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Economia tem todos os sintomas de recuperação, mas desemprego persiste

Entidades empresariais registram otimismo, prevendo mais negócios em 2018. Criação de empregos novos ainda demora, confirmando uma retomada a passos lentos.

Supermercado em Vitória, Espírito Santo
Supermercado em Vitória, Espírito SantoT.Rêgo (Ag. Brasil)

Os empresários brasileiros já viraram a página da recessão econômica após reunir todas as evidências de que dias melhores estão chegando. Indústria, comércio e construção apontam para um 2018 mais favorável, afrouxando a corda no pescoço do último triênio, confiantes de um crescimento mais significativo a partir de agora. Porém, os cidadãos comuns, em especial os 12,7 milhões de desempregados, vão demorar a se contagiar por esse otimismo. A taxa de emprego seguiu a máxima de descer de elevador, e agora sobe por uma escada longa e curvilínea, tomada de obstáculos no caminho. Em outras palavras, é a última a sentir os efeitos da recuperação.

Não há o que fazer, é essa a ordem dos fatores na economia. O que vale, neste momento, são os sinais que se multiplicam de uma inércia favorável para a retomada em todas as áreas. Uma pesquisa da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), por exemplo, aponta que 83% dos associados preveem um aumento das vendas e encomendas nesta ano, inclusive com associados desistindo de promover cortes de postos de trabalho que haviam sido planejados inicialmente.

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Também um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgado nesta quarta, aponta que o varejo prevê uma expansão de pontos de venda em 2018, depois de três anos com saldo negativo. A CNC projeta que 20.700 novos estabelecimentos comerciais serão abertos neste ano, depois de registrar uma diminuição de 19.300 no ano passado (saldo entre abertura e fechamento de pontos de venda), e 226.000 lojas fechadas entre 2015 e 2016. “Estamos muito confiantes de que a economia está se recuperando”, diz Fabio Bentes, economista chefe da entidade, que prevê crescimento de 5,1% das vendas neste ano.

Já a Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC) celebra o crescimento de 9,4% das vendas em 2017, com redução de estoque de imóveis à venda, a primeira desde o primeiro trimestre de 2016. A melhora nos últimos meses do saldo da caderneta de poupança— que financia a construção — também anima o setor. Mas ainda há muitos percalços no caminho, admite José Carlos Martins, presidente da CBIC. “Temos um grande potencial, vendemos mais em 2017, lançamos mais e o estoque de imóveis caiu. Isso quer dizer que no futuro, você continua vendendo, pois o mercado sim é comprador, uma vez que a demanda ficou reprimida por muito tempo”, diz Martins.

A reviravolta recessiva, porém, deixou marcas. O aumento do desemprego durante a recessão afetou não só as vendas de imóveis, como também as compras financiadas que estavam em curso. O setor viveu a onda de cancelamento de contratos, os chamados de distratos, o que travou o setor. “Isso traumatizou os agentes financeiros, que tiveram de negociar com as construtoras, e agora estão mais seletivos com crédito [para a construção]”, explica. Houve, ainda, a diminuição dos recursos na poupança, que garante os recursos do setor: quem ficou desempregado precisou recorrer às economias guardadas para se manter.

Se por um lado o país parou de sangrar desde o final do ano passado, como mostrou o PIB divulgado nesta quinta, por outro as empresas ainda tentam superar o fosso aberto com a recessão que castigou o país por dois anos consecutivos, devorando os bons indicadores do passado – o Brasil já discutia plenos emprego entre 2011 e 2013. “A melhora já se observa há algum tempo, mas o sentimento está temperado com a cicatrização das feridas deixadas pela recessão mega, o petrolão, a turbulência política”, avalia Gustavo Franco, sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos. “Temos todas as condições para retomar. Mas ainda não é uma embarcação com as velas plenamente soltas porque as empresas ainda têm desconfiança do seu ambiente de negócio”, completa.

