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Queda de braço entre Crivella e escolas de samba ameaça o Carnaval 2018 no Rio

Agremiações dizem que não desfilarão se prefeito mantiver redução de 50% nas verbas para o evento

María Martín
Carro alegórico da escola de samba Mocidade, em desfile no sambódromo
Carro alegórico da escola de samba Mocidade, em desfile no sambódromoAntonio Lacerda (EFE)

Uma queda de braço por dinheiro ameaça o espetáculo mais internacional e televisionado do Brasil. As escolas de samba cariocas, que anualmente encantam meio mundo com seus desfiles no Carnaval, anunciaram que não irão desfilar caso o prefeito do Rio de Janeiro, o ex-bispo evangélico Marcelo Crivella, não volte atrás em sua decisão de cortar pela metade o patrocínio oficial do município ao evento.

Crivella anunciou nesta semana que irá reduzir pela metade os dois milhões de reais de dinheiro público que cada uma das 12 escolas do grupo especial — a primeira divisão do Carnaval — recebe para realizar seus desfiles no Sambódromo. Parte desses recursos, segundo o prefeito, será destinada a aumentar o orçamento de creches com convênio público e dedicar, assim, 20 reais por dia para cada criança em vez dos 10 reais atuais. “O Carnaval é muito mais do que carros alegóricos. Vivemos restrições orçamentárias. É uma questão para refletir. Se vamos usar esses recursos para uma festa de três dias ou durante os 365 dias do ano”, disse o prefeito, que assumiu o posto em janeiro. Crivella, que prometeu apoio às escolas de samba durante a campanha eleitoral, defende, agora, que elas devem buscar outras formas de patrocínio privado para compensar a perda de verbas públicas.

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A decisão causou irritação entre os amantes da festa, que defendem o evento como sendo parte da identidade e da história da cidade e como um motor econômico que gera retornos milionários para os cofres municipais. O Carnaval deste ano, tendo os desfiles como sua principal atração, atraiu mais de um milhão de turistas para o Rio, elevando para 80% a ocupação da rede hoteleira e movimentando um total de três bilhões de reais. “O prefeito está brincando com o coração dos cariocas. Esses extremistas religiosos destroem qualquer manifestação que não passe por eles”, critica Milton Cunha, ex-carnavalesco e comentarista do Carnaval. “Sem o desfile das escolas, a cidade não será mais a mesma”.

A gestão anterior, comandada por Eduardo Paes, amante declarado do Carnaval e responsável por duplicar em 2016 a subvenção pública para as escolas, atingindo os dois milhões atuais, somou-se às críticas. “Há uma falta de entendimento daquilo que esta festa significa para o carioca, além de uma falta de compreensão econômica. O Carnaval, para nós, é uma commodity”, defende Pedro Paulo, braço direito de Paes e candidato derrotado na última eleição municipal. “Se você compara os 24 milhões de reais recebidos pelas escolas com o orçamento de cinco bilhões em educação, não é nada. É um discurso populista. A Prefeitura tem condições de promover escolas de qualidade e ao mesmo tempo apoiar o Carnaval”.

A influência da religião do prefeito nos assuntos locais também é objeto de discussão. Um dos principais líderes da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella se esforça para desvincular de sua gestão a sua fé – que é contrária aos desejos da carne —, mas nem sempre consegue. Neste ano ele decidiu romper com a tradição de seus antecessores de inaugurar o evento com a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo, personagem mitológico e símbolo do Carnaval, preferindo viajar para fora do país. Foi duramente criticado por isso. “Ninguém pode ser obrigado a fazer nada. Eu não fui porque, no meu caso, seria fazer demagogia”, disse. Num movimento semelhante ao ensaiado com as escolas de samba, Crivella, que acredita que a homossexualidade é pecado, também prometeu durante a campanha que apoiaria o coletivo LGBT. Mas a Parada LGBT deste ano, outro dos grandes eventos do Rio comemorado em dezembro, tampouco terá recursos da Prefeitura.

O corte das verbas públicas para os desfiles também trouxe de novo à tona uma questão que é tolerada pelos cariocas em prol da festa: como e quanto gastam realmente as escolas de samba, cujas prestações de contas são um mistério. As escolas, além disso, são historicamente ligadas à máfia que domina o jogo do bicho, as máquinas caça-níqueis e as apostas, negócios ilegais no país. O patrono da escola Beija-Flor, vencedora de 2015, por exemplo, é um conhecido bicheiro, que recorre em liberdade de uma sentença de 48 anos de prisão. Segundo a imprensa local, a recente festa em comemoração de seu 80º aniversário custou um milhão de reais –metade da verba pública destinada anualmente à agremiação.

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