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“A minha perspectiva era falhar”

Depois do sucesso de seu primeiro romance, ‘Fim’, Fernanda Torres lança seu segundo livro na Feira Literária de Paraty em julho

Marina Rossi
A atriz e escritora Fernanda Torres.
A atriz e escritora Fernanda Torres.Bob Wolfenson

Aos 48 anos de idade e mais de 30 de carreira, a atriz Fernanda Torres parece ter incorporado de vez uma personagem cômica. Hoje, a inesquecível Vani de Os Normais, seriado que ficou no ar por dois anos antes de virar filme, deu lugar à espevitada Fátima de Entre Tapas e Beijos, no ar na TV Globo desde 2011. Mas longe das câmeras, a irreverência e as piadas permanecem aparentemente sem nenhum ensaio prévio.

Parece que para Torres, aquela máxima de "a vida imita a arte" faz todo sentido. Antes de começar essa entrevista que ela deu ao EL PAÍS por telefone, a primeira pergunta que ela fez foi: “Você é brasileira?” E ouvindo a resposta afirmativa, disse “ah, fiquei imaginando se você não era uma espanhola disfarçada com um sotaque super escondido”.

Embora seja uma veterana nos palcos e nas telas, a filha da consagrada atriz Fernanda Montenegro (Central do Brasil, entre outros) está estreando em outras bandas, a da literatura. Seu primeiro livro, Fim, lançado em novembro do ano passado pela Companhia das Letras, já vendeu 100.000 cópias e rendeu um convite para a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, maior feira literária do país. “Estou igual a um pinto no lixo”, diz, sobre a participação na Flip. “Me sinto como se fosse debutar”.

Embora “não faça nenhuma ideia” de como será a sua apresentação na Flip, uma coisa é certa: vai lançar um segundo livro, feito de crônicas. E parece que é apenas o começo da carreira da atriz como escritora.

Pergunta - O seu livro nasceu de um pedido do cineasta Fernando Meirelles para que você escrevesse um conto sobre a velhice para se transformar em uma série. A série não deu certo, mas o conto virou o primeiro capítulo de Fim, que começa engraçado, mas depois fica triste e denso. Era essa a intenção quando você escreveu?

O hábito de ler não tem classe social. Existe gente analfabeta em todas as classes, mesmo entre os alfabetizados

Resposta - Eu não tinha intenção nenhuma. A única coisa que eu sabia era que eu deveria matar os cinco personagens da mesma forma. E os personagens foram sendo escritos por eles mesmos. O livro tem uma ironia que não se perde, mas sim, ele vai ficando mais denso. Porque é um livro sobre a morte, não sobre a velhice. Quanto mais o livro avança, menos ele fala da velhice. A discussão que está em jogo é a da morte, porque uma hora a gente vai estar vivendo aquilo.

P. Não é sobre a velhice mas tem um tom saudosista nas histórias, não?

R. Uma vez eu li uma entrevista com o Gabriel García Márquez e ele dizia que absolutamente tudo o que ele escreveu na vida tinha relação com a infância dele, e eu me identifiquei com isso. Não com o García Márquez, pelo amor de Deus! Não é isso. Mas me reconheci nessa memória de infância, das coisas emotivas, inexplicáveis. O Rio de Janeiro dos anos 70, que é o que aparece no livro, é o Rio da minha adolescência, de quando eu saí de São Paulo e vim morar no Rio. Está tudo lá. E eu acho que escrever talvez seja um ato saudosista.

P. Quanto tempo você levou, da ideia inicial até entregar o livro?

R. O primeiro conto eu escrevi em quatro dias, quando eu estava na minha casa em São Paulo sem meus filhos. O restante demorou um ano. A editora (Companhia das Letras) sugeriu que eu lançasse para o Natal, então o segundo semestre do ano passado foi uma loucura, como se estivessem gritando “remem! Remem!”. Eu cuspi o livro entre novembro de 2012 e agosto de 2013. Foi muito rápido e ao mesmo tempo tinha aquela coisa que eu sentia no início da minha carreira como atriz, que é a inspiração do iniciante, você não tem que provar nada. Então eu fiz esse livro muito relaxada, sem expectativas. Agora eu não tenho a menor ideia de como fazer outro. Foi totalmente empírico, eu não aprendi nada.

P. Você disse certa vez que jamais imaginou que chegaria perto da literatura e agora, além de estar nas listas dos mais vendidos, é uma das convidadas da maior feira literária do país. Isso muda seus planos ou objetivos?

Aos 20 anos, você pode até ser uma atriz meio medíocre, mas você terá emprego. Mas aos 48 anos…

R. A minha perspectiva era falhar….

P. Por quê?

R. Ah, uma atriz se aventurar a escrever com 48 anos? Eu nem sabia como terminar um livro! E agora estou nas listas dos mais vendidos. Estou junto com aquele cara... Como chama? John Green (autor norte-americano de A Culpa é das Estrelas, entre outros livros). Acho um barato, só tem os gringos e eu. Estou orgulhosíssima.

