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Siderúrgica de Sabará, o antigo campeão que há 20 anos não vence uma partida

Tentando reviver os tempos de glória, time bicampeão mineiro amarga goleadas e escassez de craques ao longo de jejum que completa duas décadas

Time campeão mineiro pelo Siderúrgica, em 1964.
Time campeão mineiro pelo Siderúrgica, em 1964.Divulgação
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Nos arredores do estádio Praia do Ó, em Sabará, quase ninguém se dá conta de que um time local já representou a pequena cidade da região metropolitana de Belo Horizonte na elite do futebol nacional. “Siderúrgica? Nunca ouvi falar”, responde um garoto que passava em frente ao estádio vestindo uma camisa do Cruzeiro. “Não me lembro de nenhum time profissional em Sabará”, afirma o dono de uma oficina de bicicletas no bairro. Bicampeão mineiro, o Esporte Clube Siderúrgica se tornou um desconhecido em seu próprio reduto. Após várias tentativas de retomar as atividades profissionais, a equipe atinge uma marca insólita nesta quinta-feira: 20 anos sem conquistar uma vitória sequer em jogos oficiais.

Há vários fatores que explicam o longo jejum. E é necessário remeter aos anos dourados antes de destrinchá-lo. Fundado em 1930 por funcionários da antiga usina da Belgo-Mineira, o Siderúrgica rapidamente se consolidou como uma força do futebol de Minas Gerais. O time era bancado pela empresa multinacional, que contratava jogadores oferecendo emprego na fábrica. O primeiro título estadual veio em 1937, quando superou o Villa Nova na final. Mas a equipe que marcou de vez a história do Esquadrão de Aço foi a de 1964 – comandada pelo técnico Yustrich, conquistou o Campeonato Mineiro em cima do América. Com o título, o Siderúrgica ganhou o direito de participar da Taça Brasil, competição mais importante da época, tornando-se o primeiro clube do Estado a disputar uma partida em torneio nacional no recém-inaugurado Mineirão.

Naquele tempo, apesar de profissional, o futebol não era regido pelas leis trabalhistas. O fato de garantir estabilidade com emprego na usina atraia bons jogadores de todo o país. “Recebia dois salários: um para trabalhar na fábrica e outro para jogar bola”, conta o ex-goleiro Djair, de apenas 1,68 metro, que deixou as categorias de base do Flamengo com 18 anos para se apresentar ao Siderúrgica. Conciliando a titularidade no gol com a função de mecânico na garagem da usina, ele permaneceu no clube por mais de uma década e foi um dos heróis do título de 64. Dois anos depois do bicampeonato, porém, a Belgo-Mineira decidiu encerrar o patrocínio ao time, que, sem recursos, se viu obrigado a abandonar as competições oficiais. Era o fim da era dourada. E o início de um profundo martírio.

Amadorismo e penúria

Longe do estrelato, o Siderúrgica passou a disputar a liga amadora de Sabará, lutando para sobreviver com o apoio de poucos sócios e torcedores. Somente em 1993 o clube conseguiu reativar o elenco profissional ao ingressar na segunda divisão do Campeonato Mineiro. Amargou seis derrotas e um empate em sete jogos. O mau desempenho resultou em novo afastamento, que só seria interrompido quatro anos depois, dessa vez para jogar a terceira divisão mineira. A campanha não foi tão ruim, mas insuficiente para o acesso. Restaram como consolo duas vitórias, uma delas sobre o Esportivo de Passos por 4 a 2, em 31 de agosto de 1997. Seu último triunfo em uma partida oficial.

Desde então, entre idas e vindas, a equipe disputou 42 jogos profissionais, incluindo cinco amistosos. Com retrospecto de 11 empates e 31 derrotas, marcou 25 gols e sofreu 123. Após 1997, ficou dez anos sem disputar a terceira divisão. De lá para cá foram cinco participações: 2007, 2011, 2012, 2015 e 2016 – temporada em que somou apenas um ponto em nove jogos. “Era um sufoco. De 30 jogadores, só uns cinco se salvavam. Não tínhamos um time competitivo”, diz Antonio Luiz de Souza, o Tibério, que comandou a equipe nas últimas duas edições da terceira divisão estadual. “Eu acho muito difícil que o Siderúrgica volte a ser um clube de destaque. Tem gente [na diretoria] que quer reerguer o time, mas não tem dinheiro. A oposição muito menos. É uma briga de foice.”

O mandato do atual presidente venceu no início do ano e a diretoria está acéfala, à espera de novas eleições, que só devem ocorrer em 2018. Enquanto isso, um grupo de jogadores treina uma vez por semana em um campo amador emprestado, já que a Prefeitura de Sabará desapropriou o estádio Praia do Ó. A deteriorada estrutura do local, em frente à fábrica da ArcelorMittal, que comprou a Belgo-Mineira na década de 2000, fez com que o clube passasse a mandar suas partidas em Itabira, a mais de 100 quilômetros da cidade. Neste ano, o Siderúrgica realizou quatro amistosos. Perdeu todos. Sofreu 24 gols e balançou as redes somente uma vez, diante do Patrocinense. Em fevereiro, o time viajou 500 quilômetros de ônibus até o Triângulo Mineiro em mais uma empreitada mal sucedida. Levou 9 a 0 do Uberaba e 3 a 0 do Nacional no intervalo de 48 horas.

Único remanescente de time campeão em Sabará, Djair desfila com faixa do título durante o carnaval da cidade.
Único remanescente de time campeão em Sabará, Djair desfila com faixa do título durante o carnaval da cidade.Arquivo pessoal

Novamente licenciado das competições oficiais, já que não conseguiu dinheiro para bancar a participação na terceira divisão deste ano, o Siderúrgica tenta sanar divergências internas para retornar em 2018. Caso não consiga, o clube pode perder o registro profissional na Federação Mineira de Futebol – uma nova licença custa 200.000 reais. “Nós vivemos do passado”, afirma o conselheiro e integrante da antiga administração, Ademir Dias. “Nos últimos anos, entramos nas competições só para não perder o registro na Federação. Precisamos recolocar o clube no rumo certo. Acredito que, no ano que vem, voltaremos mais estruturados.”

O último jogador revelado pelo Siderúrgica é o lateral Mayke, que foi vendido ao Cruzeiro em 2010 e hoje atua pelo Palmeiras. Já os craques do passado lamentam o ocaso do bicampeão de Sabará. “O Siderúrgica não merece acabar assim. É uma pena passar pelo estádio onde ganhamos de gigantes como Atlético e Cruzeiro e vê-lo abandonado”, diz o baixinho Djair, único campeão de 64 que ainda vive na cidade. Desiludidos, torcedores formaram um time amador que tem disputado mais jogos que o próprio clube. A equipe foi batizada de “Tartarugão”, em alusão à mascote do Siderúrgica. Mesmo combalido por sucessivos fracassos, Ademir se esforça para manter o tom de otimismo em uma reação, ainda que a passos de tartaruga. “Devagarzinho, as coisas vão se acertar.”

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