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Marielle Franco, um mês depois: muitas incógnitas, muita indignação e nenhum culpado

"Existem vários fatos que estão sendo estudados e vários indícios que apontam para que o crime possa ter uma solução", afirma o comando da intervenção militar no Rio

Monica Tereza Benicio, esposa de Marielle, segura uma bandeira com a foto da vereadora, durante um ato no dia 2 de abril.
Monica Tereza Benicio, esposa de Marielle, segura uma bandeira com a foto da vereadora, durante um ato no dia 2 de abril. Antonio Lacerda (EFE)
Felipe Betim

Muitas incógnitas, milhares de indignados e nenhuma punição. É o resultado do primeiro mês da bárbara execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes no Estácio (Rio de Janeiro), assassinatos que abalaram o Brasil, mas que ainda não têm suspeitos. "Este é um caso difícil, não se trata de uma coisa simples. Existem vários fatos que estão sendo estudados, várias perícias que vêm sendo realizadas e vários indícios que estão sendo analisados pelos investigadores e que apontam para que o crime possa ter uma solução", diz o coronel Roberto Itamar, porta-voz do general Walter Braga Netto, interventor federal no Rio e chefe do Comando Militar do Leste. "Não falta empenho por parte da equipe que está trabalhando".

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Na noite do dia 14 de março, quando seu carro transitava pela rua Joaquim Palhares, no Estácio, Rio de Janeiro, Marielle foi abordada por um grupo de homens armados em outro veículo e levou quatro tiros na cabeça. Foram, no total, 13 tiros de uma pistola 9mm que também atingiram a cabeça de Anderson Pedro Gomes, seu motorista. Um dia depois, as ruas da capital fluminense e de outras grandes cidades brasileiras foram tomadas por milhares de pessoas que prometiam continuar as lutas da parlamentar, negra, lésbica e oriunda do complexo de favelas da Maré. Exigiam o fim da intervenção federal no Estado do Rio, o fim da guerra contra as drogas, travada nas favelas e periferias e que vitimiza milhares de jovens e negros todos os anos, o fim do racismo e do machismo institucional. Também clamavam por Justiça, com a certeza de que aquele crime era político.

Mas, até hoje, esse é o fim da história. "Todos [os envolvidos na investigação] estamos altamente interessados e empenhados em desvendar esse crime e responsabilizar as pessoas que realizaram esses assassinatos covardes. As investigações estão sob sigilo para que não sejam prejudicadas, mas estão andando bem e o otimismo a gente sempre tem que ter", acrescenta o coronel Roberto Itamar.

Para este sábado, 14 de abril, está prevista uma caminhada entre a Lapa e o Estácio, para refazer o último percurso da vereadora e de seu motorista. Também foi convocado o ato "Amanhecer por Marielle e Anderson", que pretende, nas primeiras horas de sábado, enfeitar praças e ruas de várias cidades com cartazes, fotos, fitas, bolas e flores. Veja abaixo o que já se sabe sobre um dos maiores crimes da história política do país.

Provável envolvimento de milicianos

A principal hipótese levantada pela Polícia Civil é a de que a morte de Marielle foi encomendada por milicianos, grupos paramilitares formados por policiais, bombeiros, militares e agentes penitenciários — alguns ainda estão na ativa e outros não. Marielle trabalhou, em 2008, na CPI das milícias ao lado do seu companheiro do PSOL e deputado estadual Marcelo Freixo. Por não sofrer ameaças, ao contrário de Freixo, a vereadora não contava com um esquema de segurança pessoal e era um alvo fácil. O modo como foi executada indica a participação desses grupos paramilitares.

Um total de 10 vereadores já prestaram depoimentos como testemunhas para a Divisão de Homicídios da Polícia Civil: Tarcísio Motta (PSOL), Ítalo Siba (Avante), Babá (PSOL), Renato Cinco (PSOL), Leonel Brizola Neto (PSOL), Jair da Mendes Gomes (PMN), Val da Ceasa (PEN), Juninho da Lucinha (PMDB), Marcello Siciliano (PHS) e Zico Bacana (PHS). Os últimos três são suspeitos de envolvimento com a milícia do Rio. A polícia também pediu a quebra de sigilo de aparelhos celulares de integrantes do Legislativo carioca, após identificar o número de celular do motorista do carro usado no crime, segundo informou o The Intercept Brasil.

