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Adrian Newey: “Meu sonho é participar da America’s Cup”

“A F-1 e a vela são universos paralelos. A base é a mesma, mas a gestão é diferente.” “Lamento que as regras sejam sempre tão rígidas e que seja tão difícil encontrar soluções distintas.” “Estou fazendo aquilo que eu quis fazer desde que tinha 10 anos.”

Oriol Puigdemont
Newey cumprimenta Vettel pelo Mundial na Índia. / clive mason (getty)
Newey cumprimenta Vettel pelo Mundial na Índia. / clive mason (getty)

Teoricamente, a conversa com Adrian Newey (Reino Unido, 1958) não deveria se prolongar por mais de 15 minutos, porque o diretor técnico da Red Bull tem muito trabalho com o projeto do monoposto para o ano que vem. Sua equipe acaba de conquistar a quarta dobradinha consecutiva, pelas mãos de Sebastian Vettel, que no domingo obteve em Abu Dhabi a sua 11ª vitória na temporada, e a sétima consecutiva, algo que antes só havia sido conseguido por Alberto Ascari e Michael Schumacher. O encontro com Newey está a ponto de terminar quando surge uma pergunta sobre veleiros de corrida. Nesse momento ele pede um capuchino e se acomoda.

Pergunta – O sr. já disse que o design é tão importante na sua vida quanto no seu trabalho. Essa frase poderia perfeitamente ser de Steve Jobs. Você se identifica com ele?

Resposta – Evidentemente conheço a figura de Steve Jobs, mas andei ocupado demais para prestar muita atenção aos discursos dele.

P – Com a quantidade de mudanças que entrarão em cena no ano que vem, a Red Bull poderá manter sua hegemonia?

R – Isso é algo que não posso responder agora. Estamos vindo de alguns anos nos quais as coisas têm ido muito bem para nós, mas, como você diz, enfrentamos uma modificação muito importante no regulamento, centrada basicamente nos novos motores e em uma aerodinâmica revista. Do ponto de vista aerodinâmico, poderemos encontrar elementos similares aos do atual RB9, porque a sacudida nesse sentido não é tão forte quanto a de 2009. Mas em contrapartida, se analisamos a partir do encaixe do motor em todo o conjunto, eu diria que a mudança é maior. Tudo depende de como você enfoque.

P – Qual desafio é maior: fazer diferença quando o regulamento mal oferece margem para inovar, ou conseguir isso num ano como o próximo, em que tudo está mais em aberto?

R – Pessoalmente, lamento que as regras sejam sempre tão rígidas e que seja tão difícil encontrar soluções distintas. As revoluções como as de agora oferecem a possibilidade de que alguém apareça com novas ideias. Gosto desse tipo de cenário, porque lhe permite fazer e experimentar coisas que provavelmente você nunca fez antes. E, ao contrário, num ecossistema invariável tende-se a adotar uma postura mais darwinista.

P – Nesse sentido, o que o sr. fez nos últimos quatro meses para transformar o RB9 em um foguete?

R – Um dos maiores desafios do ano passado foi conseguir contrabalançar a proibição dos difusores soprados. Grande parte do trabalho que fizemos então para entender o RB8 nós pudemos aplicar ao carro atual, que é uma evolução daquele, só que refinada. Não houve um único elemento que tenha marcado a diferença, e sim uma combinação de muitos.

P – Como o sr. definiria o que Vettel conseguiu nos últimos anos?

R – Ele foi se aperfeiçoando ano após ano. Em 2009 e 2010 já exibiu seu talento, mas alguém poderia dizer na época que sua pouca sutileza podia levá-lo a provocar algum acidente. Havia quem dissesse que ele tinha problemas para ultrapassar, e que as coisas não saíam bem para ele se ele não largasse na pole. Mas essas críticas já não fazem sentido, agora é muito difícil encontrar um ponto por onde atacá-lo.

P – Como o sr. avalia os comentários dele sobre o monoposto, em comparação com o retorno que recebe de Webber?

R – As informações que Sebastian nos dá são muito importantes, mas não se deve subestimar a contribuição de Webber. De fato, Mark nota as pequenas mudanças aerodinâmicas antes que ele [Vettel], tem mais sensibilidade.

P – Muito pouca gente pode ser gabar de ser o melhor, o mais decisivo em seu campo. Resta algum sonho para o sr. realizar?

R – Caramba! Acho que realizei quase todos os meus sonhos. Pode ser que [um sonho restante seja] participar da America’s Cup. Tenho 54 anos e há muitos projetos nos quais eu gostaria de me envolver, então em algum momento, não sei exatamente quando, vou fazer algo diferente. A F-1 é uma disciplina que exige muito da gente, demais para que a gente se proponha a se meter em outra coisa ao mesmo tempo.

P – Alguém o tentou para que embarque em um projeto de vela?

R – Sim, mas seria irresponsável demais dizer de onde veio. De todo modo, meu futuro imediato passa pela F-1.

P – Que semelhanças o sr. vê entre ambos os mundos?

R – A America’s Cup e a F-1 são dois universos paralelos. Se separarmos os orçamentos anuais, são um pouco mais reduzidos, mas também se movimenta muito dinheiro. Os elementos básicos – estruturas leves, sistemas de controle, simulações, aerodinâmica e hidrodinâmica, a combinação entre o homem e a máquina –, tudo é muito parecido, mas gerido de forma incrivelmente diferente. Quando a America’s Cup estava em Valência, fui visitar aquilo em mais de uma ocasião e aproveitei bastante. Aprendi coisas que apliquei na F-1. Não diria que aquilo foi a chave da recuperação da Red Bull, mas qualquer coisa ajuda. Tudo se baseia em tentar ser um bom engenheiro, em ter os olhos abertos.

P – Que campo o sr. acha mais difícil?

R – A America’s Cup é mais complicada. Um circuito oferece a você um tabuleiro de jogo mais definido, com uma janela de possibilidades mais limitada do que o mar aberto.

P – O sr. acha que triunfaria com os barcos?

R – Também não tenho a resposta para isso. Estou fazendo aquilo que eu quis fazer desde que tinha 10 anos, algo que se transformou no meu trabalho desde que me formei. Na vela, acontece o mesmo com os meus colegas. Pensar que poderia aterrissar ali e triunfar seria muito arrogante da minha parte, mas o que eu poderia desempenhar, sim, seria um papel consultivo, tentar transferir para lá minha experiência na F-1, da mesma forma que pude aplicar aos carros algumas das coisas que vi em Valência.

P – O que lhe atrairia mais: fazer crescer uma equipe a partir de baixo, como fez com a Red Bull (antiga Jaguar), ou trabalhar em uma das já consolidadas?

R – O grande desafio da Red Bull foi alterar a cultura da época da Jaguar. O detalhe é que era uma disciplina que dominava.

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