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“Não interessa elucidar o assassinato de Gonzalo”

A viúva do biólogo espanhol assassinado no Rio de Janeiro no último agosto denuncia a impunidade dos criminosos

O biólogo espanhol Gonzalo Alonso Hernández em sua propriedade rural brasileira.
O biólogo espanhol Gonzalo Alonso Hernández em sua propriedade rural brasileira.

Em 4 de agosto de 2013 o biólogo espanhol Gonzalo Alonso Hernández morreu com um tiro na nuca a poucos metros de sua bucólica propriedade rural encravada no coração do Parque Estadual Cunhambebe, no Estado do Rio de Janeiro. Todas as suspeitas apontaram naquele momento a grupos que aparentemente teriam motivos para se sentir ameaçados pelas investigações que Gonzalo desenvolvia no local. Os assassinos se encarregaram de roubar seu celular e seu computador portátil, onde armazenava valiosas informações sobre suas denúncias.

O caso ganhou ressonância na imprensa e tanto a viúva, María de Lourdes Pena Campos, como os irmãos de Gonzalo obtiveram a garantia das autoridades do Rio de Janeiro de que os autores do crime não ficariam impunes. Inclusive deram prazos para apresentar algum resultado. Quase nove meses mais tarde, os mesmos responsáveis que empenharam a palavra perante a família do biólogo (o secretário do Meio Ambiente do Estado do Rio, Carlos Minc, e a chefe da Polícia Civil, Martha Rocha) abandonaram seus cargos. “Estamos mais perdidos que nunca, com a sensação de que não há interesse em elucidar o assassinato de Gonzalo. Ninguém diz nada e já não sabemos com quem falar”, comenta, abalada, María de Lourdes Pena Campos.

O caso de Gonzalo retrata perfeitamente a situação de impunidade que se vive no Brasil nos casos de crimes contra ativistas rurais ou ambientais. Segundo a Global Witness, só em 10% dos crimes algum acusado chega a responder perante os tribunais. E só em 1% dos casos esse acusado é condenado e chega a cumprir a pena. Na prática, a impunidade é quase total.

Os principais focos de conflito seguem localizados nos Estados amazônicos de Mato Grosso e Pará, áreas de alta densidade indígena que concentra 61% do desmatamento ilegal calculado em 2013.

Os focos de conflito estão
em zonas de alto desmatamento ilegal

No Pará teve especial repercussão em 2011 o assassinato a sangue frio dos ativistas José Claudio Ribeiro da Silva e de sua mulher Maria do Espírito Santo. Zé Claudio (nome pelo qual era conhecido em seu meio) foi atingido por dois tiros de escopeta e teve a orelha direita cortada, provavelmente para ser oferecida como troféu para quem ordenou a barbárie. Uma vez mais, o sangue correu como um rio de tinta. Mas até o dia de hoje nenhum acusado sentou no banco dos réus.

Esta é a realidade que faz com que o Brasil fique no topo do ranking de mortes de ativistas ambientais no último relatório da organização Global Witness, com quase a metade dos casos (448 de 908 entre 2002 e 2013) registrados em todo mundo. Os números da ONG britânica partem dos dados coletados in loco pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a organização brasileira ligada à Igreja católica que defende a causa ambiental e os direitos dos camponeses e dos indígenas. “Contabilizamos 34 mortes em 2013, das quais 31 guardam relação com conflitos rurais. Em 15 casos, as vítimas foram índios. Chama a atenção que 64 % dos assassinatos no campo tirem a vida de indígenas ou de membros de comunidades quilombolas que mantêm uma relação diferente com a terra”, explica Antonio Canuto, Secretário da Coordenação Nacional da CPT.

“A perseguição da ditadura acabou faz tempo, mas não podemos dizer o mesmo da perseguição que protagonizam os latifundiários”, afirma Canuto. "Há um claro interesses do capital em avançar para áreas rurais onde a relação com a terra não se mede em termos de mercado, senão como uma forma de vida”.

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