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Coluna
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A tragédia fatal era mera questão de tempo

Se a reflexão sobre o que acontece nas nossas ruas sempre foi urgente, hoje é imperativa

Santiago Ilídio Andrade morreu. Eis o fato. Atroz, incontestável.

Como pesquisadores, seguimos de perto as manifestações desde que elas começaram. Rapidamente o confronto foi ocupando as ruas, numa dinâmica crescente, com o beneplácito de um governo omisso, ausente na sua negligência, escondido atrás do aparato policial.

Policiais, manifestantes e jornalistas feridos, formam parte do cotidiano dos protestos. A cada dia agressões piores, numa dialética de violência que aumenta exponencialmente. Fabrício Proteus Chaves foi baleado em São Paulo, onde mais uma viatura da polícia foi virada e um Fusca incendiado como decorrência do protesto. A tragédia fatal era mera questão de tempo.

A lógica do Black Bloc era a violência simbólica, a lógica da polícia era a proteção, a lógica do governo era responder aos desafios sociais com cuidado e compromisso, a lógica da sociedade era rejeitar a barbárie, construir, não aniquilar. Todos erramos, violando nossas lógicas.

Se a reflexão sobre o que acontece nas nossas ruas sempre foi urgente, hoje é imperativa. A necessidade de autocrítica é categórica. Os culpados que sejam punidos, aliás, que todos os culpados por todos os feridos sejam punidos.

Os ativistas deveriam pensar sobre suas estratégias e se exigir a si mesmos o comportamento responsável que exigem às policias. Polícias que, a sua vez, devem aprender a lidar com esta realidade. Governo que deve deixar farsas e indignidades de lado. Não só eles. Todos. Estas semanas vivemos linchamentos, tiranias múltiplas contra homossexuais, chacinas. É evidente que o que ocorre nos protestos é um sintoma claro de uma sociedade que instaurou a violência como fundamento de suas relações.

Podemos continuar insistindo no ataque, lançando acusações mútuas e julgamentos hostis ou podemos exigir que sejam esclarecidos com agilidade e honradez os fatos que envolvem todos os casos de agressão nas manifestações. Mas, é preciso ir além. É preciso mudar a lógica de uma sociedade que encontra fundamentalmente na violência a sua forma de expressão. Questionemos-nos sobre que sociedade é a nossa, imersa na sua própria barbarização.

Manifestantes, policiais, jornalistas, peças de um mesmo sistema que se perpetua. Enquanto não buscamos reverter a doença, apenas teremos de conviver com seus sintomas nefastos.

Aprenderemos todos de nossos erros ou só cabe esperar a próxima tragédia?

Esther Solano Gallego, professora de Relações Internacionais da Unifesp e Rafael Alcadipani, professor de Estudos Organizacionais da FGV-EASP. Ambos conduzem uma pesquisa de campo sobre o Black Bloc de São Paulo

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