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Os neutrinos captados na Antártida abrem uma nova janela ao universo

O detector IceCube, situado no Pólo sul, registrou 28 destas partículas elementares de origem cosmológico

Neutrino registrado no observatório IceCube, na Antártida
Neutrino registrado no observatório IceCube, na AntártidaIceCube Collaboration

Os neutrinos são tão invisíveis que, para vê-los, os cientistas têm que montar seus enormes detectores em locais insólitos, como a Antártida. Junto à base científica norte-americana Amundsen Scott está incorporado, em um quilômetro cúbico de gelo, o detector IceCube. Sua função é captar estas partículas elementares geradas fora do Sistema Solar, chamadas neutrinos cosmológicos ou astrofísicos. Os cientistas deste peculiar telescópio anunciam agora, na revista Science, que captaram 28 neutrinos altamente energéticos e com propriedades específicas que permitem descartar que possam ter sido produzidos no Sol ou na atmosfera terrestre. “É o amanhecer de uma nova era da astronomia”, afirma o cientista norte-americano Francis Halzen, cientista de Universidade de Wisconsin-Madison, responsável e pai do IceCube.

Os cientistas ainda não podem determinar quais foram os fenômenos concretos que emitiram esses neutrinos pescados na Antártida, pois o fluxo ainda é pequeno. Mas as teorias indicam que devem proceder de explosões estelares de supernova, de buracos negros, de galáxias ativas ou de outros fenômenos extremos.

Por cada centímetro quadrado da Terra passam bilhões de neutrinos por segundo -e pelo corpo de todos nós também. Mas nem parece que eles existem. Estas partículas mal interagem com a matéria, o que lhes permite atravessar sem se deixar abater e, como são neutras, não desviam dos campos magnéticos. Mas são geradas em processos físicos fundamentais e em quantidades enormes. A maioria dos neutrinos que atravessam nosso corpo de forma imperceptível são gerados no Sol, nas interações dos raios cósmicos na atmosfera ou na radioatividade natural. Também se produzem nos reatores nucleares e em aceleradores de partículas, como o PS do CERN (Organização Européia para a Pesquisa Nuclear).

Laboratório do detector de neutrinos IceCube, na base Amundsen Scott na Antártida.
Laboratório do detector de neutrinos IceCube, na base Amundsen Scott na Antártida.Sven Lidstrom, IceCube/NSF

Como são tão fantasmagóricas, conseguir detectar estas partículas quase sem massa e que viajam quase à velocidade da luz exigem dos cientistas autênticas proezas tecnológicas e muita imaginação.

O IceCube se constitui de 86 cabos onde estão montados 5.160 módulos ópticos capazes de ver minúsculos flashs de luz azul (chamados Cherenkov) emitidos quando, bem de vez em quando, um neutrino interage com o gelo. Esses 86 cabos estão distribuídos em um quilômetro cúbico de gelo da Antártida a uma profundidade entre 1.450 e 2.450 metros. A construção do telescópio com a instalação de todos os dispositivos eletrônicos e a transmissão de dados para análise (da Antártida à Universidade Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos), levou sete anos para ser concluída, dadas as condições extremas do Pólo Sul. Custou 618 milhões de reais (271 milhões de dólares) e começou a funcionar em 2010. Seu objetivo é medir o fluxo de neutrinos cósmicos e localizar no universo as fontes que os emitem. O IceCube é o maior detector desse tipo no mundo, embora exista o projeto de construir um maior ainda no Mediterrâneo, na água marinha ao invés de gelo.

Em 2012 os cientistas do IceCube detectaram dois neutrinos super-energéticos, com mais de 1000 teralectronvoltios (TeV), tão queridos pelos físicos que lhes batizaram de Ernie e Bert (referentes aos simpáticos personagens Beto e Ênio, na versão brasileira), em honra à série de televisão norte-americana Vila Sésamo. Porém, divulgaram há poucos meses a descoberta. Durante este período, entre maio de 2010 e maio de 2012, analisaram a fundo os dados e descobriram outros 26 neutrinos de energia superior a 30 TeV. Os dados preliminares foram apresentados em junho.

“Esta é a primeira indicação de neutrinos de alta energia procedentes de fora do Sistema Solar. A energia deles é mais de um milhão de vezes superior à dos neutrinos observados em 1987, relacionados com uma supernova vista na galaxia Grande Nuvem de Magalhães”, explica Halzen. Os neutrinos daquela supernova de 1987 entraram para a história da ciência, já que foram os primeiros associados diretamente a um fenômeno como este e proporcionaram informação importante, não só sobre a estrela que explodiu na supernova (que deve ter virado um buraco negro), mas também sobre os próprios neutrinos.

“Os neutrinos são excelentes mensageiros dos fenômenos que envolvem os mais altos níveis de energia do universo porque, ao contrário da luz, eles escapam facilmente de meios extremamente densos, como o centro de uma supernova”, explicam os pesquisadores do laboratório alemão DESY, participantes do IceCube. “Por exemplo, os neutrinos de 1987 chegaram à Terra três horas antes que os fótons de luz, porque previamente estes tiveram que abrir caminho na supernova”, acrescentam. Ernie e Bert têm mais de mil TeV e isso é mais que a energia cinética de uma mosca em voo, comprimida em uma única partícula elementar, acrescentam os especialistas alemães.

“A era da astronomia de neutrinos começou”, afirma Gregory Sullivan, chefe da equipe da Universidade de Maryland que trabalha no IceCube. John Learned, da Universidade do Havaí, que em 1973 propôs montar um detector similar no oceano, também concorda com a afirmação de Sullivan. O trabalho já começou -e com o pé direito. “IceCube é um telescópio astrofísico único e fantástico, construído no gelo profundo da Antártida, mas que olha para todo o universo, detectando neutrinos que chegam atravessando a Terra desde o céu do hemisfério Norte e também os que procedem do Sul”, diz Vladimir Papitashvili, responsável pela Fundação Nacional da Ciência norte-americana, que financiou a grande instalação científica.

Há 250 físicos e engenheiros de 12 países colaborando no IceCube e 16 universidades norte-americanas participantes do projeto.

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