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Nicolao Dino: “Processo Dilma-Temer está maduro para o julgamento”

"As premissas apontam para a realização de um julgamento técnico-jurídico", diz Nicolao Dino Parte da acusação contra a chapa Dilma-Temer, ele disputa eleição interna para substituir Janot

Felipe Betim
O procurador Nicolao Dino, em março de 2015.
O procurador Nicolao Dino, em março de 2015.Marcelo Camargo (Agência Brasil)

O Judiciário brasileiro passará por dois momentos chave nas próximas semanas. O primeiro é o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que começa nesta terça. O segundo é a escolha, ainda sem data definida, por parte do presidente da República de um novo procurador-geral, que substituirá Rodrigo Janot em 17 de setembro. Caso resista no cargo pelas próximas semanas, o presidente Michel Temer poderá escolher a pessoa que liderará as investigações contra ele. Nicolao Dino (São Luís, 1963) está envolvido em ambos os processos.

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Como vice-procurador geral eleitoral, Dino forma parte da acusação no processo contra a chapa Dilma-Temer e foi o responsável por pedir, antes do último adiamento, que fossem incluídas as delações do marqueteiro João Santana e de sua esposa, Mônica Moura, no processo. Dino não fala oficialmente, mas sabe-se que em seu relatório, ainda sigiloso, ele recomendou a cassação da chapa.

Como membro do Ministério Público Federal (MPF), apresentou sua candidatura junto a outros sete procuradores para substituir Janot. Está previsto para o dia 27 de junho a escolha, feita pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), dos três nomes da chamada lista tríplice. Caso o presidente da República siga a tradição dos últimos 14 anos, deverá escolher um desses três para chefiar a Procuradoria. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone, Dino – que também é irmão do governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB) – é taxativo ao rejeitar, ao contrário ministro da Justiça Torquato Jardim, candidaturas para o posto de outros setores do Ministério Público. Ele também afirma que o MP está pronto para investigar a si próprio, e cortar da própria carne, caso a Lava Jato chegue ao Judiciário.

Pergunta. O TSE está nos holofotes como nunca antes o julgamento da chapa Dilma-Temer é visto como uma possível saída para desatar o nó político. O julgamento é estritamente técnico ou os ventos da política podem afetar na decisão?

Resposta. Não tenho condição de fazer a avaliação que você está propondo. Como se trata de um processo judicial, submetido a análise de um tribunal, é claro que as premissas apontam para a realização de um julgamento técnico-jurídico. É isso o que se espera, essa é a expectiva em relação a apreciação e julgamento de um processo judicial.

P. O senhor pediu antes do último adiamento que se incluísse as delações do marqueteiro João Santana e de sua esposa, Mônica Moura. Existe a possibilidade de se incluir novos elementos ou delações no processo?

R. Tecnicamente acredito que não. A essa altura, concluídas a instrução, as avaliações finais de ambas partes, a apresentação do parecer da Procuradoria... O processo está pronto, está maduro para julgamento. Tanto é que a data para o julgamento já foi marcada para os dias 6, 7 e 8 de junho.

P. Mas nas últimas semanas saiu à luz a delação da JBS. Esta delação não afeta o processo?

R. O processo tem a moldura dele definida de acordo com os termos da ação que foi proposta. Não vou entrar neste mérito porque estarei fazendo análise de um caso concreto. Não vou responder a esta pergunta.

P. Temer acabou de nomear Torquato Jardim para o ministério da Justiça, o que foi interpretado como mais um sinal de que tentará interferir na Operação Lava Jato. Em entrevista a Folha de S. Paulo, o novo ministro disse que outros ramos do Ministério Público (MP), como o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Militar, poderiam apresentar suas listas tríplices. Como o senhor vê esta alegação? 

R. Não considero adequado que os outros âmbitos do MP apresentem listas. Isso pode acabar confundindo mais o processo. O procurador-geral da República é o chefe do MP da União, mas é também chefe do MPF. E nessa condição, ele tem que ser egresso da carreira do MPF. Todos os demais membro do MPU possuem suas respectivas procuradorias gerais. Não faz sentido imaginar que justamente o MPF viesse a não ter o seu chefe egresso da sua carreira, da sua instituição. A Constituição, quando diz que o procurador-geral deve ser escolhido dentre os membros da carreira, já parece indicar que essa carreira é do MPF, exatamente pelo fato de ser também chefe do MPF. Portanto, não considero adequado e vejo com preocupação que outras âmbitos do MP queiram apresentar listas para escolha do novo procurador-geral da República.

P. Pelo fato do ministro da Justiça ter levantado esta possibilidade, acredita que o próximo procurador possa não vir do MPF? Acha que existe este risco?