P. E isso em um país que lê pouco. Como você vê isso?

R. Eu começo a me perguntar se é isso mesmo. Temos analfabetismo, mas o Brasil não é só isso, é um país meio esquisito porque, ao mesmo temos o Roberto Shwarz, o João Ubaldo Ribeiro... Tanto na direita, quanto na esquerda, existem pessoas muito preparadas. Por isso eu acho que somos sim um país de gente que lê. E eu estou achando o mercado literário quente. Ele é mais reduzido, claro, você faz um seriado na televisão e milhões de espectadores assistem, já na literatura eu fico feliz porque o meu livro foi vendido para 100.000 pessoas. Eu estou surpresa. Sei que não existem 65 milhões de pessoas lendo um livro, mas existem 100.000 que irradiam aquele livro para muitos lugares. As pessoas têm me parado na rua para falar sobre o meu livro, para comentar sobre os personagens. É surpreendente. Eu tive uma experiência louquíssima lançando esse livro, porque acabei indo para desde programas de auditório até a esta entrevista ao El País. Quando eu imaginaria isso?

P. Mas o sucesso do seu livro não é a regra...

R. O hábito de ler não tem classe social. Existe gente analfabeta em todas as classes, mesmo entre os alfabetizados. Talvez essa simpatia que as pessoas tiveram com o Fim foi porque elas se reconheceram. Parece um livro argentino...

Parece que a única nobreza no Brasil é falar de problemas sociais. Eu queria muito falar da classe média hedonista carioca em 'Fim'

P. Por quê?

R. Porque é um livro de classe média, que fala de problemas da classe média, de problemas inerentes a ele mesmo. E o cinema argentino filma dramas de classe média. Já o Brasil é incapaz de filmar um drama decente de classe média. Parece que a única nobreza é falar de problemas sociais. E eu queria muito falar era da classe média hedonista carioca no Fim, mais do que a da morte ou da velhice.

P. E o que muda depois desse sucesso?

R. Agora eu posso dizer que eu escrevo um pouco. A parceria com a Companhia das Letras foi muito importante pra mim, porque foi como a parceria que uma atriz tem com o diretor no teatro. O livro veio ocupar o lugar do teatro para mim. O teatro exige estar sempre presente e eu sou sociofóbica e para escrever, você não precisa de ninguém, pode estar em casa, sozinho. Hoje eu não me vejo sem escrever. Eu escrevi um roteiro de terror, escrevo as minhas crônicas (para as revistas Veja Rio e Piauí e para o jornal Folha de S. Paulo).

P. Mas então existem planos de seguir por esse caminho da literatura?

R. Eu comecei a riscar algo para o futuro, porque escrever vai virando um vício. É maravilhoso, porque é muito mais fácil. Você não precisa de cenário, câmeras, incentivo fiscal, milhões em dinheiro para fazer. E ainda por cima, existem leitores. E eu preciso ganhar a vida, porque aos 20 anos, você pode até ser uma atriz meio medíocre, mas você terá emprego. Mas aos 48 anos…

P. Mas para uma atriz consagrada como você, essa questão da idade é vista sob outra perspectiva, não?

R. Eu não sou consagrada, sou sobrevivente. E o segredo de sobreviver é que eu me autoproduzi, eu fui fazer cinema, fui fazer teatro, fui produzir... A minha mãe (a atriz Fernanda Montenegro) fala isso: os primeiros 20 anos são moleza. É como eu me sinto escrevendo, tudo é fresco, porque você não se inventou ainda. Tudo pra mim é novidade, é um frescor. Envelhecer é muito difícil pra todo mundo. Agora, ninguém é consagrado, você sobrevive.

Eu tenho até medo de dizer que escrevo, porque ser escritora pode me levar à loucura. Tenho medo de virar aquelas pessoas que nunca saem de casa

P. Mas você é uma profissional acostumada com vitórias. Aos 20 anos, recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado, já fez diversos filmes e séries e filmes, e agora, 100.000 livros vendidos na estreia na literatura. O que te frustra hoje?

