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O Peru arquiva o caso das esterilizações forçadas de Fujimori

Mais de 2.000 mulheres foram operadas sem seu consentimento ou enganadas

Fujimori, em um julgamento por suposta cooptação de jornais em janeiro.
Fujimori, em um julgamento por suposta cooptação de jornais em janeiro.P. A. (EFE)

Durante o governo de Alberto Fujimori (1990-2000), o ministério da Saúde do Peru esterilizou pelo menos 272.028 mulheres e em mais de 2.000 casos fez isso sem o chamado "consentimento informado" das pacientes ou por meio de engano, coerção ou suborno.

As primeiras denúncias à Procuradoria, de 1988 e 2001, foram arquivadas em 2009 e reabertas em 2012, em cumprimento a um acordo amistoso entre o Estado peruano e a Corte interamericana de Direitos Humanos.

Na tarde de quinta-feira, a Procuradoria notificou o arquivamento definitivo do caso, depois de eximir de responsabilidade a Fujimori e aos ministros e vice-ministros de Saúde e de formalizar uma denúncia contra cinco trabalhadores de saúde diretamente vinculados com a morte de Mamérita Mestanza, em 1998, em consequência da infecção generalizada causada pela ligadura de trompas a que foi submetida no distrito de La Encañada, na província de Cajamarca, no norte do Peru. Houve outras 17 mortes em consequência das esterilizações forçadas.

Rossy Salazar, advogada da ONG Demus, informou a El PAÍS que na resolução de mais de 100 páginas o procurador Marco Guzmán conclui que "não se chegou a comprovar que [a esterilização forçada] tenha sido uma política sistemática" e que Fujimori não tinha conhecimento dos fatos.

"A resolução afirma que não há delito de homicídio, nem de lesões, e que todo era uma política de controle de natalidade, não havia intenção deliberada de esterilização", acrescentou Salazar, responsável pela área jurídica de uma das ONGs que defendem legalmente dezenas de vítimas do programa que o governo Fujimori denominava de anticoncepción quirúrgica voluntaria (AQV), "anticoncepção cirúrgica voluntária".

Embora o procurador Guzmán Baca afirme que não encontrou provas, os testemunhos das mulheres esterilizadas, de agentes de saúde e outros elementos renderam 118 volumes de investigação que apontavam a existência de uma política de saúde para conseguir quantidades específicas de esterilizações por semana e por mês.

Os agentes de saúde eram supervisionados para cumprir com um mínimo de esterilizações em homens e mulheres e esses procedimentos eram realizados nas regiões mais pobres do país, principalmente em zonas rurais, com predomínio de habitantes de língua quíchua. O diretor do programa de saúde reprodutiva e planejamento familiar entre 1997 e 2000, Jorge Parra, tinha uma sala com uma lousa na qual registrava o número de AQVs realizadas em cada região do país.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos recordou em 2010 ao Estado peruano o compromisso que este firmou em 2003 para "investigar e punir devidamente os responsáveis" e, por isso, o Ministério Público anunciou em 2011 a reabertura do caso. No entanto, os trabalhos só começaram em 2012. Especialistas em defesa dos direitos da mulher, como a advogada Jeannette Llaja, destacaram em 2012 a falta de recursos para que a Procuradoria colhesse testemunhos fora de Lima.

Demus e o Instituto de Defesa Legal apresentarão até terça-feira um recurso ante o Ministério Público.

"O procurador da Segunda Procuradoria Supraprovincial de Lima não formula denúncia contra Alberto Fujimori e os ex-ministros Eduardo Yong Motta, Marino Costa Bauer e Alejandro Aquinaga [atual congressista fujimorista], nem contra John Nagahata Susanibar, Jorge Parra Vergara e Ulises Jorge Aguilar [então diretores de programas do ministério da Saúde], por nenhum dos delitos – nem homicídio culposo, nem sequestro, nem coação", afirmou Salazar a EL PAÍS.

Pelo caso de Mestanza, a Procuradoria formalizou denúncia contra cinco servidores de saúde, entre eles Liborio Serna e Carlos Alberto Herrera Fernández (por suposto homicídio culposo) e Enrique Octavio e Enedina Zavaleta (por suposta cumplicidade primária e também pelo delito de exposição ao perigo).

Em 2011, a campanha eleitoral presidencial de Keiko Fujimori, filha do ex-presidente, que contava com o apoio da maioria dos meios de comunicação e do empresariado, foi minada pela alusão às esterilizações forçadas. O recurso foi parte da estratégia de comunicação política conduzida pelo estrategista franco-argentino Luis Favre, assessor da campanha vitoriosa de Ollanta Humala.

A Procuradoria assinalou em sua conta no Twitter que "comprovou que houve violação dos direitos humanos e foi denunciado um grupo de médicos de Cajamarca", mas "não houve crime de lesa humanidade".

Um comunicado da ONG Demus explica que, de acordo com a resolução da procuradoria, "os fatos denunciados não constituiriam crime de lesa humanidade pelo desconhecimento do ataque generalizado e sistemático da parte de Alberto Fujimori" e porque não houve dolo dos ex-ministros e altos funcionários de saúde.

A ONG afirma que o procurador não levou em conta "a política estatal vigente entre 1996 e 2000, que era do conhecimento do então presidente Alberto Fujimori, dos titulares da Saúde desse período e dos funcionários, que ordenavam e monitoravam o cumprimento dessas metas".

Um grupo de ativistas dos direitos humanos convocou para esta segunda-feira manifestações diante da sede do Ministério Público em Lima e do Poder Judiciário em Cuzco, contra a resolução da Procuradoria. Foi de Anta, Cuzco, que vieram as primeiras denúncias feitas por mulheres nesse caso em 1998, quando o Judiciário era controlado pelo aparato do governo de Fujimori.

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