Só falta o emprego

João Saboia, professor do do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, segue a mesma linha. “Sim, de fato vamos crescer mais do que no ano passado. A gente mal ou bem anda para frente, devagarzinho. Mas emprego é a última coisa a aparecer”, avisa. Ele lembra que a referência forte de um ano como 2010, por exemplo, quando o Brasil cresceu acima de 7% e criou 2,5 milhões de empregos, gera uma sensação de desalento diante do atual cenário. “Mas a queda do PIB durante os dois anos de recessão foi violenta... ainda que a queda da renda per capita não tenha sido tão violenta”, diz ele. Humberto Barbato, presidente da Abinee, admite que “emprego é o que falta acontecer” em seu setor, e lembra que a indústria tem ainda 25% de capacidade ociosa. É melhor do que há um ano, quando chegava a 40%. Mas superar o passado traumático ainda vai levar um bom tempo.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação no Brasil ficou em 12,2% no trimestre encerrado em janeiro (de novembro a janeiro), com 12,7 milhões de pessoas desocupadas. O desemprego ficou maior do que o registrado no trimestre encerrado em dezembro, quando a taxa foi de 11,8%, a segunda queda registrada de desemprego. Essa aparente alta, na verdade, está mais relacionada à sazonalidade do período, lembra o professor João Saboia. Janeiro é um mês em que muitos trabalhadores temporários, contratados para o período entre Natal e ano novo, são dispensados e tradicionalmente há um aumento do desemprego. “Pode até haver um repique que se estenda a fevereiro, mas como tendência volta a cair de novo. Certamente no final do ano o mercado de trabalho estará melhor do que no final do ano passado”, prevê Saboia. 

O ponto central, neste caso, é a qualidade dos empregos que estão sendo gerados neste momento. Os dados do IBGE demonstram que o desemprego tem caído em função dos trabalhadores sem carteira assinada (11,0 milhões de pessoas). Entre novembro de janeiro de 2017 e deste ano, o número de empregados nessa categoria subiu 5,6%.

Subiu também os trabalhadores por conta própria (23,2 milhões de pessoas no total), uma alta de 4,4%, nesse mesmo período. Isso quer dizer que quem perdeu seu trabalho decidiu empreender para driblar a crise. Ao fim e ao cabo, hoje o trabalho informal supera o emprego com carteira assinada, que contempla um universo de 33,3 milhões de pessoas.

Thiago Xavier, analista da consultoria Tendências, ressalta que os empregadores ainda não estão tão confiantes para começarem as recontratações. “Para decidir admitir não basta alguns meses melhores, ainda mais para fazer uma contratação formal, onde os custos envolvidos são maiores. O emprego informal melhora primeiro como temos visto”, explica.

Xavier observa a chamada taxa de subutilização da força de trabalho, que soma o contingente de desocupados, os subocupados por insuficiência de horas (às vezes algumas pessoas trabalham apenas uma hora por semana) e os que fazem parte da força de trabalho potencial. "No último trimestre de 2017, ela ficou em 23,6%, o que representa 26,4 milhões de pessoas. É um número muito alto", diz. Dentro desse grupo estão os chamados desalentados, que somaram mais 4,3 milhões pessoas, o maior número da série histórica que começou em 2012. A população desalentada é definida como aquela que estava fora da força de trabalho por uma das seguintes razões: não conseguia trabalho, ou não tinha experiência, ou era muito jovem ou idosa, ou não encontrou trabalho na localidade – e que, se tivesse conseguido trabalho, estaria disponível para assumir a vaga.

Investimento ainda não cresce

Um fator que atrasa a criação de postos de trabalho é o fato de as empresas ainda estarem se recuperando as perdas passadas, sem novos investimentos para ampliar produção ou renovar maquinários maciçamente. “A crise esvaziou o copo. Nesse período, as vendas do varejo encolheram 20%. Agora voltamos a encher o copo, mas ele não está nem na metade, ou seja, estamos no estágio de 'despiorar'”, diz Fabio Bentes, da CNC. Humberto Barbato, presidente da Abinee, afirma que os investimentos ainda demoram para voltar aos tempos das vacas gordas. “Neste ano o setor elétrico e eletrônico vai investir 1,9% do faturamento. Mas normalmente esse patamar é de 3% a 4%”, diz Barbato. “ Ainda estamos vulneráveis, até pela conjuntura política do país”, avalia ele, lembrando que o atraso em reformas, como a Previdência e tributária, “tira o humor” dos empresários e aumenta a precaução.

Há quem esteja esperando o resultado das eleições para tirar os projetos da gaveta. Mas, outras empresas, como a Neoenergia, decidiram manter planos de expansão no Brasil. O grupo deve investir 20 bilhões de reais no Brasil até 2022, o que sinaliza a confiança no longo prazo, segundo alguns observadores. O Brasil entra, assim, numa batalha para controlar a ansiedade de que os tais dias melhores cheguem logo para dar início a um ciclo mais virtuoso depois da tempestade dos últimos anos.

A geração de melhores postos de trabalho com carteira assinada é uma expectativa dos próprios empresários, como descreve uma análise do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). “O que se espera ao longo de 2018 é que esta forma de emprego [com carteira assinada] volte a se expandir, ajudando a restabelecer o ciclo virtuoso da economia, já que costuma apresentar rendimentos mais elevados e propiciar maior acesso ao crédito.” Para o setor de construção, o emprego formal também é um aliado, uma vez que garante a expansão de recursos no FGTS e aumenta os aportes da poupança.

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