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O Brasil perde nota de crédito com ameaça de risco de racionamento

A Standard & Poors reduz avaliação sobre economia e aponta problemas no setor elétrico como um dos fatores para a revisão

Linhas de transmissão energética.
Linhas de transmissão energética.Marcello Casal Jr. (ABr)

Aconteceu o que muitos analistas já previam. A agência de classificação de risco Standard&Poors (S&P) reduziu nesta segunda-feira, 24, o rating de longo prazo em moeda estrangeira do Brasil de BBB, que vigorava desde novembro de 2011, para BBB-. O país ainda fica dentro do grau de investimento, mas a nota cai como uma luva para os opositores do Governo, que reclamam da condução da economia pela equipe da presidenta Dilma Rousseff.

O baixo volume de investimentos, a “derrapagem orçamentária” do Governo e os problemas do setor elétrico são algumas das razões que levaram a agência a rever a avaliação do país. “A implementação de medidas recentemente anunciadas para gerenciar as perdas do setor elétrico com um crescimento limitado das tarifas de energia em um ano eleitoral pode ser desafiante”, diz o comunicado da S&P. André Loes, economista-chefe do HSBC, era um dos que apostavam na queda da nota de risco brasileira, por causa dos problemas no setor elétrico. “Embora o Governo tenha feito bem em anunciar um ajuste fiscal, em fevereiro, ao admitir eventuais problemas de abastecimento reduziu a confiança na sua gestão”, afirma Loes.

Uma equipe da S&P esteve no Brasil na semana de 10 de março para ouvir o plano do Governo para ajustar as suas contas. Ouviram da equipe econômica a promessa de um ajuste fiscal. No mesmo dia dessa reunião com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entretanto, um anúncio oficial do Governo avisava que seria necessário um plano de emergência para salvar as distribuidoras de energia, prejudicadas pela escassez de chuvas no início do ano. O anúncio foi feito pelo próprio Mantega: as distribuidoras precisarão de 4 bilhões de reais extras, que sairão do Tesouro Nacional, além de 8 bilhões de reais que serão captados no mercado. A informação entrava em choque com a promessa de economia de recursos feita pelo ministro.

As incertezas começam a alterar as projeções de crescimento da economia –que já eram modestas– para este ano

Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, seria uma “grande novidade” se o Governo conseguisse gastar menos num ano de disputa eleitoral. “Pela primeira vez, desde a época da redemocratização, isso aconteceria. Temos um quadro de relativa paralisia e a perspectiva de mais quatro anos do mesmo Governo assusta muito gente”, diz. No entanto, ele reconhece que a equipe de Dilma Rousseff admitiu alguns equívocos, como a chamada contabilidade criativa para fechar as contas públicas.

Mesmo com esse esforço, o Governo não conseguiu convencer os analistas. Para o economista Alexandre Schwartsman, que foi diretor do Banco Central, há varias razões para a S&P ter rebaixado a nota do Brasil. “A escassez de energia e o fato de que o Governo vai ter de colocar mais dinheiro nesse setor é uma delas. Além disso, existe um descrédito em relação às contas públicas. Brasília afirma que vai cortar o orçamento, mas o que o S&P e todos os analistas engajados veem é que os gastos estão aumentando”, diz.

Ao admitir eventuais problemas de abastecimento, o governo reduz a confiança na gestão André Loes, economista-chefe do HSBC

O risco de racionamento de energia é real, mas não se sabe exatamente quando. O assunto é sensível. A negativa de algumas empresas de conceder entrevistas ao EL PAÍS para falar sobre isso revela que optou-se pelo silêncio quando as especulações tomam conta do mercado. “Os ânimos estão muito exaltados”, explicou uma fonte que preferiu se manter no anonimato. Isso porque o Governo tenta manter o otimismo no setor privado, e fugir das apostas da ‘fracassonomia’, que proliferam num país traumatizado com o apagão que o tomou em 2002.

Otimismo, entretanto, não enche reservatório na velocidade necessária. O mais recente levantamento do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), divulgado no último dia 21, aponta que os reservatórios da região Sudeste e Centro-Oeste, a vazão natural média das bacias hídricas, esperada para o mês de março, está em 64%, abaixo da expectativa do Governo federal, segundo uma fonte. Numa reunião realizada no início da semana passada entre representantes do Governo e do setor, a elétrico previsão oficial era de 75% de vazão média, medida esta conhecida pelo termo técnico de média de longo termo (MLT). “A ONS, porém, revisou esse dado. Se não chover em março e abril o necessário, ficamos em situação complicada”, comenta a mesma fonte.

Para especialistas, o problema teve início no ano passado quando o Governo deixou de fechar contratos de compra de energia com as distribuidoras a um preço fixo, na expectativa de que o custo da energia ficasse mais baixo. Se as chuvas tivessem colaborado, o plano poderia ter sido bem-sucedido. Mas São Pedro não colaborou. O custo do Megawatt está sendo comercializado a 822 reais, quase oito vezes mais que o preço pago há um ano.

O mercado está sentindo há algum tempo uma ingerência nas empresas estatais de energia Luis Miguel Santacreu, analista de risco da Austing Rating

As incertezas na economia já começavam a alterar as projeções de crescimento da economia – que já eram modestas - para este ano. O banco HSBC, por exemplo, que previa uma expansão de 2,2% para este ano, já fala em 1,7%, e, num cenário extremo, a expansão da economia poderia ser nula (zero) se houver um programa de redução de consumo de energia nos moldes do que ocorreu em 2001. Mais ponderado, o banco Morgan Stanley reduziu, na semana passada, sua projeção de 1,9% para 1,5% em função dos ruídos no setor elétrico.

Como a economia é feita de expectativas, pode-se dizer tudo, menos que o país está partilhando do otimismo do Governo. A pesquisa prévia do Índice de Confiança da Indústria (ICI) da Fundação Getúlio Vargas, divulgada na última sexta-feira, mostrou um recuo de 1,7% em comparação a fevereiro, fechando em 96,8 pontos. É a terceira queda consecutiva, atribuída a uma soma de fatores, incluindo as incertezas no abastecimento de energia, a previsão de juros mais altos e as dificuldades do setor externo.

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