Na noite do último domingo, Carlos Alexandre Pereira Maria, conhecido como Alexandre Cabeça e colaborador parlamentar do vereador Siciliano, foi assassinado a tiros dentro de seu carro. Dois dias depois, na terça-feira, o subtenente reformado da PM Anderson Claudio da Silva, envolvido com milicianos, também foi morto a tiros. A hipótese é a de que ambos os casos sejam uma tentativa de queima de arquivo.

Conforme informou o The Intercept Brasil, milicianos estiveram na Câmara de Vereadores antes dos assassinatos de Marielle e Anderson. Um deles é um ex-policial militar indiciado na CPI das milícias. Ele esteve, horas antes do crime, no sétimo andar da Casa, onde fica o gabinete de Zico Bacana. No dia 7 de março, no mesmo sétimo andar, esteve o ex-vereador Cristiano Girão, condenado por chefiar uma milícia na Gardênia Azul, em Jacarepaguá. O Intercept teve acesso à imagem que mostra o rosto de Girão ao entrar no prédio.

Munições e digitais

Nesta semana, a Polícia Civil conseguiu detectar fragmentos de digitais nas cápsulas encontradas no local do assassinato, segundo informou O Globo. Elas serão comparadas com as digitais de Alexandre Cabeça e de Anderson Cláudio da Silva. A Polícia Civil concluiu, ainda nos primeiros dias de investigação, que a munição utilizada pelos atiradores, de calibre 9mm, pertencia ao lote UZZ-18 vendido pela empresa CBC para a Polícia Federal de Brasília, em 29 de dezembro de 2006, que acabou roubado na Paraíba, segundo o Governo. Foi desse mesmo lote que saiu parte da munição utilizada por policiais na maior chacina de São Paulo, em 2015, na cidade de Osasco.

Na ocasião, o ministro Raul Jungmann disse que o lote havia sido desviado dos Correios da Paraíba, algo que foi desmentido pela própria instituição. Correios disse ainda que "não aceita postagem de remessas contendo armas ou munição, exceto quando autorizado por legislação específica".

Testemunhas que viram o crime

No início deste mês, O Globo publicou uma reportagem com o depoimento de duas testemunhas do caso. Elas, que foram ouvidas separadamente, contaram que o veículo onde estavam os assassinos imprensou o de Marielle. Depois, viram um homem negro sentado no banco de trás colocando o braço para fora do veículo com uma arma de cano alongado, semelhante a um silenciador. Elas também asseguram ter visto apenas um carro — as câmeras de segurança mostram dois veículos seguindo a vereadora. As duas pessoas ouvidas pelo jornal também contam ter ficado no local do crime até a chegada da polícia, mas que a PM mandou todos saírem do lugar sem serem ouvidos.

Para o coronel Roberto Itamar, porta-voz da intervenção federal, trata-se de um procedimento normal adotado pelos agentes para que o local do crime não seja contaminado. Também acredita que as testemunhas poderiam ser pessoas curiosas que trafegavam pelo local após o crime.

O caso Marielle nas redes sociais

Após o assassinato de Marielle e Anderson, grupos direitistas como o Movimento Brasil Livre (MBL) e outras pessoas - dentre elas uma desembargadora do Rio e o deputado da bancada da bala Alberto Fraga (DEM) -  espalharam mentiras e promoveram uma campanha difamatória contra a vereadora. Mas a família da vítima conseguiu importantes vitórias na Justiça contra eles. O juiz Jorge Jansen Counago Novelle, da 15ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, ordenou na ocasião que o Facebook retirasse do ar todas as publicações "que ofendam a intimidade, a honra e a imagem de Marielle Franco". Determinou ainda que a rede social informasse se o MBL, assim como a pessoa identificada como Luciano Ayan, administrador do site Ceticismo Político, ligado ao grupo, "patrocinaram os posts que impulsionaram a onda de fake news". A Justiça do Rio também determinou que o Google retirasse 16 vídeos do Youtube que continham mentiras contra a vereadora.

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