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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Na Copa, os políticos não marcam gol

Os políticos também podem aplaudir, mas eles não marcam, não ganham nem perdem. O futebol é da rua

Juan Arias

Quem dá o chute, quem faz o gol, quem prepara a jogada para que a bola estufe a rede, quem luta para defender o arco são os jogadores, não os políticos. Estes não marcam gols dentro de campo.

A Copa é das pessoas, dos torcedores, de todos, porque na paixão pelo futebol não existem diferenças de classe. Quando o Brasil marca um gol, ficam de pé, gritando de alegria, dos favelados aos banqueiros. Os políticos também podem aplaudir, mas eles não marcam, não ganham nem perdem. O futebol é da rua.

Digo isso porque no mundo todo os políticos de qualquer coloração, governistas ou de oposição, têm a tentação de usar essas conquistas em seu proveito. Veem os gols e as vitórias como cabaladores de votos em função dos seus cálculos eleitorais, ou então como ópio do povo, assim como afirmava Marx sobre a religião. O futebol como cortina de fumaça que impede de ver as chagas da realidade social.

A tentação é real em todas as formas da política, das ditaduras às democracias modernas. Nas primeiras costuma ser mais, ou pelo menos é mais descarada. Nelas, os ditadores e seus acólitos se consideram os verdadeiros destinatários dos triunfos esportivos.

Lembro-me de ter vivido, em Madri, um desses momentos que ainda hoje me deixam arrepiado. Estava em pleno vigor a ditadura do general Francisco Franco, e no estádio Bernabéu, em Madri, seria disputado um confronto Espanha x Rússia. A propaganda franquista pintava os russos praticamente como monstros. As pessoas simples saíram para ver aqueles estranhos. Uma senhora madrilenha, ao ver os atletas, comentou: “Mas, filha, se são bonitos e altos!”. Não tinham rabo, como quase os haviam pintado.

As circunstâncias históricas levaram a transformar aquele jogo em um ato político. Franco, que saía muito pouco, por medo de um atentado, foi à partida. A presidia qual um imperador. Os olhos estavam postos mais nele do que nas seleções. De repente, a Espanha marcou um gol. O estádio, em pé, foi um só grito. Para quem? Para a equipe? Para o jogador que marcou o gol? Não. O estádio gritou: “Franco, Franco, Franco!”. Era o caudilho, não o futebolista, que havia marcado o gol. E contra os russos comunistas!

Os políticos – ditadores ou democratas – não marcam gols. Nem os resultados do futebol, nem mesmo os da Copa, deveriam ser utilizados em chave política.

No ano que vem, o Brasil disputará duas Copas: a do futebol e a das eleições. As duas são importantes, mas não precisam se cruzar. São dois jogos diferentes. O futebol nas democracias é como a sobremesa na refeição, o doce final. É um momento de relaxamento, de deleite coletivo, de justa distensão para aliviar a tensão do trabalho e da vida, mas não o mais importante.

Tomara que em junho o Brasil ganhe. A seleção da Copa é uma seleção renovada. Estará acolhida pela torcida. Seria uma alegria, não só para os brasileiros como para os milhões de torcedores de todo o mundo que amam a Canarinha e seu jeito de jogar.

As eleições, a política, são outra coisa. Muito mais importantes, porque mexem com a nossa vida, com os nossos interesses. Se o Brasil ganhar, não serão os políticos que ganharão, nem isso deveria lhes dar mais votos, e se perder tampouco deveria afetá-los. O futebol é outra coisa.

Na política, quem marca gols e sofre pênaltis são os presidentes, os governadores, os senadores, os deputados, os prefeitos e os vereadores. Os gols que eles precisam marcar e pelos quais serão julgados, tanto o Governo quanto a oposição, são outros: marcam gol toda vez que o PIB sobe um ponto, ou que a inflação baixa. Quando aumenta a renda e caem os juros; quando a indústria cresce e o investimento predomina, quando os transportes públicos são dignos de seres humanos.

Marcam gol cada vez que há uma redução dos assassinatos, assaltos, sequestros e balas perdidas. Marcam gol cada vez que uma favela é pacificada, mas de verdade. Cada vez que menos Amarildos são sacrificados atrozmente. Marcam gol cada vez que um corrupto vai para a cadeia. Ou que a cidade fica mais limpa, ou que as contas públicas se tornam mais transparentes, ou quando crescem os espaços de democracia e de participação cidadã. Ou quando aumenta o número de cidadãos leitores. Cada jovem que abre um caminho para sua vida, que luta para realizar o sonho de criar sua pequena empresa, é um gol dos políticos.

Marcam gol cada vez que se mostram confiáveis. Quando, em vez de mentir, reconhecem seus erros. Só então seus êxitos também serão reconhecidos.

O Brasil está disputando duas Copas: a do futebol e a da modernidade; a da bola e a da luta por ser um país mais justo, menos desigual, menos corrupto, com maior consciência cidadã.

Tomara que o Brasil ganhe as duas Copas, e tomara que os brasileiros saibam distinguir, na hora de aplaudir os políticos, os que acertam no gol e os que só querem aparecer.

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