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Um pacote de bondades revela nas entrelinhas a candidata Dilma Rousseff

A presidenta anuncia medidas que adoçam os ouvidos dos trabalhadores, e reforça sua posição na corrida eleitoral: ela está no jogo mais do que nunca

Carla Jiménez

A deixa para que a presidenta Dilma Rousseff conversasse com seus leais ou potenciais eleitores foi a celebração do primeiro de maio. Na véspera do feriado do Dia do Trabalho, Rousseff anunciou, em cadeia nacional de rádio e televisão, um pacote de bondades para o trabalhador, a surrada estratégia para amenizar ondas desfavoráveis na opinião pública. Da correção da tabela do Imposto de Renda, que garante uma mordida menor do fisco, passando por um reajuste de 10% do Bolsa Família, e até o compromisso de manter a valorização do salário mínimo, um instrumento que mudou a lógica econômica no país, ao fortalecer a renda dos mais pobres durante os anos do PT no poder.

Trata-se de uma estratégia sinuosa, onde o Governo abre mais o cofre após o compromisso público de reduzir seus gastos neste ano, e ainda, com efeitos colaterais preocupantes, como a inflação que tira o poder de compra do mesmo que é beneficiado pelo aumento dos 10% do Bolsa Família.

Espremida por seguidas denúncias na Petrobras, a mandatária aproveitou para listar as benfeitorias do seu Governo e do anterior, numerando 20 milhões de empregos gerados nos últimos 11 anos

Sob forte pressão a alguns meses das eleições, espremida por seguidas denúncias na Petrobras, e até o fantasma da demissão, que ronda, por exemplo, o setor automotivo, a mandatária aproveitou para listar as benfeitorias do seu Governo e do anterior, numerando 20 milhões de empregos gerados nos últimos 11 anos, ou o ganho real de 70% dos salários nesse período, mensagens esta que antecipam um pouco do que trará a candidata à reeleição durante a corrida eleitoral. “Nosso Governo será sempre o da defesa dos direitos e das conquistas trabalhistas”, avisou Rousseff, estendendo a velha fórmula getulista de adoçar os ouvidos dos menos favorecidos.

Rousseff até ‘tucanou’ a inflação, falando da alta nos preços dos alimentos, chamando-a de incômodos temporários, ocasionados, muitas vezes, por fatores climáticos. Não havia espaço para falar dos efeitos sobre os índices inflacionários do preço da cabeleireira, da manicure ou da lavanderia, que aumentam muitas vezes sem pé na realidade, seguindo o comportamento de manada que a espiral inflacionária cria. O discurso sob medida revelava nas entrelinhas o aviso certeiro de Rousseff: ela está no jogo eleitoral mais do que nunca, num momento em que seus opositores dão sinais de reagir nas pesquisas – o levantamento da CNT divulgado na última segunda mostrou avanço de Aécio Neves e uma rejeição crescente à Rousseff - e quando o nome de seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, volta a ficar em evidência.

Nesta semana, ela teve de repetir em duas ocasiões, durante um jantar com jornalistas na segunda feira, e numa entrevista para uma rádio na Bahia, que levará sua candidatura adiante, apesar dos evidentes movimentos “volta Lula”. Nesta sexta-feira, criador e criatura se encontram no 14 Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, onde tentarão unir forças para reativar a militância política.

O discurso sob medida revelava nas entrelinhas o aviso certeiro de Rousseff: ela está no jogo eleitoral mais do que nunca, num momento em que seus opositores dão sinais de reagir nas pesquisas

A presidenta aproveitou o palanque digital do anúncio do Dia do Trabalho para falar da Petrobras, cuja presidenta, Graça Foster, precisou prestar contas novamente no Senado nesta quarta-feira. “A Petrobras jamais vai se confundir com atos de corrupção ou ação indevida de qualquer pessoa. O que tiver de ser apurado deve e vai ser apurado com o máximo rigor”, garantiu, completando que não vai ouvir calada a campanha negativa dos que, “para tirar proveito político, não hesitam em ferir a imagem dessa empresa que o trabalhador brasileiro construiu com tanta luta, suor e lágrima”, disse.

Rouseff mostrou as garras, mas não se sabe o nível de alcance de seus ataques, se serão suficientes para defender sua campanha eleitoral, pressionada até mesmo por partidos da base aliada. Num momento em que a sétima economia do mundo, como confirmou o Banco Mundial nesta semana, parece acordar de um inebriante otimismo que varreu o Brasil nos últimos anos, a tentativa do PT é de insistir na mensagem de que vale a pena acreditar que o futuro pode ser melhor ainda, com mais dinheiro no bolso, estabilidade e inflação controlada, além de uma disposição para promover novas mudanças.

O problema é que os instrumentos utilizados para que isso aconteça continuam mantendo o país numa espécie de armadilha que mantém o país preso a um desempenho insosso: previsão de crescimento da economia tímida: de 2,3% a 2,5%, segundo o Ministério da Fazenda, enquanto o mercado aposta em algo abaixo de 1,7%. Ao mesmo tempo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Petrobras começa a definir seus membros, comissão esta que servirá de megafone para seus opositores.

Há muita água para correr ainda debaixo dessa ponte, e pode ser que a Rousseff candidata deste ano esteja muito mais preparada que a de 2010, quando bastou a Lula chancelar seu nome para que as portas do Palácio do Planalto se abrissem. Mas, seus adversários também aprenderam a atacar os pontos fracos do PT, como a corrupção na máquina pública, o que vai garantir uma boa sequência de lutas na arena eleitoral até outubro.

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