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O grande problema da física deixado por Stephen Hawking

O cientista britânico explorou o coração dos buracos negros Ele fez contribuições importantes para unificar a teoria cuántica e a relatividade

Nuño Domínguez
Stephen Hawking em seu escritório da Universidade de Cambridge, em 2011.
Stephen Hawking em seu escritório da Universidade de Cambridge, em 2011.SARAH LEE (AFP)
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Em sua autobiografia Minha Breve História, Stephen Hawking recorda que, passados seus anos de estudante, teve que escolher um campo de estudo em que ganharia a vida como cientista. Na universidade tinha sido um aluno preguiçoso, péssimo em matemática, mas também convencido de que as pessoas mais inteligentes da sua geração se dedicavam à física. Finalmente, escolheu a física teórica porque nela podia fazer um nome com uma ideia gerada “numa tarde, ou antes de ir dormir”, como escreveu com uma boa dose de ironia.

As duas grandes contribuições científicas de Hawking têm a ver com os buracos negros. A teoria geral da relatividade de Einstein prediz a existência desses objetos formados a partir de estrelas gastas, que concentram tanta massa, densidade e pressão que nada, nem sequer a luz, pode escapar do seu impulso gravitacional e é engolida para sempre. Em 1974, Hawking propôs que os buracos negros não são tão negros assim, pois emitem radiação em forma de calor. Pois há coisas que podem, afinal, escapar de um buraco negro, especificamente o que passou a ser conhecido como radiação Hawking. Todos os buracos negros acabam se desintegrando numa grande explosão, mas normalmente os objetos desse tipo são tão grandes que demorariam mais tempo para desaparecer do que a idade do universo, que é de 13,7 bilhões de anos. A teoria da radiação Hawking se centrava em buracos muito menores formados a partir de flutuações nas origens do universo. Estes poderiam se desintegrar “produzindo tanta energia como um milhão de bombas atômicas”, escreveu o cientista.

O mais importante é que este fenômeno se devia a efeitos quânticos, de um modo que conectava as teorias do muito pequeno com as leis de Einstein que servem para descrever o universo em grande escala. A unificação dessas duas teorias foi o grande problema da física que Hawking quis resolver e não conseguiu.

Apesar de todas as suas limitações – sua doença só lhe permitia escrever três palavras por minuto –, Hawking conseguiu se tornar uma autoridade respeitada em seu campo

A radiação Hawking nunca foi diretamente observada e, mais de 40 anos depois, sua possível detecção é um assunto que contrapõe os especialistas. “Do ponto de vista teórico, sua proposta é muito sólida, embora provavelmente nunca possa ser confirmada, já que esses buracos negros não sobreviveram aos primórdios do universo”, opina o cosmólogo Viatcheslav Mukhanov.

O que se pôde provar foi outra previsão feita em 1982 por Hawking de forma independente da equipe de Mukhanov e Gennady Chibisov. Os físicos propuseram que a origem das galáxias está em pequenas flutuações quânticas, sementes microscópicas a partir das quais floresceu a estrutura macroscópica do universo. Em 2013, o satélite Planck traçou o mapa mais detalhado já obtido do fundo cósmico de micro-ondas, a radiação mais antiga do universo. Em suas imagens se observavam pequenas diferenças de temperatura cuja explicação mais plausível eram as flutuações quânticas previstas por Hawking e seus colegas russos, numa descoberta pela qual Hawking e Mukhanov receberam o prêmio Fronteiras do Conhecimento BBVA em 2016.

“É impressionante que esses trabalhos teóricos tiveram ou estejam tendo verificação experimental”, opina Luis Álvarez-Gaumé, cosmólogo do laboratório europeu de física de partículas CERN. “A parte cosmológica está sendo comprovada com satélites como o Planck e o WMAP, e a parte de buracos negros graças à detecção de fusões de buracos negros através de ondas gravitacionais. Ambas as verificações teriam merecido um prêmio Nobel”, afirma.

Apesar de todas as suas limitações — sua doença só lhe permitia escrever três palavras por minuto — Hawking conseguiu se tornar uma autoridade respeitada em seu campo, além de chegar a ser o cientista mais famoso do mundo. “Tinha uma capacidade incrível para criar e ordenar as ideias em sua cabeça. Depois trabalhava com estudantes e colegas que escreviam uma fórmula na lousa, ele a olhava, dizia se estava de acordo e lhes dizia o que fazer em seguida”, recorda o astrônomo Martin Rees. Ele conheceu Hawking em Cambridge quando este era um aluno dois anos mais velho que ele e já tinha dificuldades para manter o equilíbrio e falar. “Achavam que ele não viveria nem sequer o suficiente para concluir a tese, mas assombrosamente viveu até os 76 anos”, recordou o astrônomo em declarações ao Science Media Centre.

Hawking continuou fazendo ciência e publicando estudos até poucos meses atrás. Em um de seus trabalhos recentes, revisava as teorias sobre o horizonte de eventos dos buracos negros, o ponto de não retorno além do qual nada pode escapar. O físico concluiu que os buracos negros não existem, no sentido de que, contrariando o que se pensou durante décadas, há coisas capazes de escapar ao horizonte de eventos.

Hawking contava que pouco depois de ter sua doença diagnosticada, aos 21 anos, internado em um hospital, viu um jovem morrer de leucemia na cama do lado. “Sempre que caio na tentação de ter pena de mim mesmo eu me lembro daquele menino”, escreveu.

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