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Brasília diz que Rousseff está muito interessada em retomar a visita a Obama

O embaixador brasileiro nos EUA admite os esforços para recuperar o encontro que foi cancelado pela espionagem da NSA, mas acha difícil que a reunião ocorra antes das eleições de outubro

Rousseff dá boas-vindas a Obama em março de 2011.
Rousseff dá boas-vindas a Obama em março de 2011.Fernando Bizerra (EFE)

Seis meses depois de estourar o escândalo da espionagem dos Estados Unidos a seu e-mail, parece que a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, já não está mais tão brava com Washington. Rousseff está, inclusive, muito interessada em retomar a visita oficial que tinha previsto para fazer em outubro passado mas que acabou cancelando depois que as revelações do ex-analista da Agência Nacional de Segurança (NSA) Edward Snowden se tornaram públicas. Esta mensagem foi lançada na quinta-feira a noite pelo embaixador do Brasil nos EUA, Mauro Vieira, que disse que a presidenta “deseja muito vir” a Washington para recuperar o encontro pendente com seu homólogo norte-americano, Barack Obama, mas deu a entender que dificilmente isso ocorra antes das eleições presidenciais de outubro no Brasil.

Perguntado, em um encontro na George Washington University, sobre quando achava que a visita deveria ser retomada, Vieira reconheceu que as autoridades brasileiras estão “trabalhando muito” na retomada do encontro e que esta questão foi abordada em diferentes reuniões, mas não quis avançar sobre qualquer detalhe porque, disse, “estão mantendo negociações diplomáticas” sobre o assunto. No final de dezembro, o embaixador dos EUA no Brasil até setembro, Thomas A. Shannon, e que agora exerce a função de assessor do secretário de Estado da Administração norte-americana, John Kerry, considerou que ainda era cedo para recuperar o encontro pendente.

Em qualquer caso, o embaixador nos EUA -no cargo desde janeiro de 2010- tratou de dar importância ao cancelamento da visita de Estado prevista para o final de outubro do ano passado. “Ela [Rousseff] adiou a visita porque não havia condições. Não era um bom momento, nem para o Brasil, e nem para os Estados Unidos, devido às circunstâncias que estávamos”, explicou em um auditório lotado, em sua maioria por jovens estudantes de relações internacionais.

“Ela virá no futuro, quando houver as condições adequadas”, acrescentou. E embora tenha evitado todo tipo de precisão, sugeriu que o encontro não ocorrerá antes das eleições de outubro, nos quais Rousseff é candidata à reeleição. “As eleições monopolizarão a atenção e a energia no aspecto político. Não estou seguro se será possível estar ausente do Brasil para vir aos Estados Unidos”, argumentou.

Em 2011, Obama visitou o Brasil e, em 2012, Rousseff foi aos EUA. Foi o reflexo da melhoria progressiva das relações, depois do mal-estar causado em Washington, em maio de 2010, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crise nuclear iraniana. O momento da consolidação definitiva das relações que aspiram ser de mais alto nível entre as duas maiores economias e democracias do continente americano ia se vislumbrar com a distintiva visita de Estado de Rousseff a Washington em outubro de 2013, mas o escândalo da espionagem em massa em setembro fez voar pelos ares todo o progresso alcançado e quebrou a confiança que Brasília tinha com Washington. À margem de suas consequências políticas, a espionagem da NSA foi fundamental para que o Governo brasileiro optasse pelo fabricante sueco Saab, invés do norte-americano Boeing para uma encomenda milionária de aviões para a Força Aérea Brasileira (FAB).

Desde então, as relações foram se recuperando muito timidamente. O Governo de Obama deu explicações à Rousseff sobre os longos braços da NSA e seus planos de reforma, mas não chegou à desculpa oficial solicitada por Brasília. Em paralelo, foram dados alguns gestos conciliadores de ambas partes: em dezembro, as autoridades brasileiras descartaram categoricamente qualquer possibilidade de conceder asilo a Snowden, enquanto os EUA se junto à ONU na iniciativa brasileira sobre a importância da privacidade na Internet e participará em abril no Rio de Janeiro da conferência internacional sobre a governança na rede, promovida por Rousseff. E precisamente nesta semana foi possível visualizar uma nova amostra de aproximação da Administração norte-americana em relação às visitas a Brasília do secretário do Tesoro, Jack Lew, e da secretária de Estado anexa para a América Latina, Roberta Jacobson.

Apesar do incipiente degelo, as duas potências mantêm alguns pontos de fricção em diversos assuntos relacionados à NSA. Por exemplo, o Brasil tem que decidir se impõe represálias comerciais contra os EUA por seu contencioso pelas subvenções à produção de algodão. E, no terreno diplomático, Washington gostaria que Brasília abraçasse uma atitude bem mais crítica em relação à repressão do Governo venezuelano contra os protestos opositores. De fato, perguntado pela Venezuela durante o encontro, o embaixador reiterou a mensagem conciliadora do Governo brasileiro. Manifestou-se “muito interessado em uma solução pacífica para os problemas domésticos” da Venezuela e engrandeceu o papel de Unasul depois de aprovar, na semana passada, que uma delegação de ministros de exteriores visite o país caribenho.

Em paralelo às esferas políticas, os empresários de ambos países têm pressionado os dois governos para deixar para trás o escândalo Snowden e relançar a relação bilateral, conscientes da magnitude e do potencial do vínculo econômico. Segundo os últimos dados do Departamento de Estado, o Brasil é o oitavo sócio comercial dos EUA, que é o primeiro investidor estrangeiro no gigante emergente; enquanto os EUA são o segundo destino das exportações brasileiras. Em 2012 o intercâmbio comercial bilateral chegou a 76 bilhões de dólares.

Durante o encontro, Vieira engrandeceu a melhoria econômica e social do Brasil nas últimas décadas, bem como seu crescente papel como um ator diplomático global. Neste sentido, sublinhou que o Brasil compartilha com os Estados Unidos profundos valores como o compromisso com a democracia, os direitos humanos, a justiça social e a paz e a segurança em todo o mundo. “O fato de que às vezes não estejamos de acordo na melhor forma de abordar isto, não significa que nos falte cooperação”, disse.

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