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‘Normcore’: o mais moderno é não ser moderno

Vestir-se de forma sem graça, ignorando as tendências, é a última moda O estilo desestilizado é a resposta à roupa 'fashionista'

Carmen Mañana
Se o elenco de 'Seinfeld' parecia vestir nada quando a série surgiu nos anos noventa, quando os atores se juntaram de novo há alguns anos em uma temporada de 'Larry David' (na imagem), eles já estavam a ponto de ser um novo ícone da modernidade.
Se o elenco de 'Seinfeld' parecia vestir nada quando a série surgiu nos anos noventa, quando os atores se juntaram de novo há alguns anos em uma temporada de 'Larry David' (na imagem), eles já estavam a ponto de ser um novo ícone da modernidade.CORDON PRESS

Imagine um turista norte-americano em frente à Sagrada Família. Imagine chinelos da Adidas, Crocs, meias brancas, calças de lã chinesas, camisas de algodão sem nenhuma mensagem, nem corte, nem nada mais que algodão. Imagine essa pessoa que se veste para cobrir seu corpo, que nem sabe nem lhe interessa quem é o novo diretor de criação da Louis Vuitton, que leva o mesmo modelo de jeans feitos de jeas. Essa pessoa é agora a referência estética da tendência mais moderna entre os modernos: o normcore.

Os hipsters já não querem parecer judeus ortodoxos (nem os caminhoneiros-lenhadores dos anos oitenta). Agora querem parecer com Jerry Seinfeld ou Steve Jobs. Segundo explica Jeremy Lewis, fundador da revista Garmento, na New York Magazine “falamos do anti-look, de se mostrar exaustivamente anódino, se esquivar das tendências, para não ser como uma ovelha que segue o rebanho”. Entendendo o rebanho como essa elite fashion uniformizada com pitacos de Isabel Marant e americanas da ACNE Studios, a tribo do streetstyle e seus devotos.

O normcore parece assim um efeito secundário da mainstreamificação do hipsterismo, ou ao menos alguns de seus códigos mais representativos como camisas xadrez ou esportivas da New Balance. Se todo mundo é especial, agora ninguém mais é. Seguindo a esquizofrênica lógica que move a moda, quando a maioria busca a originalidade, a única forma de se diferenciar (e portanto de ser cool) é… a evitando. Ser como os demais para ser único. Adotar o que os norte-americanos chamam Mall style ou look Lidl (ou qualquer outro supermercado de desconto).

Quando todo mundo busca a originalidade, a única forma de se diferenciar é a evitando. Ser como os demais para ser único

Pode ser que, a essa altura, a palavra "ridícula" tenha se desenhado em sua mente, ou, simplesmente, você sinta que seu cérebro está a ponto de fundir. Mas pense como faz o escritor e ensaista Eloi Fernández que diz que “um rico e estiloso se vestindo como se não fosse rico e estiloso” é mais antigo que a vida em si. Desde o look clochard dos anos setenta ao grunge dos anos noventa.

Quando o autor de Afterpop (Anagrama, 2010) começou a ver editoriais de moda e indivíduos supostamente modernos com pose normcore pensou imediatamente em um transtorno psicológico. “Veio à minha cabeça a feição normótica ou normopatia, que é a obsessão pela convenção e a repetição da norma. Sofre a pessoa que não pode se adaptar a mudanças. Isso funciona como um mecanismo de defesa baseado na rotina”.

Segundo a colunista Fiona Duncan o normcore é, de fato, uma reação “contra a necessidade de se vestir de uma forma única e diferente”. Fernández, mais prosaico, acha que “isso pode ser considerado como um instrumento da indústria para revitalizar os produtos básicos”. Embora também revele um certo frisson, senão uma surpresa, porque em uma sociedade “onde estamos tão condicionados com como nos enxergam, e onde somos tão conscientes das implicações que cada eleição estética tem” exista gente que viva à margem disso tudo e não gaste nem um só segundo de seu tempo pensando se os Crocs com meias são a resposta adequada a alguma pergunta do universo.

Steve Jobs com seus 'mummy jeans', camiseta preta e botas de 'trekking'.
Steve Jobs com seus 'mummy jeans', camiseta preta e botas de 'trekking'.Cordon press

Então, qual é a diferença entre um pai que veste calças de lã do Carrefour e tênis Stan Smith de quando era jovem, e um moderno disfarçado de normcore? Simplesmente a atitude. “A pessoa que se veste de maneira normal, digamos, é um perfeito desconhecido no mundo da moda. O normcore, assim como o hipster, é um indivíduo que conhece em profundidade a moda e simula ter feito uma eleição básica em matéria de estilo”, segundo Fernández. Sou tão cool que posso usar essa camiseta branca sem nada e continuar sendo cool.

Inclusive as marcas de luxo estão começando a jogar com esta estética. Prova disso são as capas de chuva e casacos impermeáveis modelo esquiador lançados por Miuccia Prada na última coleção da Miu Miu. Terá futuro? Já tem.

O novo 'selfie'

Se a selfie foi escolhida como a palavra do ano pelo dicionário Oxford, o termo normcore começa a fazer fortuna. A governadora do Alaska, Sarah Palin, insinuou recentemente que Barack Obama era muito normcore para ser o líder do mundo livre. Pode ser que não utilizasse esse termo exatamente, mas apelava ao conceito com clareza. "A percepção de Obama, de si mesmo e de seu poder em todo o mundo é uma de suas debilidades. A gente vê Putin como um homem que briga com ursos e perfura em busca de petróleo, e o nosso presidente como um cara que usa mom jeans (calças de mãe), se equivoca e fala muito", declarou à rede norte-americana Fox.

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