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Uma comissão controlada por chavistas vai investigar os protestos na Venezuela

O Governo põe nas mãos de cinco de seus deputados a tarefa de apontar as responsabilidades pela onda de violência e procura promover um processo contra a opositora María Corina Machado

Cabello e Maduro, no sábado passado em Caracas.
Cabello e Maduro, no sábado passado em Caracas.M. GUTIÉRREZ (efe)

Depois de três semanas sem se reunir, a Assembleia Nacional realizou na terça-feira uma sessão sob o comando de seu presidente, o ex-tenente do Exército Diosdado Cabello, número dois do Governo da Venezuela. Com uma agenda repleta de discussões sobre créditos adicionais para o Executivo, o ponto central do dia foi a criação de uma chamada “Comissão da Verdade” para investigar os protestos ocorridos nas ruas de várias cidades da Venezuela desde 12 de fevereiro e estabelecer responsabilidades para as 29 mortes registradas até o momento, de acordo com o número oficial de vítimas fatais.

A coreografia da sessão foi pré-estabelecida pelo governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), cuja bancada, engrossada por alguns aliados, domina o Parlamento. Seu rolo compressor funcionou para instalar uma comissão de cinco deputados governistas: Tania Díaz, Earle Herrera, Robert Serra, Elvis Amoroso e o próprio Cabello.

Mas havia uma surpresa, embora já esperada, embora pareça um paradoxo. A deputada Tania Díaz defendeu uma moção de urgência para estabelecer se algum deputado poderia estar cometendo delitos ligados à questão da suposta “Comissão da Verdade”. Ela se referia à colega María Corina Machado, presente na Câmara como deputada pelo Estado de Miranda, ex-pré-candidata presidencial da oposição e uma das duas principais figuras do movimento La Salida, uma ala interna da Mesa da Unidade Democrática (MUD) que defende a realização de eventos de rua para forçar a destituição do presidente do país, Nicolás Maduro.

Seguindo a proposta de Díaz, a sessão parlamentar foi suspensa e um grupo de deputados governistas marchou até a sede do Gabinete do Procurador-Geral da República para solicitar, mediante um documento, que o Ministério Público abra uma audiência preliminar de mérito para a deputada María Corina. A audiência preliminar de mérito é o prelúdio para suspender – com votação dos deputados – a imunidade parlamentar na Venezuela.

María Corina Machado é apontada pelo governo como a instigadora dos protestos junto ao dirigente do partido Voluntad Popular (Vontade Popular), Leopoldo López, que está preso. Depois de passar alguns dias como fugitivo, o opositor se entregou às autoridades e na terça-feira completou um mês como prisioneiro na penitenciária militar de Ramo Verde, perto da cidade de Los Teques, capital do estado de Miranda.

Machado deve viajar nesta quarta-feira para Washington para participar de uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). A delegação do Panamá, país com o qual o governo de Nicolás Maduro acaba de romper relações, ofereceu seu posto neste fórum para que a deputada venezuelana dê um depoimento sobre a atual crise no país sul-americano.

“Para que haja paz, deve haver justiça sem impunidade”, justificou Diosdado Cabello sobre a iniciativa. Em frente à sede do Ministério Público, ele explicou que os documentos dos parlamentares chavistas consideram que María Corina Machado poderia ter cometido crimes como assassinato, traição à pátria e associação para cometer delitos, entre outros. “As leis venezuelanas chegarão a María Machado. Ela acredita que é do Amos del Valle [aristocracia tradicional, em uma expressão venezuelana] e que nunca vão se meter com ela”.

Se a audiência preliminar de mérito for para frente, e se o Parlamento votar pela suspensão de sua imunidade – o que é tido como certo -, Machado enfrentaria um julgamento que poderia levá-la à prisão. Seu lugar seria ocupado pelo deputado suplente de sua jurisdição, Ricardo Sánchez, um ex-líder estudantil de oposição que vem dando sinais de aproximação e conluio com o governo.

Diosdado Cabello revelou que a “Comissão da Verdade” parlamentar havia reservado uma cota de quatro lugares para incluir os deputados da oposição que desejam participar. Sánchez disse que ele seria um deles.

Mais cedo, em uma entrevista coletiva de imprensa, o deputado pelo Estado de Lara, Eduardo Gómez Sigala, havia declarado que o bloco de oposição parlamentar se recusaria a fazer parte de uma entidade “que está de costas ao país, aos estudantes e da verdade que todos nós conhecemos”.

O partido governista tem ganhado terreno no Parlamento – cuja maioria não tinha – forçando a busca pela suspensão das imunidades dos deputados da oposição. Os deputados María Mercedes Aranguren e Richard Mardo foram afastados de seus cargos em 2013, acusados de vários delitos de corrupção.

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