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Operação limpeza em Kiev

O novo Governo, as ONG e a sociedade civil reagem contra o gasto excessivo e a corrupção da era Yanukovich com várias iniciativas para limpar o sistema

Silvia Blanco (enviada especial)
Voluntários trabalham com os documentos recuperados.
Voluntários trabalham com os documentos recuperados.AFP

Em um dos documentos achados na casa de campo de Viktor Yanukovich em Mezehyria, na periferia de Kiev, se veem pequenas fotos de lustres. Ao lado da cada figura há pregado um papel com uma quantia de dinheiro escrita. A mais cara custa oito milhões. Foram adquiridas 32 unidades por 30,6 milhões de euros. Esses papéis são uma pequena mostra da enorme quantidade de dinheiro que pode ter empilhado um presidente que precisaria de um ano inteiro, com seu salário oficial, para comprar os 100.000 euros que custava o lustre mais barato. O arquivo é um dos milhares que flutuavam em um lago junto ao embarcadouro da mansão, armazenados em 170 pastas que alguém atirou com pressa no dia em que Yanukovich perdeu tudo.

Nesse dia 22 de fevereiro se começou a gestar o afã de limpeza da vida pública que impregna o discurso das novas autoridades, reforça o dos ativistas e de parte da imprensa e está arraigado em muitos cidadãos, entre indignados e alucinados pela magnitude da corrupção e a riqueza que manipulavam os que estavam no poder.

A casa de Yanukovich começou a encher de pessoas que queriam rastrear o luxo que se imaginava nas fotos que chegavam. Vários mergulhadores resgataram o material e chamaram um grupo de jornalistas, que fizeram fotografias dos papéis molhados para que não se perdesse nada. Em poucas horas chegaram secadoras, scanners. O Yanukovychleaks.org nasceu nesse dia, e já tem 6.523 documentos que qualquer um pode consultar. “Não são nossos. Não buscamos histórias exclusivas”, explica Natalie Sedletska, uma repórter de 26 anos especializada em pesquisar casos de corrupção que tem estado dia e noite durante uma semana na mansão junto a outros 11 informantes para documentar o material.

Agora buscam dar sentido aos dados, unir as peças do gigantesco tesouro de provas. “Uma vez que está na rede, já não pode ser ocultado”, conta Sedletska, em inglês, em seu apartamento de Kiev. Querem que a página sirva para “mostrar a todos os que chegam no poder que isto pode acontecer com eles, que não importa o tamanho do muro que construam ao seu redor”.

Similar entusiasmo para seu trabalho mostra Oleh Makhnitskyi, o novo promotor geral. Pertence ao partido de extrema direita Svoboda, com representação parlamentar e muito nacionalista. “As pessoas querem uma promotoria com uma nova cara, por isso pedem reformas drásticas”, disse na semana passada. Em seguida empreendeu a caça dos dados de Yanukovich e dos milhões que ele e seus colaboradores mantêm porque, segundo o novo primeiro-ministro, são roubados. Após ser nomeado, Arseni Yatseniuk acusou o ex-presidente de saquear Ucrânia. Disse que tinham sumido 37 bilhões de dólares  em créditos recebidos, e que outros 70.000 estava em contas no estrangeiro. A pedido das autoridades ucranianas, Suiça, Áustria e Liechtenstein publicaram listas de pessoas —todas do círculo de Yanukovich— que tiveram as contas bloqueadas. A UE adotou medidas na semana passada contra esse grupo por peculato.

Também nestes dias acaba de nascer um comitê para a purificação da Ucrânia, dirigido pelo jornalista e ativista Yehor Sobolev. “Estou absolutamente contrário que o comitê se converta no NKVD [a polícia secreta soviética] desde o primeiro dia”, assegurou à agência Interfax Ucrânia o diretor, que busca primeiro estabelecer um consenso nacional sobre os critérios para investigar. No entanto, não se sabe ainda quanto poder terá este comitê.

Em um velho edifício do centro está o escritório-apartamento onde trabalham os ativistas de outro site, Yanukovich.info. Muitos são advogados. Estão desde 2012 reunindo informação baseada em fatos que eles verificaram ou publicado provas na imprensa para pressionar no exterior e que se bloqueiem contas e bens dos corruptos. Quando começaram os protestos no Maidán —que teve como um dos motores a luta contra a corrupção, um dos ideais que persegue— decidiram publicar tudo o que iam averiguando e alojar nessa página, onde pode ser lido, por exemplo, como o filho do ex-presidente, Olexander, passou de ter sete milhões de dólares a 510 em três anos. “Temos que pressionar [as autoridades] para que dotem o sistema de instrumentos para combater a corrupção”, comenta Daryna Kaleniuk, uma das responsáveis pela ONG que promove o site. “A sociedade civil tem que controlar cada passo que dará o novo Governo”, opina. Em outra de suas iniciativas, busca que se expulse os promotores que, sustenta, “encobriram a corrupção”.

Na rua também há essa sensação de que as elites já não são intocáveis. Antes dos protestos, parte da imprensa também destapava escândalos, mas nunca ocorria nada. Como explica um dos jornalistas mais conhecidos, Vitaly Sych, “na Ucrânia nunca acontecia de os corruptos serem investigados ou castigados”. Agora se tem a impressão de que isso pode mudar, e as iniciativas para combater a corrupção “são um sinal”.

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