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Um tecnocrata que surgiu do Maidán

Arseni Yatseniuk é o novo primeiro-ministro ucraniano, eleito para estabilizar o país Tem experiência de governo e é um europeísta que não suscita rejeições

SILVIA BLANCO (ENVIADA ESPECIAL)
Yatseniuk, no Parlamento de Kiev em dezembro passado.
Yatseniuk, no Parlamento de Kiev em dezembro passado.GLEB GARANICH (reuters)

Arseni Yatseniuk não era o mais revolucionário nem o mais carismático dos políticos que se subiam ao palco do Maidán a falar ante dezenas de milhares de manifestantes. Mas depois da queda de Victor Yanukóvich, se tornou o homem designado para a missão de estabilizar um país de pernas para o ardepois de quatro meses de protestos, somado à bancarrota, dividido e ameaçado pela Rússia. É o tipo no meio do caminho entre o que podiam aceitar os ativistas e o que podiam respaldar os deputados quando tinha que negociar a toda velocidade um Governo para Ucrânia que, em primeiro lugar, pedisse um resgate financeiro.

Este economista e advogado, de 39 anos, foi ministro em duas ocasiões

Mal passaram 10 dias desde que Yatseniuk chegou ao cargo do Executivo de unidade nacional. Agora está ante um palco muito diferente. Em uma sala diáfana, sem outro mobiliário que um tapete, duas bandeiras e um atril, um bosque de câmeras de televisão e jornalistas o espera. Acaba de voltar de Bruxelas, recebeu o apoio dos 28, tem o gesto grave. Mostra serenidade e firmeza. Trouxe um discurso escrito, mas não está o lendo. Responde a todas perguntas e se expressa em inglês com grande fluência. Depois de dirigir umas duras palavras a Moscou e explicar as ajudas econômicas que espera receber do exterior, um jornalista lhe pergunta se vai cortar as despesas dos ministros. Ele responde: “Todos os membros deste Governo viajarão em classe econômica salvo necessidade excepcional”. Em um país com uma assentada tradição de cleptocracia, que acaba de ver que o ex-presidente tinha um zoo, um campo de golfe e heliporto em seu sítio, é um potente sinal de mudança. Ao menos de estilo.

Com 39 anos, este economista e advogado já ocupava vários postos de responsabilidade. Primeiro na Crimeia, onde foi titular de Economia entre 2001 e 2003. Depois foi governador do Banco Nacional de Ucrânia, ministro da Economia —entre 2005 e 2006— e dos Exteriores (2007). Em um momento cheio de emoções, seu perfil tecnocrata tem bastante partidários, entre eles Washington. Yatseniuk era a aposta norte-americana para Ucrânia. Em princípios de fevereiro, aparece no famoso vazamento que Victoria Nuland, a subsecretária de Estado dos EUA, fala por telefone com o embaixador norte-americano em Kiev e diz “E já sabe, que se dane a UE”. Ambos fazem cabalas sobre o futuro político do país e Nuland afirma: “Acho que Yats é o tipo que tem a experiência econômica, a experiência de governo”.

Yatseniuk agrada também ao mundo dos negócios e aos futuros credores, como o FMI. Desde o princípio anunciou que faria todas as reformas que lhe pedissem, ou seja, cortes, a mudança do resgate que precisa o país. Por isso é difícil o acusar de populismo. No primeiro dia de seu mandato disse que teria que tomar “medidas extremamente impopulares” que afetariam aos sofridos bolsos dos ucranianos, e um dia antes, talvez de forma teatral, afirmou que fazer parte do Governo de unidade nacional era para “suicidas políticos”.

Os críticos o acusam de ser um mero peão de Yulia Timoshenko

Também favoreceu Yatseniuk os pontos débeis dos demais aspirantes ao poder, é uma espécie de candidato por descarte. Ao antigo boxeador Vitaly Klichko o notam como uma pessoa dura, o lutador dos protestos, mas vai se candidatar a presidência e não tem a menor ideia de economia. O outro líder da antiga oposição, Oleg Tyahnybok, é de extrema direita e ultranacionalista. Só ficava Petro Poroshenko, um milionário dono de um império do bombom ucraniano.

Em frente a ele, Yatseniuk tinha a força dos deputados do principal partido na oposição, o de Yulia Tymoshenko, Patria, do qual era o líder parlamentar até agora. Pese a que, como diz Victoria Sjumar, uma ativista envolvida no processo de formação do Governo, “o Maidán não é seu ambiente e não era o mais popular”, Yatseniuk era um candidato aceitável para a rua por sua “capacidade de gerenciamento, para dar estabilidade econômica. É um tipo de político muito diferente de seu antecessor, Mikola Azarov, de corte soviético. Yatseniuk é dialogante, consulta, elege a parte da equipe de Governo por sua concorrência”, explica.

Uma das críticas mais estendidas a Yatseniuk é a de ser um peão ao serviço da controvertida ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, que está preparando sua candidatura a presidenta embora não tenha anunciado de maneira oficial. A primeira coisa que ele fez quando Yanukóvich caiu foi gerenciar a libertação da política, a quem o deposto presidente meteu na prisão por suposto abuso de poder.

O outro senão maioritário é sua ideologia escorregadia. Como explica o jornalista Vitaly Sych, que o conhece e acompanhou sua trajetória, “tende a responder com evasivas as perguntas que podem deixar ver às claras quem é e daí pensa na verdade sobre temas que no Ocidente parecem essenciais”, para além de sua clara posição a favor de que a Ucrânia se acerque da União Europeia. Chegou ao poder em um dos momentos mais complicados da história recente de Ucrânia, e por enquanto “não cometeu erros”, afirma Sych. De fato, se a sua carreira política faltava um pouco de épica, é quase seguro que sua etapa de Governo reparará a carência.

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