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Como vivem os membros da aldeia indiana acusada de matar um missionário dos EUA

Trilok Nath Pandit, que nos anos 60 contatou os aborígenes isolados, explica que são apenas uma “comunidade vulnerável que procura se defender de um grupo dominante”

John Allen Chau, o missionário norte-americano assassinado na ilha Sentinela do Norte.
John Allen Chau, o missionário norte-americano assassinado na ilha Sentinela do Norte.SOCIAL MEDIA (REUTERS)
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“Essa tribo não é hostil e é necessária uma estratégia para evitar uma epidemia em uma comunidade tão pequena”, explica a EL PAÍS o antropólogo Trilok Nath Pandit, com um fio de voz. O especialista octogenário sabe do que fala porque é o único sobrevivente da expedição que primeiro conseguiu entrar em contato com a pequena e isolada tribo que, involuntariamente, tem atraído a atenção internacional nos últimos dias e que levou as autoridades indianas a um dilema sanitário, diplomático e ético após o desaparecimento de um cidadão norte-americano às margens de Sentinela do Norte, uma ilha do arquipélago de Andaman e Nicobar.

“É preciso ter paciência. Qualquer reação excessiva ou uso de força contra um grupo tão pequeno pode ter consequências mortais para sua população”, insiste Pandit, que levou 20 anos para interagir com os sentineleses que habitam a ilhota. Mas o tempo passa e não há soluções para o quebra-cabeças de como recuperar os restos mortais de John Allen Chau e impedir doenças em razão da decomposição de seu corpo sem evitar o risco de transmissão de vírus que uma nova expedição poderia levar à ilha. Por isso, foram canceladas as operações de resgate do norte-americano de 26 anos.

Sem notícias de Chau desde que há duas semanas ele se aventurou a ir até a ilha, violando um território protegido, as autoridades e parentes o consideram morto. Mas a polícia só conseguiu chegar a 400 metros do lugar onde foi visto pela última vez, recuando assim que avistou um grupo de homens com arcos e flechas. As mesmas armas com as quais Chau foi atacado e sequestrado, de acordo com os pescadores que se aproximaram da costa e que disseram ter visto os aborígenes enterrar o corpo.

As autoridades indianas pediram consultoria a especialistas. Antropólogos e ativistas defendem o cancelamento da operação para evitar qualquer confronto com a comunidade local, incluindo o grupo do Estudo Antropológico da Índia (ASI, na sigla em Inglês), o único que conseguiu estabelecer contato com a tribo. E Pandit é taxativo: “Esta comunidade é muito vulnerável à interação com pessoas de fora. Esse tipo de encontro coloca sua vida em risco. A prioridade agora são eles”.

“É preciso ter paciência. Qualquer reação desmedida ou uso da força contra um grupo tão pequeno pode ter consequências mortais para sua população”, diz o antropólogo Trilok Nath Pandit

Em 1967, o ASI, vinculado ao Ministério da Cultura, enviou uma expedição de 20 pessoas a Sentinela do Norte com o objetivo de coletar informações sobre a misteriosa tribo que habitava a ilha. “Não sei se foi coincidência, sorte ou destino; mas eles nos deixaram entrar”, descreve Pandit, então com 30 anos de idade. Com base no tipo de habitação e utensílios que os pesquisadores viram, o estudo levou-os a concluir que os sentineleses, uma comunidade com 150 a 200 membros, habitavam a ilha havia cerca de 2.000 anos. Mas somente em 1991, e depois de inúmeras tentativas de aproximação, a equipe Pandit conseguiu interagir com a tribo. “Nós levamos cocos e outros bens até perto da costa, sem problema. Chegamos e saímos em paz.”

Imagem aérea da ilha de Sentinel do Norte.
Imagem aérea da ilha de Sentinel do Norte.Gautam Singh (AP)

Pandit insiste em negar que a comunidade seja violenta, como se deu a entender desde que o ataque ao jovem norte-americano. “Os sentineleses são apenas uma minúscula comunidade vulnerável que tenta se defender de um grupo dominante”, explica. “Como indivíduos, podem contrair doenças. Como coletivo, também se expõem aos riscos de ser explorados por uma população mais poderosa. Não só são um grupo muito menor, como também não têm as ferramentas nem a tecnologia para se defender e preservar seus costumes”, detalha Pandit, que também foi diretor do Estudo Antropológico da Índia.

“Sinto muito pelo jovem, mas [entrar em Sentinela do Norte] foi uma imprudência”, lamenta Trilok Nath Pandit, que não entende como é possível que John Allen Chau tenha chegado até as costas da ilha sem ser visto pelas autoridades marítimas. A imprensa local assinalou que Sentinela do Norte é uma das 29 ilhas que podem ser visitadas desde agosto, quando a Índia levantou a obrigatoriedade de ter autorização de viagem para várias áreas naturais, a fim de promover o turismo e o desenvolvimento. A polícia, por sua vez, afirma que é proibida a presença de estrangeiros nas proximidades, embora investigadores locais aleguem que falta controle marítimo na área.

Evangelização

Segundo o que foi publicado com base em seu diário, o jovem norte-americano expressou sua intenção de evangelizar a comunidade local. Sobre isso, Pandit opina: “Não se pode permitir a imposição de valores e obrigações com base em crenças que uma tribo local não escolheu. O desenvolvimento natural ocorre quando a própria comunidade tem a possibilidade de experimentar a diversidade de religiões e ideologias do mundo e escolher voluntariamente aquela que mais lhe convém, de acordo com suas aspirações coletivas e individuais”.

À espera de saber se vai ser retomada a busca pelo corpo, Pandit alerta para o perigo de insistir em entrar em contato com uma comunidade tribal que se recusa a interagir com o resto do mundo há milênios. “Acabarão adotando os maus hábitos dos visitantes, como ocorreu no passado. Talvez eles queiram interagir conosco no futuro. Nesse caso, serão eles que nos convidarão a visitar sua comunidade. Mas temos de deixá-los decidir quando e como isso ocorrerá, se é que ocorrerá.”

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