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Policiais que mataram jovem com lança-perfume são condenados a 18 anos de prisão

Condenação dos PMs que envenenaram Marcos Paulo durante abordagem dez anos atrás foi confirmada em segunda instância

Marcos Paulo antes de ser assassinado pela polícia.
Marcos Paulo antes de ser assassinado pela polícia.
Gil Alessi

Madrugada de sexta-feira. Os estudantes Marcos Paulo Lopes de Souza e JR*, ambos com 18 anos, queriam se divertir. Com um pouco de maconha e um frasco de lança-perfume, eles caminhavam por uma viela no entorno do Conjunto Habitacional (Cohab) José Bonifácio, em Itaquera, zona leste de São Paulo. Conversando, baforando e dando risada. Por volta da 1 da manhã teve início o enquadro. Os policiais militares soldado Edmar Luís e soldado Rafael Vieira desceram da viatura e revistaram os dois. Encontraram caído no chão o frasco de lança-perfume: “Você bebe metade, ele bebe a outra metade”, ordenaram.

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Sob a mira de uma pistola e após levar um soco no peito, Marcos bebeu e começou a passar mal. Os PMs não se sensibilizaram, e disseram, segundo testemunhas, “se você vomitar, você vai lamber”. JR simulou que bebia o líquido, mas não o fez, o que rendeu um jato de spray de pimenta nos olhos dos dois jovens para completar o esculacho. “Agora corre cada um pra um lado”, disseram os policiais. Poucos metros adiante Marcos caiu no chão em meio a uma crise convulsiva. Morreu minutos depois.

O crime ocorreu em 10 de outubro de 2008. Em 2015 o tribunal do Júri condenou os PMs Edmar Luiz da Silva Marte e Rafael Vieira Junior a 18 anos de prisão por homicídio cometido por motivo torpe. Ambos foram expulsos da corporação. Outros quatro policiais que chegaram à ocorrência em outra viatura instantes depois da abordagem e nada fizeram para impedir os colegas foram condenados a 14 anos de reclusão.

O processo corre sob segredo de Justiça, mas o EL PAÍS teve acesso ao despacho de confirmação da sentença em segunda instância, assinado no final de abril pelo relator, o desembargador Francisco Orlando. Agora o tribunal aguarda um último recurso da defesa dos réus para decretar a prisão dos seis – trata-se apenas de um embargo para rever detalhes das penas, sem poder para reverter o resultado. A expectativa é de que isso ocorra nas próximas semanas, quase dez anos depois do assassinato de Marcos e a tentativa de homicídio de JR. Entre o crime e a condenação confirmada, os seis PMs continuaram a trabalhar nas ruas. Todos foram promovidos, sendo que um deles alcançou a patente de capitão.

No laudo necroscópico feito por legistas consta que o jovem morreu em decorrência de insuficiência respiratória aguda provocada “pelo quadro de edema agudo do pulmão devido à intoxicação por tricloroetileno”. A substância é um solvente usado para turbinar os efeitos do lança-perfume. Se inalado pode provocar “rinite e irritação das mucosas”. Se ingerido, é fatal: na prática, Marcos fora envenenado pelos policiais. O legista escreveu ainda que “exercício físico [a ordem para que os jovens corressem] associado com exposição intensa pode ser responsável por morte súbita devido à arritmia ventricular”.

Uma testemunha que prestou depoimento no tribunal do Júri afirmou que antes de beber o líquido Marcos se negou, e disse que o policial poderia prendê-lo. A resposta do PM foi seca: "bebe o bagulho, senão vai morrer; não vou prender ninguém". Após envenenar o jovem, os policiais envolvidos deixaram o local sem prestar socorro à vítima. Um técnico de enfermagem que passava pelo local viu Marcos caído desacordado e mediu seu pulso: fraco. Ele correu até a delegacia da Polícia Civil a poucos metros dali para pedir socorro. Coube a um investigador e um delegado levar o jovem para o Hospital do Planalto, onde ele já chegou morto.

A reportagem entrou em contato com o advogado Paulo Sérgio Maiolino, que representa os policiais, mas não obteve retorno.

* A identidade do sobrevivente foi ocultada para evitar retaliação.

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