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O setor privado venezuelano exige em uníssono o pagamento da dívida

A indústria alimentícia se une às linhas aéreas e aos jornais impressos como os atores mais ativos em cobrar do governo a entrega de divisas para operar

Um jovem protesta a favor da compra de papel de jornal.
Um jovem protesta a favor da compra de papel de jornal.M. Gutiérrez (EFE)

Não é só uma goteira. São ao menos três e ameaçam se converter em uma inundação. A indústria processadora de alimentos se uniu às linhas aéreas e aos jornais impressos para cobrar dívidas do governo venezuelano. Todos estes atores esperam há vários meses que a estatal Comissão de Administração de Divisas (CADIVI) entregue as divisas preferenciais para manter sua operação.

Nesta quarta-feira a Câmara Venezuelana da Indústria de Alimentos (CAVIDEA) publicou um extenso anúncio na imprensa local para expor sua situação: A dívida de CADIVI com o setor chega a 2,4 bilhões de dólares (5,8 bilhões de reais). “Nossos membros estão produzindo à plena capacidade em um meio econômico de custos crescentes e dificuldades para a aquisição de matérias prima e insumos (…) Os preços regulados, incluindo os que foram congelados há dois anos, não se ajustaram de acordo com a revisão trimestral prevista, o que impediu a obtenção de uma rentabilidade conforme as necessidades de investimento”.

O chavismo estabeleceu um rígido controle de mudanças em 2003 que impede a livre compra e venda de moedas. Empresas públicas e privadas vão ao governo para que este autorize as divisas –a uma mudança de 6,30 bolívares por dólar- que lhes permita importar matérias prima ou produtos manufaturados.

A dívida, segundo CAVIDEA, é o principal obstáculo para a produção de alimentos na Venezuela, porque impede as empresas de pagar seus compromissos com os fornecedores internacionais e contar com linhas de crédito. Em um país com tradição importadora como a Venezuela a falta de dólares para importar é a principal razão do generalizado desabastecimento. Em 2013, segundo cifras do Banco Central de Venezuela, a escassez chegou a 22,2%, a média mais alta da última década. Embora no passado teve picos de maior carestia esta é a primeira vez em tanto tempo que a escassez já faz parte da paisagem. Basta percorrer as prateleiras de supermercados, lojas de ferragens ou vendas de eletrodomésticos para comprová-lo. Na Venezuela o cotidiano começa a ser extraordinário.

Esta cifra se soma aos valores já conhecidos pela opinião pública: uma dívida de 3,6 milhões de dólares com as linhas aéreas –que provocou a redução da oferta de assentos disponíveis para viajar desde Caracas-, de 2,3 milhões de dólares com o setor farmacêutico, de 4 milhões de dólares com o diário O Nacional e de 877 mil dólares com o jornal O Carabobeño, da cidade de Valencia.

Durante toda a semana os jornalistas de diversos impressos, acompanhados por diretores da entidade que os agrupa, protestaram exigindo o pagamento de divisas. Até agora a pressão não tem surtido efeito. Por essa razão a partir desta quinta-feira O Nacional reduzirá sua paginação a dois corpos. “Se antes tínhamos papel para três semanas agora poderemos circular por dois meses com este nível de inventário”, assegurou a este diário o editor-presidente dessa publicação Miguel Henrique Otero.

Há duas razões possíveis que explicam a demora em honrar os compromissos. A primeira é a falta de dinheiro. As cifras mais conservadoras indicam que o governo deve ao setor privado entre 9 bilhões a 10 bilhões de dólares. Para o dia 28 de janeiro as reservas internacionais estavam em 21,1 bilhões de dólares. Boa parte desse dinheiro está em ouro e a disponibilidade de efetivo alcança mal dá, segundo os cálculos de economistas, para pagar em uma semana de importações.

A outra razão, mais política, é a decidida vontade do Governo de fiscalizar com rigor que não se sobrefaturem as importações. No passado reconheceram que entregaram a empresas fantasmas ou que sobrefacturaram suas encomendas mais de 20 bilhões de dólares. Essa decisão ficou em evidência ao conhecer-se a desvalorização da moeda local, o bolívar, que incluiu uma drástica redução da cota anual de divisas autorizas/autorizadas aos particulares para consumos no exterior. O vice-presidente da área econômica e ministro de Energia e Petróleo, Rafael Ramírez, duvidou das cifras dadas a conhecer pelo setor privado. “Ali há muita gordura”, disse.

Uma fonte do setor farmacêutico que pediu a reserva de sua identidade confirmou a este diário que o governo, através do ministro de Saúde Francisco Armada, demonstrou sua vontade de cancelar toda a dívida se reconhecesse um desconto de 40%. “É claro que nós não aceitamos. Que estabeleçam um cronograma de pagamento”, explicou. É a mesma fórmula utilizada pela estatal Petróleos de Venezuela com seus fornecedores e sócios entre 2008 e 2009 quando caiu o preço do barril de petróleo a 35 dólares pela crise financeira mundial. Aquela vez saíram do atoleiro. Desta vez o assunto não parece tão simples.

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