_
_
_
_
_
Giro político em China

A China dá uma guinada na sua política externa na África

Pequim promove a estabilidade e a segurança no continente para proteger a sua economia. O primeiro-ministro Li Keqiang viaja a Etiópia, Nigéria, Angola e Quênia

Li Keqiang, com o presidente de Etiopía, Hailemariam Desalegn.
Li Keqiang, com o presidente de Etiopía, Hailemariam Desalegn.Elias Asmare (AP)

Desde que assumiu o poder do Estado, em março de 2013, a nova geração de dirigentes chineses liderada pelo hoje presidente Xi Jinping não só pôs em marcha importantes reforma econômicas e sociais como também multiplicou os esforços de política externa, com vistas à estabilização, a segurança e a economia da China.

Nesse plano, tem papel crucial a criação das condições que permitam abrir mercados para os produtos manufaturados chineses – com valor agregado cada vez maior – e garantir os recursos minerais e energéticos dos quais o país precisa para manter o processo de desenvolvimento.

Isso significa incrementar as relações com nações ricas em matérias primas e em crescimento, como as africanas. Daí que Pequim tenha dado uma guinada na sua política na África, tradicionalmente centrada no aspecto econômico, para impulsionar a estabilidade e a segurança no continente.

“No passado, a China, principalmente, ajudou os países africanos a que se desenvolvessem, melhorassem seu crescimento econômico, ampliassem suas infraestruturas e incrementassem o comércio com a China. Mas agora a China percebeu que a estabilidade política e a segurança são tão importantes quanto o desenvolvimento das suas economias, por isso está prestando mais atenção a tal aspecto. É o caso do Sudão do Sul. A China entrou em uma nova etapa no que diz respeito à segurança na África”, explica Liu Hongwu, diretor do Instituto de Estudos Africanos na Universidade Normal da província costeira de Zhejiang.

O primeiro-ministro Li Keqiang iniciou ontem na Etiópia uma viagem de uma semana pela África, que o levará também a Nigéria, Angola e Quênia. Li participará em Abuja (capital da Nigéria) da reunião do Fórum Econômico Mundial sobre a África, que começa na quarta-feira e dura três dias. O dirigente chinês procura reforçar os intercâmbios econômicos com o continente, que em 2013 superaram pela primeira vez em um ano os 200 bilhões de dólares (quase 450 bilhões de reais), e dissipar as críticas sobre a existência de um colonialismo chinês. “Trata-se de uma importante visita orientada a todo o continente”, com o objetivo de renovar a “tradicional amizade” entre a China e a África e fazer avançar “um novo tipo de associação estratégica”, afirmou Zhang Ming, vice-ministro de Relações Exteriores, às vésperas da viagem de Li.

Em 2009, a China superou os Estados Unidos e se tornou o maior sócio comercial da África, com uma cota de 13,5%, segundo dados da OCDE. O comércio bilateral passou dos 10 bilhões de dólares (2,25 bilhões de reais) em 2000 para 210.000 bilhões em 2013. Cerca de 2.500 empresas chinesas operam no continente.

Interesse renovado do Japão e Estados Unidos

J. R, Pekín

O cortejo chinês na África teve como consequência um interesse renovado no continente por parte de outras potências. O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, visitou em janeiro a Costa do Marfim, Moçambique e Etiópia, e ofereceu financiamento no valor de 320 milhões de dólares (718 milhões de reais) para impulsionar a paz e a segurança na África, incluídos 25 milhões de dólares (56,1 milhões de reais) para enfrentar a crise no Sudão do Sul.

A viagem foi repudiada por Pequim, que acusou Abe de retratar a China como uma ameaça durante seu giro africano. O governo chinês atacou Tóquio por meio de seu embaixador na União Africana e Etiópia, Xie Xiaoyan, que denunciou o Japão em uma entrevista à imprensa por seu passado imperialista e disse que Abe tentava semear a discórdia na região. Xie não se preocupou com rodeios diplomáticos e mostrou fotografias de torturados e cadáveres de cidadãos chineses durante a invasão japonesa da China na Segunda Guerra Mundial.

Os Estados Unidos também querem recuperar o tempo perdido. O presidente Barack Obama convidou 47 líderes africanos para ir a Washington nos dias 5 e 6 de agosto para realizar a primeira cúpula de dirigentes dos dois lados, com o objetivo de reforçar o comércio e os laços de segurança com a África, que, segundo afirmou Abe na capital etíope, Adis Abeba, “se transformou agora no continente que abriga as esperanças do mundo mediante o potencial latente de recursos e seu dinâmico crescimento econômico”.

Para Liu Hongwu, diretor do Instituto de Estudos Africanos na Universidade Normal da província de Zhejiang, não se trata de uma competição. “A estratégia da China em relação à África é o resultado de sua compreensão do que a África necessita, e não está dirigida contra nenhum outro país, como o Japão e os Estados Unidos. Mas há pessoas nesses países que pensam com o velho espírito de confronto. Especialmente no Japão, o Governo (do primeiro-ministro) Shinzo Abe adotou uma estratégia global de contenção da China”, disse Liu. “Muitas das políticas do Japão na África têm esse objetivo. Pode escolher a estratégia que quiser para conter a China, mas não acredito que a África tome partido (por Pequim ou Tóquio) como deseja o Japão e, além disso, creio que é desnecessário que tente frear a China na África.”

Angola é um dos principais fornecedores de petróleo para a China, ao passo que, no Quênia, empresas chinesas têm importantes projetos energéticos e estão construindo uma nova linha férrea ligado a costa do oceano Índico à fronteira com Uganda. O investimento direto chinês acumulado na África alcançou 25 bilhões de dólares (56,1 bilhões de reais) no final do ano passado.

