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Do “Mexican moment” à freada econômica

A dependência em relação aos EUA, a queda nos gastos públicos e a crise imobiliária emperram o avanço do país, imerso em um ambicioso processo de reformas estruturais

Bernardo Marín
Barraca de camelô em uma rua de Cidade do Mexico.
Barraca de camelô em uma rua de Cidade do Mexico.SAÚL RUIZ

O “Mexican moment”, esse slogan eufórico que durante meses acompanhou os comentários sobre a economia mexicana, parece ter ficado nisso mesmo, o slogan de um momento que já passou ou que talvez nunca tenha acontecido. Menos de um ano depois, os relatórios só trazem más notícias. No final de outubro, por exemplo, o Banco do México voltou a reduzir a taxa referencial de juros, com o argumento de que os riscos continuam elevados. E, semanas antes, o FMI havia imposto ao México a segunda maior redução nas suas previsões de crescimento para este ano entre todos os grandes países, de 2,9% para 1,3%, só inferior à redução prevista para a Índia. Ainda por cima, uma circunstância imprevista, a destruição provocada pelos furacões Ingrid e Manuel, obrigou o governo a reduzir em um décimo de ponto percentual a sua previsão para 2013, deixando-a em 1,7%, cifra ainda muito otimista segundo a maioria dos especialistas. O que aconteceu?

Depois de um primeiro trimestre de estancamento neste ano e de um segundo trimestre de contração, alguns pedem para esperar os dados do terceiro antes a fim de saberem se o país entrou oficialmente em recessão. Por enquanto, como diz José Luis Calva, do Instituto de Pesquisas Econômicas, “se isso não é uma recessão, estamos diante de uma não recessão muito feia”.

Na hora de explicar as nuvens negras, os economistas apontam vários fatores. Em primeiro lugar, uma diminuição das exportações, especialmente para os EUA, de cujo desempenho o México continua sendo tremendamente dependente. Não por acaso, calcula-se que quase 80% das exportações se dirijam ao vizinho do norte. “A relação entre ambas as economias é muito estreita, mas assimétrica”, afirma Alicia Puyana, pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. “Quando os EUA crescem, o México cresce menos; quando os EUA decrescem, o México decresce mais. Por isso, na crise de 2009 sua economia foi a que mais caiu, 9%.”

O segundo fator que domina a economia mexicana foi, segundo Gerardo Esquivel, professor do Colégio do México, um ajuste dos gastos públicos por parte do novo governo, em busca do déficit zero, junto com uma má execução orçamentária. Juan Pardinas, diretor do Instituto Mexicano para a Competitividade, concorda, mas amplia o foco sobre o que chama de “ciclo político”. Uma nova gestão – a de Enrique Peña Nieto, que assumiu o poder em dezembro – demora a tomar as rédeas do orçamento, e além do mais as cifras são comparadas às de 2012, um ano eleitoral e, portanto, de muito dispêndio. Pardinas acrescenta ainda outra circunstância relacionada à política: a incerteza. “O anúncio sequencial de muitas reformas em muitos setores gerou cautela nos investidores privados, que esperaram para tomar decisões.”

O terceiro fator mencionado pelos economistas é o fiasco da construção. O governo aprovou um ajuste nos planos de desenvolvimento do setor habitacional, o que foi um golpe de misericórdia para algumas empresas do setor, e nos gastos públicos o quesito com maior redução foi o investimento, e em particular o investimento em construção civil. De quebra, há pouco menos de dois meses, quando a economia mexicana já fraquejava, vieram os furacões que, segundo cálculos do economista e analista político Macario Schettino, poderão reduzir o crescimento do PIB entre 0,1 e 0,4 ponto percentual em curto prazo.

A maioria dos economistas concorda que o baque não será muito profundo nem muito duradouro, porque as circunstâncias que o causaram estão sendo revertidas. Mas isso não significa uma volta à euforia. “O México recuperará sem dificuldades suas taxas de crescimento anteriores, mas estas eram bastante medíocres” por causa dos “baixos níveis de produtividade e da existência de setores blindados ao investimento privado”, recorda Pardinas.

Para Calva, o grande problema é que a economia se move conforme uma sucessão de ciclos recorrentes de frenagem e disparada. “O PIB aumentou 2,3% ao ano entre 1983 e 2012, o que é pouco inclusive se comparamos com países desenvolvidos, e o dado por habitante foi de apenas 0,6%.” Ele atribui esse crescimento raquítico à aplicação persistente da doutrina neoliberal do chamado Consenso de Washington e a uma ortodoxia baseada na disciplina fiscal e monetária.

