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Coluna
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Quem tem medo de delação premiada?

Havia o perigo de jogar água sobre essa instituição que assusta muitos políticos. Acusados estão ansiosos para que colaborações sejam canceladas e eles, absolvidos

Juan Arias
Adriana Ancelmo e Sergio Cabral, em 2011.
Adriana Ancelmo e Sergio Cabral, em 2011.Paula Giolito (Folhapress)

A colaboração premiada só assusta os corruptos, não os cidadãos de bem. Trata-se de uma figura jurídica que existe na maior parte do mundo e que, no Brasil, em sua forma atual, foi regulamentada em 2013, embora com matizes que estavam sendo aplicados há mais de 20 anos. Essa possibilidade de poder colaborar com a justiça para descobrir crimes, que de outro modo, ficariam escondidos para sempre, e que foi fundamental para o processo da Lava Jato, esteve prestes a naufragar em um duro debate no Supremo. A discussão durou quatro dias, mas a postura favorável à colaboração premiada terminou vitoriosa por 8 votos a 3.

Nas discussões acaloradas dos 11 juízes do Supremo Tribunal havia, no fundo, o perigo de jogar um balde de água fria sobre essa instituição que assusta, somente com citá-la, muitos políticos, ansiosos de que muitas das colaborações possam ser canceladas e eles, absolvidos. É bom lembrar àqueles que mantêm reservas sobre essas colaborações para descobrir criminosos que todas as máfias do mundo condenam à morte os colaboradores com a polícia e juízes. O lema da máfia é, ao contrário, a omertá, o silêncio e a morte para aqueles que não a respeitam. Até instituições tão sagradas quanto a Igreja Católica, que deveriam privilegiar a transparência e denúncia daqueles que, por exemplo, cometem crimes de pedofilia com crianças inocentes, sempre preferiram a omertá mafiosa do que a colaboração com a justiça.

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Que essa colaboração é importante não só nos crimes de políticos e empresários, mas em todos os campos, acaba de ficar evidente com a prisão de 96 policiais militares no Rio, graças às confissões de um dos colaboradores da quadrilha. Sem essas confissões continuariam vivendo com a impunidade de seus crimes. Tudo isso nos leva a perguntar até onde poderia chegar a eficácia das colaborações premiadas. Não será essa possibilidade que assusta não só os políticos, mas outras categorias? Será que dá medo também aos juízes e advogados que a criticam tanto? Há ainda categorias e instituições, sem descartar as próprias igrejas, católica e evangélicas, que ainda não participam dessas colaborações, mas que amanhã também poderiam tremer por causa delas. Devem ser criticados, certamente, os possíveis abusos que, como em todas as coisas, podem ocorrer no uso das colaborações premiadas e, se for o caso, esses abusos devem ser punidos. Não é possível, no entanto, esquecer que aqueles que não devem temê-las, e, portanto devem ser seus maiores defensores, são os indivíduos ou instituições que estão em paz com a lei.

Se há alguma coisa hoje que muitos outros países invejam do Brasil é essa luta aberta contra a corrupção que, pela primeira vez, está pescando em suas redes aqueles que no passado nunca sonhavam que iriam para a cadeia como os pobres mortais. Impunidade para os poderosos era uma lei tácita no Brasil, enquanto os pobres se amontoavam em prisões muitas vezes desumanas. Enquanto existirem no país aqueles que sucumbem à tentação de se opor às colaborações premiadas, caindo na armadilha dos ataques abertos ou enrustidos feitos pelos corruptos, neste momento em que a imagem do Brasil aparece em frangalhos por causa de seus políticos, o país é aplaudido pelo trabalho feito por juízes, cujos frutos só poderão ser medidos em alguns anos. É como um investimento e uma esperança de tempos melhores para nossos filhos e netos. Por isso, deve ser aplaudida a coragem do Supremo, que soube impedir a tempo o perigo de morte que ameaçava as investigações em curso contra o flagelo da corrupção, essa que, conforme declarou a esposa do réu Sérgio Cabral, fazia com que “vivessem em êxtase”.

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