A política externa de Pequim segue o ritmo dos seus interesses econômicos no mundo. Algo que ficou ainda mais claro recentemente na África. Zhong Jianhua, representante especial para assuntos africanos, participou de janeiro das negociações de paz que levaram a um delicado cessar-fogo entre o Governo do presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, e os rebeldes leais ao seu ex-vice, Riek Machar. “A China deveria se envolver mais na busca por soluções para a paz e a segurança em qualquer conflito ali”, afirmou Zhong à agência Reuters. “Isso é um desafio para a China (…). É um novo capítulo para a política externa chinesa”.

Embora o cessar-fogo no Sudão do Sul não tenha durado muito, ele demonstrou o papel novo e ativo que Pequim desempenha no conflito. “A China tem interesses energéticos no Sudão do Sul, por isso esperamos cada vez mais que esse país possa manter a paz e a estabilidade”, disse Qin Gang, porta-voz da chancelaria, no mês passado.

Milhares de pessoas já morreram no Sudão do Sul, e mais de meio milhão precisaram fugir dos seus lares desde meados de dezembro, na pior explosão de violência desde que o país se tornou independente do Sudão, em 2011. A comunidade internacional teme que a instabilidade nesse país rico em petróleo se estenda pelo resto de uma região já bastante volátil. Zhong, que possui grande experiência no Sudão do Sul, afirmou que esse problema é sua prioridade número um.

As relações de Pequim com a África se intensificaram a partir da década de cinquenta, quando a China respaldou os movimentos africanos de libertação contra o colonialismo ocidental. Nas duas últimas décadas, construiu e financiou estradas, aeroportos, ferrovias, estádios, portos, hospitais e escolas, ao mesmo tempo em que se beneficiava dos recursos minerais, madeireiros e energéticos em um continente rico nesses bens.

O avanço da política externa chinesa, apoiada tradicionalmente na não ingerência em assuntos internos de outros países, não vinha seguindo o mesmo ritmo. Mas sua contínua ascensão econômica e a necessidade de proteger seus interesses lhe conferem – ou lhe obrigam a assumir – novas responsabilidades internacionais. Pequim importou 3,5 milhões de toneladas de petróleo bruto do Sudão do Sul no ano passado. É seu maior cliente petrolífero.

O governo chinês afirmou que agirá com precaução e defendeu que a solução para o conflito sudanês deve respeitar a proposta das nações da África, onde alguns dirigentes consideram a China um contrapeso ao Ocidente e lhe agradecem os empréstimos baratos que lhes dá, mas ao mesmo tempo veem com inquietação a forma como está levando seus recursos naturais e a pouca transferência tecnológica que fez às indústrias locais. No total, 85% das exportações africanas para a China são matérias primas, como petróleo e minérios.

As suspeitas quanto ao papel jogado pela China foram mostradas até pela especialista em primatas e antropóloga britânica Jane Goodall, que afirmou que a China está explorando os recursos da África do mesmo modo que os europeus fizeram, com consequências desastrosas para o meio ambiente e até mesmo piores que as provocadas pela colonização europeia, dado o tamanho da China e os avanços da tecnologia.

Os novos líderes chineses estão tentando mudar essa percepção. Antes de empreender no domingo o seu giro africano, Li Keqiang garantiu que as divergências e as críticas que surgiram sobre alguns investimentos chineses são tão somente “dores do crescimento” e “casos isolados”, mas instou as empresas chinesas na África a cumprir estritamente as leis locais. “Desejo garantir com toda a seriedade a nossos amigos da África que a China nunca seguirá o caminho do colonialismo como alguns países ou permitirá que o colonialismo, que pertence ao passado, reapareça na África”, disse ele, em comentários divulgados pela agência oficial Xinhua.”O destino da China e da África está intimamente ligado. Nós os apoiamos durante a luta pela independência e, no curso do desenvolvimento nacional sempre nos tratamos como iguais”, afirmou em Adis Abeba (capital da Etiópia), informa a Associatd Press.

A mesma mensagem Xi Jinping tinha enviado um ano antes. A primeira viagem que realizou ao exterior, em março de 2013, mal acabara de assumir a presidência do país, o conduziu à Tanzânia, África do Sul e República do Congo. “A África pertence aos africanos (…) Ao desenvolver relações com a África, todos os países deveriam respeitar sua independência e sua dignidade”, disse em Dar es Salam, a maior cidade a capital econômica da Tanzânia, em uma tentativa de aplacar as inquietações de quem pede no continente relações mais equilibradas com a segunda potencia econômica do mundo. Xi prometeu transferências de tecnologia e conhecimento para erguer indústrias locais.

As empresas chinesas investiram grandes somas em projetos de infraestrutura, mineração e energia no continente; mas algumas foram acusadas de tratar de forma injusta os empregados africanos, realizar obras de má qualidade e descumprir leis trabalhistas locais, entre outras coisas. Além do mais, o governo chinês tem sido acusado de neocolonialismo e de não favorecer o desenvolvimento econômico da África, ao concentrar-se principalmente na busca de matérias primas, mais do que em criar postos de trabalho.

No ano passado, o Governo da Zâmbia assumiu o controle de uma mina de carvão administrada por uma companhia chinesa porque não cumpria as normas de segurança, saúde e ambientais. Em 2012, os trabalhadores da mina mataram um gerente chinês durante distúrbios desencadeados pelas condições de trabalho.

 

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_