_
_
_
_
_

Ataque na Arábia Saudita, um teste de estresse para a Petrobras

Jair Bolsonaro afirma na TV que não haverá repasse imediato no preço dos combustíveis controlados pela estatal. Bombardeio é novo fator de instabilidade para setor, chamado de "11 de Setembro" do petróleo

Plataforma da Petrobras.
Plataforma da Petrobras.Petrobras/ABR
Mais informações
Tensão no Golfo ameaça estabilidade do mercado de petróleo
Irã adverte aos EUA sobre “consequências devastadoras” se for atacado

Os ataques realizados supostamente por drones na maior instalação de processamento de petróleo na Arábia Saudita, no sábado, fizeram os preços do petróleo dispararem quase 20% nesta segunda-feira, com o brent apresentando o maior ganho em uma sessão desde a Guerra do Golfo em 1991. A ação reivindicada pelo grupo rebelde houthis, do Iêmen, provocou um corte de mais da metade da produção de petróleo do reino saudita, maior exportador de petróleo do mundo, refletindo no aumento do valor da commodity, que fechou o dia em alta de 13%, a 68 dólares (278 reais) o barril. Os Estados Unidos, aliados dos sauditas, acusaram o Irã de estar por trás dos ataques à estatal Aramco, o que elevou a tensão entre os dois países. Os iranianos negam, no entanto, participação na ofensiva.

No Brasil, a forte alta do preço será uma prova de fogo para avaliar se a Petrobras poderá ou não manter a política adotada há alguns anos de alinhamento do preço dos combustíveis no mercado doméstico às oscilações internacionais. A primeira reação do Governo Bolsonaro foi de sinalizar, especialmente ao estratégico grupo dos caminhoneiros, que não haverá mudança imediata de preços. Nesta segunda-feira, em entrevista concedida ainda no hospital onde se recuperava de uma cirurgia, Jair Bolsonaro disse ao Jornal da Record que havia conversado com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e havia sido informado de que não haverá repasse imediato no preço dos combustíveis. Fontes ouvidas pela Bloomberg também relataram que a equipe econômica avaliou que os preços do petróleo ainda estão muito voláteis.

"Tudo irá depender de quanto tempo essa crise e o preço mais alto irão durar. Ainda que seja constatado posteriormente que os danos não foram tão grandes e que a produção saudita voltará a normalidade em pouco tempo, só o fato do risco de uma ação dessas acontecer de novo pode elevar o preço por mais tempo. Pode não ser algo tão passageiro", explica o professor Maurício Canêdo, da FGV . "Aí, de fato, teremos um teste para ver se a política da Petrobras repassa o preço internacional para refinarias e, consequentemente, para os consumidores ou continua sujeita a pressões de grupos organizados e irá controlar os preços", completa.

Em abril deste ano, durante um ciclo de aumento das cotações internacionais quando o barril chegou ao valor de 72 dólares, o Governo de Bolsonaro pediu que a Petrobras suspendesse o reajuste do preço do diesel, com medo de uma nova paralisação dos caminhoneiros que haviam começado a se articular. A intervenção foi criticada pelos agentes financeiros e fez a estatal perder 32 bilhões de reais de valor de mercado.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), concorda que, se o movimento de alta persistir, em condições normais, a Petrobras terá que repassar o novos preços. "Se a estatal não alterar os preços ela estará perdendo rentabilidade. Ainda estamos em um momento de aguardar o que vai acontecer, a Petrobras deve esperar alguns dias, mas caso ela demore 15 dias, o mercado já irá interpretar como uma nova intervenção, fazendo as ações despencarem", explica. Nesta segunda-feira, as ações da petroleira brasileira registram fortes ganhos, de aproximadamente 5%. "Agora, a ação está subindo, porque há uma leitura que a companhia repassará o aumento. Mas o brasileiro tem uma relação freudiana com o aumento do diesel e tem a questão da pressão dos caminhoneiros que podem impulsionar uma nova greve. Está todo mundo curioso para ver se o Governo vai encarar a pressão", diz Pires.