O FMI acha que o crescimento da economia mexicana poderá chegar a 4% quando surgirem os frutos das reformas empreendidas pelo governo e incluídas no chamado Pacto pelo México, acordo firmado em dezembro pelos grandes partidos – PRI, PRD (esquerda) e PAN (direita). A primeira delas, a financeira, visa a desatar o crédito no país e, depois de ser aprovada pela Câmara de Deputados, se encontra paralisada no Senado. No final de outubro o Senado também debateu, sob oposição de boa parte do empresariado, uma reforma fiscal que tem por objetivo elevar a arrecadação de impostos em um dos países da OCDE com menor carga tributária. A terceira, a reforma energética, pretende abrir a produção de hidrocarbonetos ao capital privado, mas isso exigiria uma reforma constitucional, algo rechaçado por todos os partidos de esquerda, desde o PRD – que aderiu ao pacto e está de mãos dadas com o governo em várias reformas, mas se opõe ao investimento privado na exploração de gás e petróleo – até o nascente partido Morena, do ex-candidato Andrés Manuel López Obrador, que mandou suas bases para a rua a fim de evitar que se consume o que ele chama de “o roubo do século”.

Mas, ainda antes que se saiba o que acontecerá com a reforma energética, a ter sua forma discutida a partir deste mês, especialistas têm dúvidas sobre se o pacote de novas leis fiscais e financeiras ativará a economia, e como.

Pardinas vê essas reformas com relativo otimismo. “Se forem aprovadas, vamos estar em melhores condições do que agora.” Mas ele teme que a reforma fiscal não esteja voltada para a melhora da produtividade e do crescimento. “É grandinha, mas pouco ambiciosa. O inimigo a vencer deveria ser a informalidade, que emprega 60% dos mexicanos.” Pardinas, no entanto, elogia a eventual reforma energética. “Os demais setores estão plenamente integrados à economia global, mas o coração do nosso desenvolvimento está desenhado sob o paradigma stalinista do planejamento. Reformá-lo supõe enviar bons sinais aos investidores do mundo todo.” Schettino concorda que a reforma energética pode contribuir muito com o crescimento, ao atrair capital estrangeiro não só para impulsionar a extração, mas também outras áreas industriais. Ele considera que a reforma financeira é crucial, porque o crédito bancário equivale a 24% do PIB, muito abaixo de países como o Brasil, onde chega a 57%. E destaca que a reforma fiscal, embora não ajude a crescer, torna o crescimento mais sólido, ao manter a dívida controlada e evitar um ajuste brutal em algum momento.

Outros especialistas são mais céticos. Para o professor Calva, tanto a reforma financeira quanto a fiscal são oportunidades perdidas. “A primeira é desimportante, não assegura que os bancos outorguem mais créditos. Quanto à fiscal, no México temos a oportunidade de aumentar a arrecadação em dez pontos percentuais do PIB, porque não se tributam dividendos nem lucros nas Bolsas, e há um regime de consolidação fiscal que permite às empresas comprar empresas quebradas para eludir impostos. Mas temo que, com o texto a ser aprovado, a arrecadação subirá apenas um ponto percentual do PIB.” Quanto à reforma energética, Puyana nega inclusive que ela exista. “Não é energética, porque trata só do petróleo e só como matéria-prima, fonte de divisas e arrecadação fiscal, não como fator energético. Não a considero necessária, vai agudizar tudo aquilo que se chama maldição dos recursos naturais [os efeitos nocivos da riqueza de matérias-primas para o desenvolvimento de algumas nações]. Para este país, o que interessa é prolongar a vida desse recurso e buscar outras fontes alternativas.”

O presidente Peña Nieto completou recentemente 11 meses no cargo. Seguramente quando chegar a um ano no poder ele terá em mãos um ramalhete de novas leis, aprovadas em tempo recorde. No papel, o Pacto pelo México terá rendido boas contas, mas nas ruas os mexicanos, e também a comunidade internacional, terão de esperar um pouco mais para ver se de fato a nação mexicana cumpre os prognósticos de que aqui se cozinha algo com um sabor muito diferente do que sempre se preparou, ou se, pelo contrário, a expectativa de desinfla sem ter podido trazer a bonança que alguns anteviam quando foi cunhado esse termo contagioso chamado “Mexican moment”.

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