R. Ah, mas isso é porque você não viu as minhas derrotas! Eu não tenho só vitórias não. Eu já fui vaiada em alemão, fui vaiada no Teatro Tuca (em São Paulo), fiz filmes horríveis que passam até hoje no Canal Brasil, fui um fracasso na novela das oito (da Globo)... As pessoas não se lembram disso, mas eu lembro! Mas se algo me frustra hoje é a falta de tempo. Eu acho que a posição da mulher é muito sacrificada, porque ela acumulou o serviço. É uma vida vivida para os outros – para os filhos, para o trabalho, para os amigos, para a casa – e a culpa é nossa por sermos assim. Não conseguimos desligar das responsabilidades como os homens conseguem. Por isso, toda a minha vida é regida por salvaguardar os meus momentos sós. Eu tenho até medo de dizer que escrevo, porque ser escritora pode me levar à loucura. Tenho medo de virar aquelas pessoas que nunca saem de casa, sabe? Sabe a (escritora brasileira) Hilda Hilst, que ficou lá na casa dela com os cachorros e tal? Então... E por termos toda essa responsabilidade como mulher, sempre que eu escrevo meus personagens são todos homens, sabe? Porque essa é a minha essência, e essa é a minha primeira encarnação como mulher, isso é recente pra mim.

P. Você é espírita?

R. Não, mas gosto da ideia de que você pode ser um espírito jovem ou um espírito velho. Mas no final, acho que vou virar uma ameba, voltar pra terra.

P. E você é um espírito jovem ou velho?

R. Eu acho que sou um espírito velho, mas meio adolescente. Mas é isso, acho que vamos todos voltar para a terra, sabe? Uma vez perguntei a um amigo meu budista se ele acredita em reencarnação e ele disse que o que reencarna é uma parte tão ínfima de nós... Eu achei bonito isso e usei no meu livro.

P. Certa vez você disse que gostaria de voltar a escrever para si mesma. Você mantinha diários? Sempre escreveu?

R. Eu tive um diário aos 18 anos e parecia uma esquizofrenia. Outro dia fui ler e só tinha ansiedade. Porque aos 18 anos, as pessoas só têm ansiedade.

Eu pedi uma cola pra saber quem vai estar na Flip pra não dar gafe, porque eu dou muita gafe

P. Quais autores dos países vizinhos do Brasil você gosta?

R. Eu me iniciei na leitura com os livros do Machado de Assis e depois fui ler (Jorge Luis) Borges e (Julio) Cortázar, que foram autores que me deixaram muito impressionada. Depois eu fui para a França e não voltei à literatura contemporânea, passei muito tempo afastada do romance, lendo muita coisa científica. Quando eu voltei a ler romances, voltei a ler os autores do XIX, acabei agora de ler Anna Karenina (de Liev Tolstói), li tudo o que eu pude do Dostoiévski. Li muito García Márquez também. Mas dessa nova safra de autores mais contemporâneos, eu desconheço… é um horror, eu não sei o que eu vou fazer na FLIP (risos).

P. E como está a vida neste ano? Além de Tapas e Beijos e o trabalho de divulgação do livro, o que mais ainda vai fazer?

R. Ainda tenho dois filhos! Tenho um projeto chamado Minha Estupidez, que eu tento fazer há cinco anos e ele é hermético demais para a TV aberta e caro demais pra a TV fechada, acho que vou colocar na internet. É sobre pessoas eruditas no Brasil e em quais escolas elas se formaram, onde estudaram. E estou fazendo o livro de crônicas, acabei de escrever um roteiro de terror que um dia eu quero que vire um filme, não sei. E comecei a arriscar a escrever outra coisa. Virou um hábito, eu ponho as crianças na cama às dez da noite e fico escrevendo até a meia noite.

P. Então tem um projeto de mais um livro?

R. Esse ano eu vou lançar o livro de crônicas e ver se eu consigo sobreviver como escritora. O livro é um compilado de crônicas que eu já publiquei na revista Piauí, Veja Rio e na Folha de S. Paulo e que eu já estava preparando antes do Fim. Tem uma que eu escrevi que ia ser publicada na Piauí, mas acabou não sendo. Essa ainda ninguém conhece.

P. E qual é a sua expectativa em relação à FLIP?

R. Eu sempre quis ir como turista. Nunca imaginei que iria já tendo lançado um livro e lançando um outro de crônicas. Eu estou igual a um pinto no lixo! Me sinto como eu me sentia quando comecei a ir aos festivais de cinema, com 17, 18 anos. É como seu eu fosse uma debutante. Eu pedi uma cola pra saber quem vai estar lá pra não dar gafe, porque eu dou muita gafe. Mas eu não tenho a menor ideia de como vai ser. Como é? Você já foi?

P. Já. O legal é a atmosfera. Você está almoçando em algum lugar e de repente passa o seu escritor favorito.... É muito legal. Mas você já sabe como vai ser? O que você vai falar?

R. Não tenho a menor ideia! Não sei se serei eu, sozinha em uma mesa, ou se será uma mesa redonda com outras pessoas e isso me dá mais medo, porque eu tenho medo de não dominar esse mundo... Na verdade, eu vou procurar ficar calada que é sempre bom ficar calada. Passa aquela coisa da autora enigmática, sabe? (risos).

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