R. Não tenho elementos para fazer esta avaliação de uma forma bastante concreta. Mas eu espero, sinceramente, que isso não venha a ocorrer. Espero que seja mantida a tradição de indicar o procurador dentre os integrantes da lista elaborada pela ANPR, tal como vem ocorrendo há bastante tempo. Isso é algo que vem ao encontro não apenas do que está na Constituição, mas também tem absoluta relação de coerência com as atribuições que se apresentam ao procurador-geral em um cenário em que cada vez mais se requer a legitimação institucional. E isso passa necessariamente pelo processo de escolha em lista tríplice.

P. Existe hoje uma certa tensão entre o poder Executivo, ou toda a elite política, e a Procuradoria-Geral da República (PGR). O senhor sendo escolhido procurador, como pretende atuar neste ambiente de tensão? Mudaria a linha de atuação adotada por Janot?

R. As funções de um procurador derivam da Constituição e essas funções se inserem em um contexto amplo de um sistemas de freios e contrapesos inerente a qualquer regime democrático. É preciso separar o que é a função institucional de um cenário de crise política que não foi e não é produzida pela PGR. A dinâmica da vida política poderá sofrer os seus processos de acomodação ou correção independentemente da atuação ou do comportamento do procurador. Este, seja quem for, tem o papel constitucional muito claro com funções e responsabilidades que precisam ser desempenhadas porque isso faz parte do Estado democrático de direito. Na minha avaliação, essas atribuições tem de ser, e devem continuar, sendo exercidas com a exata dimensão da responsabilidade que elas representam, e com a serenidade necessária para que possam ser adequadamente cumpridas as funções cometidas ao cargo. A minha linha de trabalho sempre foi essa. É uma linha que procura conjugar o cumprimento do dever constitucional com as responsabilidades no exercício dessas funções e, sobretudo, com a serenidade necessária para que as investigações e processos em curso possam ter o seu ritmo normal e necessário, dentro de um padrão de normalidade e de correção.

Agora, sabemos que há um sistema de vasos comunicantes. Ou seja, é possível que as medidas e a atuação do MPF acabe por refletir ou repercutir em outros cenários. Mas é preciso fazer uma separação das coisas para que não se impute ao MPF uma responsabilidade que ele não possui, que não cabe a ele.

P. Como o senhor vê a postura do atual Governo com a Lava Jato? Cortaram um terço do orçamento e tiraram cinco delegados da força-tarefa, o que foi interpretado como um boicote. O senhor vê um risco para a operação?

R. Acho que todos os esforços necessários devem ser feitos para que todas as forças-tarefas continuem desenvolvendo suas funções com a desenvoltura necessária. No que se refere ao orçamento da PF, o poder Executivo deve adotar as medidas para que não faltem recursos e pessoal para o seu funcionamento adequado. Na perspectiva do MPF, o compromisso do procurador, atual e futuro, deve ser, e o meu será, o de prover condições para continuar e expandir os trabalhos das forças-tarefas.

P. Durante as investigações sobre a JBS, um procurador, da força-tarefa da Operação Greenfield, foi afastado por supostamente agir para beneficiar o frigorífico. A Lava Jato pode ter chegado no MP? O MP está preparado para investigar a si próprio e cortar da própria carne se for preciso?

R. O MP está sim preparado para cortar de sua própria carne, e tanto é que cortou ao constatar a presença desse um procurador praticando atos ilícitos em detrimento de uma operação que investiga fraudes em fundos de pensão estatais [Operação Greenfield]. A PGR agiu prontamente no sentido de adotar as medidas de investigação e já inclusive requerendo a prisão preventiva. Segundo ponto: este dado, que causa evidente indignação, demonstra que as instituições não estão imunes à pressão do crime organizado, que acaba também por se infiltrar nos órgãos de controle. Um ponto que precisa ser enfatizado é que os últimos acontecimentos não comprometeram, pela rapidez com que foi detectado, os trabalhos da Operação Greenfield. A força tarefa continua trabalhando de uma forma muito correta e firme no sentido de investigar essas fraudes. O mal foi cortado pela raiz. É preciso estar atento a isso mediante a adoção de mecanismos de prevenção. Penso em algo como a instituição de um programa de integridade no sentido de facilitar a verificação de situações para que isso não venha a ocorrer.

P. Acha então que a Lava Jato pode chegar ao Judiciário como um todo, como já se especula?

R. As investigações podem chegar a qualquer lugar, não há limites e nem zonas isentas de investigação. A luz do sol destinada ao enfrentamento da corrupção deve alcançar todos os aspectos e todos os pontos para que não haja nenhuma sombra de dúvida ou de conforto para quem queira ficar a margem da aplicação da lei.

P. Como o senhor enxerga os vazamentos seletivos durante a operação?

R. Eu sou absolutamente contrário a vazamentos, sejam gerais ou seletivos. Se existem processos judiciais ou investigações sob sigilo, isso deve ser observado em qualquer instância, setor ou ambiente. Isso pode até ser usado em detrimento do próprio êxito da investigação ou processo em curso. Os vazamentos causam prejuízos, não trabalho com essa lógica. E acho que isso deve ser repelido de uma forma bastante veemente. É uma questão de cumprimento do dever.

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