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De Balzac a Cortázar, quem são os escritores seduzidos por gatos

Poucos animais dão tanto jogo para escrever sobre eles, e não deixam de aparecer livros sobre os felinos domésticos

Julio Cortázar com sua gata ‘Flanelle’.
Julio Cortázar com sua gata ‘Flanelle’.
Pedro Zuazua

Os gatos são um material literário muito interessante. Poucos animais dão tanto jogo para escrever sobre eles. São elegantes, misteriosos, independentes, interesseiros, ariscos e adoráveis ao mesmo tempo, simpáticos, ágeis, cabeçudos, espertos e, sobretudo, gostam de ser os protagonistas.

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Sua relação com os livros ficou marcada também pelos escritores que compartilharam sua vida com os felinos: entre eles há muitos dos considerados “malditos” ou de leitura complexa. Bukowski? Gato. Burroughs? Gato. Capote? Gato. Cortázar? Gato. Hemingway? Gato. Mero acaso?

A literatura já abordou os felinos a partir de muitos pontos de vista. A fórmula mais complicada e audaz, sem dúvida, é a de pôr o gato como narrador. Talvez o ápice desta corrente seja Eu sou um gato (Estação Liberdade), do japonês Natsume Soseki. Um exemplo de narrativa, ritmo e humor japoneses. Com tudo o que isso implica. A receita de comentar o mundo do ponto de vista felino também foi usada por E.T.A. Hoffman em Reflexões do gato Murr (Estação Liberdade) e Gérard Vincent em Akhenaton, a História do homem contada por um gato (Siciliano). Todos coincidem em pegar pesado com o ser humano. E todos os donos de gatos podem perfeitamente imaginar o seu com as patas apoiadas diante da cabeça e criticando com displicência o que as pessoas fazem. Absolutamente tudo, claro.

Há também quem tenha se centrado nos sentimentos do gato, sem entrar (ao menos diretamente) no mérito da estupidez humana. É o que fez Balzac em Penas de Amor de uma gata inglesa (conto incluído no volume O grande livro dos gatos, Alfaguara, no prelo) e P.-J. Stahl em Peines de coeur d’une chatte française (“penas de amor de uma gata francesa”, sem tradução no Brasil).

“O principal é não cair no grande erro / e recordar que um gato não é um cachorro”, escreveu T. S. Eliot. Também houve poetas que os louvassem, como Pablo Neruda e Baudelaire. Borges dedicou versos ao seu, e Eliot um poemário inteiro —Gatos (Companhia das Letrinhas)— que posteriormente serviria como inspiração para o musical Cats.

Há escritores que contaram o lado bom dos gatos (que também existe). Antonio Burgos, por exemplo, narra em Gatos sin fronteras (inédito no Brasil) a chegada à sua casa de Remo e Rómulo. O livro fez tanto sucesso que teve uma segunda parte, Alegatos de los gatos, em que os leitores participaram contando suas histórias.

Talvez a trama mais midiática (rendeu inclusive um filme) seja a de James Bowen e seu livro Um gato de rua chamado Bob (Novo Conceito). Bob decidiu um dia que Bowen, um músico de rua com uma vida complicada, seria seu dono. E que o salvaria e o transformaria em milionário. Neste livro há uma cena com a qual todo mundo que convive com um gato se identificará.

Doris Lessing reuniu em Sobre gatos (Autêntica) a vida dos vários gatos que conheceu —e teve— durante sua vida. Inclusive a revista The New Yorker já publicou vários volumes de compilações dos seus melhores artigos e cartuns protagonizados por felinos (apenas em inglês).

E não deixam de aparecer livros sobre os felinos domésticos. O último, recém-chegado à Espanha vindo do Japão, é Sakka to neko no monogatari (“a história do gato”, inédito no Brasil), de Mariko Koike. Uma peculiar mistura de amor e incerteza em que a gata Lala desempenha um papel principal. Terror psicológico que nada tem a ver com o que sentem os donos de gatos quando os veem com o olhar perdido em algum ponto indeterminável do além.

A escola francesa de ensaio também se debruça sobre as questões felinas. Um dos melhores livros sobre a matéria é Eloge du chat (“elogio do gato”, sem tradução no Brasil), de Stéphanie Hochet. Uma maravilha altamente recomendável que explica por que os gatos sempre querem as portas abertas. “Estudei muito os filósofos e os gatos. A sabedoria dos gatos é imensamente superior”, afirma Hippolyte Taine em Vie et opinions philosophiques d’un chat (“vida e opiniões filosóficas de um gato”, inédito no Brasil).

Foram escritos também vários livros sobre a história do gato e sua relação com o ser humano e seu lugar no mundo. Em The lion in the living room (“o leão na sala de estar”), Abigail Tucker traçou um percurso pela biografia dos bichanos como espécie e sua capacidade de dominar o mundo. The tiger in the house (“o tigre na casa”), de Carl Van Vechten, é outra interessante retrospectiva da interação do gato com seu entorno (entenda o homem como tal). Tem a peculiaridade de ter sido escrito em 1920, antes dos tempos do Instagram.

A curiosa forma de ser dos gatos propiciou também sua presença no mundo dos quadrinhos. Facilmente caricaturáveis e simpáticos por natureza, deixaram para a história personagens como Garfield (Nemo) e Simon’s Cat (L&PM), cujas tiras cômicas retratam muito bem a alma da felinidade. Nesse compartimento, uma pequena recomendação algo heterogênea: o livro Cats are paradoxes (“gatos são paradoxos”, título originalmente em inglês), do ilustrador espanhol Pablo Amargo (80 ilustrações; 80 adivinhações).

Se os títulos sugeridos forem muitos, ou se você busca uma aproximação mais geral à relação entre os gatos e a literatura (e vice-versa), a Alfaguara lança em abril no Brasil O grande livro dos gatos, uma revisão muito completa e interessante da presença felina no mundo das letras.

Entre tantas páginas e tanta tinta dedicada aos gatos, esconde-se a explicação de por que eles conseguiram conquistar a Internet sem saber usar um computador ou um celular. Também sua espetacular evolução, que os levou de serem considerados seres mágicos a algo muito mais útil e especial: que os humanos recolham seu cocô. E fiquem felizes por isso. Isso sim que é dominar o mundo.

Pedro Zuazua é autor de En mi casa no entra un gato.

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