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Moscou empresta 15 bilhões de dólares a Kiev e vai baratear gás

Rússia compra títulos da dívida ucraniana e reduzirá em um terço o preço do gás que vende ao país vizinho

Foto: reuters_live | Vídeo: REUTERS-LIVE!
Pilar Bonet

Um desconto substancial no preço do gás e um crédito de 15 bilhões de dólares não condicionado a reformas impopulares (ao contrário do que seria exigido num empréstimo do FMI) foram os principais êxitos obtidos pelo presidente de Ucrânia, Viktor Yanukovich, durante uma visita a Moscou, onde, junto a seu colega russo, Vladimir Putin, dirigiu uma sessão da comissão interestatal bilateral. “Quero tranquilizar a todos, hoje absolutamente não discutimos o tema da incorporação da Ucrânia à União Alfandegária”, disse Putin ao final da sessão de trabalho, referindo-se ao projeto de integração econômica liderado por Moscou e que é o contrário do Acordo de Associação oferecido pela União Europeia.

A jornada de Yanukovich em Moscou era acompanhada atentamente na praça da Independência, em Kiev, onde manifestantes pró-europeus, há mais de três semanas reunidos num comício permanente, temiam que o seu presidente assumisse o compromisso de ingressar na União Alfandegária. Putin e Yanukovich conversaram durante duas horas e meia, e depois se reuniram brevemente com o plenário da comissão. Foram assinados 14 documentos, com os quais se pretende revitalizar a cooperação em distintos setores econômicos, da indústria aeronaval ao comércio, além de iniciar a revogação de restrições econômicas que a Rússia impôs ultimamente à Ucrânia.

Na presença de Yanukovich e Putin, os diretores do Gazprom, monopólio russo de exportação de gás, e da estatal de hidrocarbonetos Naftogaz-Ukraina assinaram um documento que complementa o contrato de exportação de gás estabelecido em 2009. Aquele contrato foi avalizado pela ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko e por Putin (então premiê da Rússia), e ocorre agora que Timoshenko está cumprindo pena de sete anos de prisão após ser condenada por abuso de poder num caso relacionado justamente àquele contrato.

A modificação acrescentada agora reduzirá o elevado preço que a Ucrânia paga pelo gás russo, dos atuais 406 dólares por mil metros cúbicos para 268,5 dólares, a partir de 1º. de janeiro de 2014. Segundo o vice-primeiro-ministro ucraniano, Yuri Boiko, a oferta terá a mesma duração que o contrato de 2009, ou seja, até 2019. Putin disse compreender as “dificuldades no mercado ucraniano”, que atribuiu em grande medida “à crise econômica global”, e deu a entender que o preço do gás pode ser ainda mais atraente “à medida que se aprofunde a colaboração no campo energético”. Referindo-se ao preço, o líder russo salientou que “se trata também de uma solução temporária, quero dizer que devem ser e serão obtidas soluções em longo prazo. Isto afeta o fornecimento de gás para a Ucrânia e também as garantias de trânsito fluido [do gás] para nossos consumidores na Europa”, afirmou.

O preço atual que Ucrânia paga pelo gás russo já inclui um desconto de 100 dólares por mil metros cúbicos, que foi conseguido por Yanukovich no primeiro semestre de 2010 em troca da prorrogação por 25 anos, até 2042, da presença da frota russa do mar Negro em suas bases da península da Crimeia. Putin observou na terça-feira que o desconto permitiu à Ucrânia poupar 10 bilhões de dólares.

A Rússia investirá 15 bilhões de dólares das suas reservas do Fundo de Bem-Estar em títulos emitidos pelo governo ucraniano, disse Putin, que não indicou qual será a taxa de juros, embora tenha salientado que se trata de um empréstimo não condicionado. “Quero chamar sua atenção sobre o fato de que não está vinculado a condição alguma, nem aumento, nem redução, nem congelamento dos níveis [de serviços] sociais, pensões, subsídios ou salários”, enfatizou. As conversas com Yanukovich foram “substanciais e construtivas”, disse. “Rússia e Ucrânia são sócios estratégicos, vinculados por relações de amizade e por uma estreita cooperação mutuamente vantajosa em múltiplos campos”, sublinhou.

Ambos os governos assinaram um acordo pelo qual manifestam apoio estatal à retomada da produção do avião AN-134 (ou “Ruslan”), de transporte pesado, um projeto conjunto da fábrica ucraniana Antonov e da russa Aviastar, com sede na localidade de Ulianovsk. O “Ruslan” começou a voar em 1982 e foi produzido em série entre 1984 a 2004. Foram feitos 55 aparelhos, dos quais a maioria está a serviço do ministério russo da Defesa.

Putin se referiu à necessidade de reativar o comércio bilateral, que caiu nos últimos dois anos, salientou que os projetos conjuntos pressupõem a preservação e criação de postos de trabalho na Ucrânia e destacou também que entre 500.000 e 5 milhões de ucranianos residem na Rússia, de onde enviam ao seu país uma quantia equivalente a 5,3 bilhões de reais por ano. Disse ainda que os empresários russos têm investimentos de 3,5 bilhões de reais na economia ucraniana, especialmente na metalurgia, indústria transformadora, química e outros setores.

Ucrânia e Rússia concordaram em coordenar mais estreitamente seus passos na política internacional, especialmente em temas de estabilidade estratégica e segurança na Europa, bem como na forma de responder aos novos desafios globais, disse Putin.

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