maltratava. O “avô” a teria vendido aos 13 anos a um homem que a desvirginou e depois a obrigou a se casar com um soldado. Dali passou a uma vida de prostituição até conhecer Pierre Legros, um francês que acabaria sendo seu marido.

Mam já havia admitido em algumas que mentia ou exagerava a respeito de alguns casos que contava para conseguir financiamento. Em 2012 reconheceu que mentiu em um discurso na ONU em Nova York, quando declarou que o Exército cambojano havia invadido a sua fundação e matado oito mulheres que tinham sido resgatadas pela sua organização de uma rede de prostituição.

Mam foi vendida pela família que a acolhia aos 13 anos 

Legros, hoje ex-marido de Mam, nega por sua vez que, como a ativista afirmou em sua biografia, a filha de ambos tenha sido sequestrada e estuprada por causa do trabalho de sua mãe, e assegura que a jovem fugiu com o seu namorado.

A AFESIP, a fundação de Mam, abriu um escritório na Espanha em 2004 para impulsionar uma campanha internacional contra o tráfico. Na ocasião, ela declarava a EL PAÍS: “Quero mais poder para as mulheres, quero que sejam poderosas para que sejam independentes. Quando me chegam crianças estupradas e prostituídas, independentemente do que passaram, me identifico e as abraço. Eu uma vi minha mesma capacidade de superação. Talvez seja a minha sucessora", confessava.

"Escutá-las é ver por um espelho. E tenho duas opções: deixar isso e seguir com a minha nova vida, ou continuar. Escolhi a segunda opção, e tenho de aprender a viver com as suas histórias".

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