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Adolfo Suárez, o político mais solitário da democracia

Se algo caracterizou seu Governo foi a extrema velocidade de suas reformas

Soledad Gallego-Díaz
Suárez, sozinho, no Congresso dos Deputados, em fevereiro de 1986.
Suárez, sozinho, no Congresso dos Deputados, em fevereiro de 1986.Marisa Flórez

Adolfo Suárez foi, certamente, o político mais solitário que existiu na democracia espanhola e, no entanto, foi o que mais se empenhou, em uma época perigosamente incerta, em promover o diálogo e a distensão. Seus discursos, então muito criticados pela classe política, não só na oposição como também em seu próprio partido, estiveram incansavelmente repletos de chamamentos ao “acordo” ao “esforço comum” e à “harmonia”, e toda a sua atividade política é a modelagem desse empenho com afinco.

Ele formulou seu primeiro grande apelo ao pacto quando ainda não era mais do que um jovem e peculiar ministro secretário-geral do Movimento Nacional, sete meses depois da morte do ditador. Diante das últimas Cortes franquistas, que representavam a enorme estrutura erguida durante quase quatro décadas de ditadura, aquele ministro de 43 anos lançou em 9 de junho de 1976 o que seria o principal fio condutor de sua vertiginosa atuação política: “Vamos, simplesmente, tirar o drama da nossa política. Vamos elevar à categoria política de normal o que no nível da rua é simplesmente normal. Vamos estabelecer as bases de um entendimento duradouro sob o império da lei”.

É lógico que naqueles momentos Suárez despertava todo o tipo de cautela e ressentimento em uma oposição humilhada por uma Guerra Civil perdida e por tantos anos de franquismo, mas, lido agora, 37 anos depois, seu discurso em defesa da suavizada Lei de Associação Política, que permitia a legalização dos partidos, salvo o Partido Comunista da Espanha (PCE), é uma peça parlamentar magnífica e marcava perfeitamente qual iria ser a disposição política de quem apenas um mês depois seria eleito pelo Rei como seu verdadeiro primeiro presidente do Governo (o anterior, Carlos Arias Navarro, tinha sido nomeado por Franco).

Suárez foi presidente cinco anos e meio, os mais incertos e perigosos da Transição espanhola, e se algo caracterizou, acima de tudo, o seu Governo foi a extrema velocidade que imprimiu às reformas, o ritmo vertiginoso com que impulsionou as mudanças.

Suárez foi presidente cinco anos e meio, os mais incertos e perigosos da Transição espanhola

Doze meses depois daquele apelo à “normalidade”, aquele simpático político ao qual a maioria comparava com um atendente de uma loja de departamentos, um funcionário de pouca importância, com um currículo muito pouco apresentável, tinha concedido uma anistia que ainda não era total, mas que desbloqueava as relações com a oposição; tinha levado à aprovação uma Lei de Reforma Política que dinamitava, na legalidade, toda a estrutura franquista; tinha dissolvido o Movimento Nacional, legalizado o Partido Comunista da Espanha (PCE) e os sindicatos Comissões Operárias e UGT; tinha criado um novo partido político, UCD, e realizado, e ganhado, as primeiras eleições democráticas desde a República; tinha posto em marcha as Cortes Constituintes, que redigiriam a primeira Constituição de consenso na história espanhola… Não demorou nem 15 dias depois de vencer essas eleições de 15 de junho de 1977 em apresentar a candidatura formal da Espanha para ingressar na então Comunidade Econômica Europeia, e não se passaram nem quatro meses para que autorizasse o regresso à Espanha de Josep Tarradellas como presidente provisório da Generalitat da Catalunha, e para recebê-lo com um forte aperto de mãos no Palácio da Moncloa.

Durante todo esse tempo, Adolfo Suárez insistiu, uma vez ou outra, na mesma mensagem: “Eu os convido a iniciarmos o caminho racional de tornar possível o entendimento por vias pacíficas”.

“Este povo não nos pede milagres nem utopias. Penso que nos pede, simplesmente, que acomodemos o direito à realidade”. “Tiremos o drama de nossa política”. “Reconheçamos a realidade do país”.

Tiremos o drama de nossa política”

O mérito desse discurso permanente de harmonia de Suárez adquire ainda mais relevância se não se esquecer, como muitas vezes acontece, que todo esse processo de normalização democrática foi feito em meio de greves, manifestações, uma inflação desenfreada e um desemprego crescente, pressões e arrogância militares, uma longa lista de brutais atentados do ETA, do GRAPO e dos grupos de extrema direita e fascistas, e uma crescente incompreensão política. Quando finalmente se demitiu, em 29 de janeiro de 1981, Adolfo Suárez tinha 48 anos. Tinha suportado, com a única amizade de Fernando Abril Martorell e do general Manuel Gutiérrez Mellado, mais crises que nenhum outro político da democracia e se encontrava assustadoramente isolado. O presidente do Governo apresentou sua renuncia diante das câmeras de televisão, abatido e esgotado, submetido à forte irritação política que a oposição socialista promovia sem cessar, às lutas internas do próprio partido, à crescente falta de confiança do Rei e, claro, à interminável e furiosa pressão militar que desembocaria nesse mesmo ano no golpe de Estado, o 23-F.

Nessa época já havia demonstrado uma formidável capacidade de resistência, uma grande coragem e um firme desejo de interpretar sinceramente a vontade da maioria dos espanhóis. Aquele jovem funcionário que propôs aos herdeiros do franquismo tirar o drama da vida política espanhola foi o mesmo que, cinco anos depois, em retirada e derrotado, sem que quase ninguém reconhecesse que havia cumprido grande parte de seus compromissos políticos, completou sua tarefa institucional negando-se no Congresso dos Deputados a se atirar ao chão, apesar das ameaças de um tenente-coronel golpista.

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