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Ricardo Darín, o presidente mais misterioso da Argentina

O ator protagoniza ‘La Cordillera’, um ‘thriller’ que passa do político ao fantástico ao estilo Polanski

O diretor Santiago Mitre e os atores argentinos Érica Rivas, Ricardo Darín e Dolores Fonzi, na apresentação de ‘La Cordillera”, na quarta-feira, em Cannes.
O diretor Santiago Mitre e os atores argentinos Érica Rivas, Ricardo Darín e Dolores Fonzi, na apresentação de ‘La Cordillera”, na quarta-feira, em Cannes.Antony Jones (Getty Images)
Gregorio Belinchón
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O presidente argentino Hernán Blanca está no poder há apenas seis meses, mas já conseguiu manter um certo mistério sobre seu passado. Muita gente não sabe se é um fantoche nas mãos de seu chefe de gabinete ou se simplesmente não tem nada a esconder sob sua fachada impecável. Nesse momento participa de uma tensa cúpula de presidentes latino-americanos no Chile, enquanto tenta ajudar sua filha, em plena crise emocional.

Contado assim, La Cordillera (ainda sem título em português), de Santiago Mitre, parece mais um thriller político. Mas assim como ocorreu em filmes anteriores desse diretor de Buenos Aires (O Estudante e Paulina), dentro há muito mais. Há referências óbvias a O Iluminado (de Stanley Kubrick), porque os personagens estão fechados em um hotel e há um clima claustrofóbico criado pela neve. Mas sobretudo, uma veia de Roman Polanski marca o tom e a narrativa. “É curioso. Ontem à noite vi o próprio Polanski. Estava sozinho, apoiado em uma grade, e me atirei a seus braços. Nada demais, algumas palavras, mas...”, conta Ricardo Darín, que encarna o presidente Blanco do filme, em uma sala do Palácio dos Festivais de Cannes. A seu lado, Mitre, na primeira entrevista que marca sua jornada de trabalho em Cannes, onde a fita participa da mostra Um Certo Olhar, com sua aposta pelo metafísico em uma viagem que um de seus produtores descreve como “Capra ao contrário”. “O curioso é que durante a filmagem quase não falamos de Polanski”, recorda o ator. “Foi uma filmagem difícil, a mais de 3.000 metros de altitude, com muito equipamento, e alguns de nós desmaiavam”.

Mitre afirma que a sombra do cineasta franco-polonês foi crescendo conforme iam completando o filme. “Tentei evitar os típicos sinais de um thriller político tradicional, os elementos fantásticos começaram a crescer e nasceu esse tom inquietante”. Entre as referências estão O Bebê de Rosemary e O Inquilino. “São os culpados pela abordagem poética e inquietante desta imersão no exercício do poder”. Ou, como se diz no filme, “o mal existe, e uma pessoa não chega à presidência sem tê-lo visto pelo menos um par de vezes”.

No centro, um político que proclama sua normalidade, ainda que alguns sinais mostrem outro fundo. “Isso é parte do apelo do roteiro de Santiago. É possível intuir, vislumbrar, perceber algo sobre essas pessoas, os governantes, para além do que declaram. Eles tomam decisões por todos nós e às vezes esquecemos que lidam com seus problemas pessoais”, conta Darín. Em sua pele, Blanco é mais atraente do que a maioria dos governantes atuais. “Não sei se isso conta a favor ou contra. Ao longo da trama vemos três ou quatro indícios de que ele prefere fazer tudo sozinho, que está pensando e organizando algo por debaixo do pano, para além do que lhe dizem seus assessores”. E continua: “Ele está construindo seu poder, chegou à presidência de maneira distinta, sem pertencer a nenhuma família política”. Mitre interrompe: “Ele é uma espécie de Macron”. Ao que Darín arremata: “Ele é uma caixinha de surpresas”.

“Eles tomam decisões por todos nós e às vezes esquecemos que lidam com seus próprios problemas pessoais” (Ricardo Darín)

O clima, o hotel e o isolamento de O Iluminado estavam no libreto. “Mas encontramos o lugar por acaso, durante a revisão do roteiro, quando começamos a pesquisar locações”, conta Mitre. A função de diretor é apenas algo mais. “Bom, apareceram coisas que não pude fazer em minhas obras anteriores”. Por exemplo? “A mudança de uma ficção realista a um tom que se endurece para trabalhar momentos oníricos”.

O ator argentino passará o verão europeu na Espanha, entre as apresentações do espetáculo teatral Cenas de um Casamento e a filmagem do thriller em espanhol do iraniano Asghar Farhadi, com Javier Bardem e Penélope Cruz. Junto a Darín em La Cordillera estão Dolores Fonzi (Paulina) como sua filha, Érica Rivas (Relatos Selvagens) como sua assistente, Elena Anaya como uma jornalista, Alfredo Castro como um médico, e outros atores de peso que dão vida aos presidentes de outros países, como a chilena Paulina García e o mexicano Daniel Giménez Cacho. E Christian Slater, porque os norte-americanos sempre estão aí, nas cloacas do poder. O que pensarão os presidentes mexicano e argentino quando virem o filme? “Os mexicanos são tão críticos com sua classe política que provavelmente gostarão”, diz Mitre. “E nós argentinos reclamamos de tudo, então...”. Ou como confirma Darín: “Fazemos escola em reclamações. Cada um voltará sua apreciação àquilo que o interessa. No fundo, isso é o que queremos: que o espectador decida”.

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