Analistas do banco UBS também afirmaram em nota que "esse evento pode ser um importante teste sobre quão sólida é a política (de preços)". Eles ressaltam ainda que nos últimos tempos foram vistos diversos exemplos em que a estatal não foi capaz de seguir os preços internacionais, "levando a perdas significativas no negócio de refino"."Um dos maiores dilemas para investidores sobre a Petrobras está relacionado à sua capacidade de seguir as variações internacionais de preço e a volatilidade do câmbio. Nós agora vemos uma situação desafiadora para a companhia, uma vez que esperamos que o petróleo salte e o real potencialmente se deprecie”, escreveram os analistas no documento, publicado no domingo.

'11 de Setembro' do setor do petróleo

Ainda que seja muito cedo para prever os reais efeitos do episódio do fim de semana para o Brasil e o mundo, há um consenso entre os especialistas de que o ataque na Arábia Saudita trouxe um novo fator de risco, a fragilidade das instalações petroleiras, o que pode demandar uma nova estratégia de segurança, que consequentemente poderá acarretar em um aumento nos preços. Na visão de Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE) e ex-diretor de Energia e Gás da Petrobras, o ataque contra infraestruturas petroleiras pode ser comparado ao 11 de Setembro em uma escala menor. "Algo inesperado no receituário tradicional de enfrentamento de forças se revelou como um mecanismo altamente desestabilizador capaz de gerar apreensão no mundo todo. Como o sistema capitalista vive de risco e precifica o risco, tivemos um aumento imediato de preço na ordem de 20%. Há um componente de 11 de setembro neste ataque, ele é econômico e vai para o coração do sistema do setor. Foi inusual", diz Sauer.

Para o especialista, a ação visou um terrorismo econômico e geopolítico para mostrar que há uma vulnerabilidade na estrutura de produção e da logística. "A novidade, que veio para ficar, é um novo fator de vulnerabilidade que está demonstrado. Algo simples capaz de ser lançado de qualquer lugar é capaz de atacar e levará a necessidade de novas medidas protetivas. Assim como respondemos nos aeroportos ao 11 de Setembro, algo semelhante terá que proteger a logística e irá agregar um custo".

Apesar da retirada momentânea de 5% da oferta global de petróleo da noite para o dia, Sauer explica que não faltará petróleo no curto prazo devido a grande quantidade de estoque, proveniente principalmente dos EUA, China e da própria Arábia Saudita. Trump, afirmou, inclusive que já autorizou a liberação da reserva estratégica do petróleo.

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) informou que ainda está avaliando o impacto dos ataques e considera ainda muito cedo para os membros da entidade tomarem medidas para aumentar a produção. Entre os países da OPEP, a Arábia Saudita é o primeiro produtor, seguido por Iraque, Irã —submetido a sanções dos EUA por causa de seu programa nuclear—, Emirados e Kuwait. De qualquer forma, existe margem porque desde o final de 2016, sob iniciativa saudita, os membros dessa organização de produtores limitam o volume de petróleo bruto que entra no mercado para manter o preço.

Volatilidade e oportunidade para o pré-sal

Para os próximos dias, a tendência será de muita volatilidade. "Para além do novo fator de risco há também uma aumento de tensão entre Washington e Teerã. O viés será de alta, se o preço será de 70 dólares ou 90 dólares não dá para estimar", explica Adriano Pires, do CBIE.

Apesar dos preços mais altos do petróleo terem grande chance de pesar no bolso dos brasileiros, caso o aumento do valor do barril e das incertezas no Oriente Médio se alongue por um período mais longo, analistas avaliam que a crise pode aumentar a atratividade dos leilões do pré-sal que o governo brasileiro realizará até o fim do ano. "Variações eventuais do preço não afetam muito, mas se de fato, houver a percepção de que o risco de extrair petróleo aumentou muito por conta da possibilidade de ataques, certamente aumenta o interesse por regiões alternativas e particularmente no pré-sal no Brasil. Neste sentido, o Brasil pode se beneficiar", afirma Maurício Canêdo, da FGV.

“Interpreto que aumenta a percepção de risco no mercado de petróleo, o que deve se refletir nos preços, mesmo após a retomada plena do suprimento saudita, o que valoriza o pré-sal e os demais ativos brasileiros”, disse a jornalista o diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Décio Oddone. Pires concorda que a área do pré-sal está afastada das zonas de conflito, o que a valoriza e pode atrair investimentos. Ele ressalta, no entanto, cautela. "É preciso ver o que vai acontecer no setor até outubro e novembro, quando ocorrem os leilões", diz ele, em alusão aos certames previstos de 36 blocos e à nova rodada envolvendo o pré-sal. 

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_