_
_
_
_
_

Propinas como motor da gigante do setor de carnes no Governo petista

Joesley Batista conta como era o esquema de propinas para recebimento de financiamento do BNDES durante os governos de Lula e Dilma

EFE
Mais informações
Gravação da JBS coloca Governo Michel Temer à beira do abismo
Em diálogo gravado, Aécio pede 2 milhões de reais à JBS, diz jornal
Com áudios de Temer e cerco a Aécio, Lava Jato se descola do rótulo anti-PT

Se comprovadas as delações de Joesley Batista, dono da holding J&F, tornadas públicas nesta sexta-feira, a construção da “campeã nacional” JBS, maior exportadora de carne o mundo e maior doadora de campanhas em 2014, só foi possível graças ao pagamento de propinas. Além de dinamitar o presidente Michel Temer e o senador tucano Aécio Neves, o empresário também menciona ilícitos cometidos durante os Governos petistas que ajudaram a forjar o império do ramo dos frigoríficos. Aos procuradores da Operação Lava Jato, Batista jogou luz em uma série de contratos e operações financeiras realizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que beneficiaram diretamente as suas companhias. Como contrapartida pelos empréstimos e investimentos feitos pela instituição, o delator disse que abastecia duas contas correntes no exterior que, de acordo com ele, eram utilizadas por Lula e Dilma Rousseff. Em 2014 ele afirma que o saldo chegou a 150 milhões de dólares, e foi usado para financiar campanhas políticas.

Segundo o empresário, o ex-ministro petista Guido Mantega era o responsável por intermediar as negociatas entre suas companhias e o Banco. A propina a ser paga ficava como crédito em contas offshore, a serem utilizadas quando o ministro solicitasse. “Eu sempre achei que aquele dinheiro era dele [Mantega], da pessoa física. (...) chegou em 2014, o dinheiro foi usado todo na campanha da Dilma”, afirmou o delator. “Perguntei para Guido: ‘O Lula sabe disso, a Dilma sabe disso?’, e ele respondeu ‘sim, eu falo tudo pra eles”, disse.

Em um dos trechos do depoimento, Batista diz que chegou a alertar Dilma de que o saldo da contas de propina estava acabando: “Com a Dilma eu fui bem mais explícito, eu falei pra ela, contei tudo, falei ‘presidenta, tem duas contas, tem uma que o Guido falou que era sua e outra que era do Lula, e já acabou o dinheiro seu e o dinheiro do Lula’”. O empresário afirma em seguida que a petista “sabia que era dinheiro por causa do BNDES”.

Os aportes do BNDES para empresas do grupo J&F foram alvo da Operação Bullish, desencadeada pela Polícia Federal na semana passada. O apoio do Banco é visto como fundamental para que a JBS, fundada há mais de cinco décadas, se tornasse a maior exportadora de carne do mundo entre 2003 e os dias atuais. O período coincide com o dos Governos petistas, sob cuja gestão o Banco colocou em prática uma política de criar “campeãs nacionais” fomentando o crescimento e a internacionalização de algumas empresas.

O delator afirma que foi apresentado a Mantega – então na pasta do Desenvolvimento - em 2004, por Victor Garcia Sandrim, conhecido como Vic, empresário e amigo íntimo do ministro. A primeira transação mencionada por Batista ocorreu em 2005: a JBS pediu ao BNDES um financiamento de 80 milhões de dólares para seu projeto de expansão. Vic solicitou 4% do valor total dos aportes, que de acordo com o delator, seriam divididas entre ele e o ministro. “Eu pagava 4% ao Vic de todos os aportes feitos (...) diz ele que era metade-metade [com Mantega]”, afirma o delator. Batista disse ainda que a operação de financiamento foi aprovada com grande rapidez, e a propina foi depositada em uma offshore no exterior.

“Foi a primeira operação que o BNDES fez de apoio à nossa internacionalização”, afirmou, ressaltando, no entanto que o “empréstimo foi caro”. Indagado se a proximidade com Mantega foi importante, Batista afirma que sem ele “não teria saído [o empréstimo]”. “Nunca tive nenhuma relação com ninguém do BNDES, nunca fiz nada ilícito diretamente com ninguém de lá (...) era sempre o Guido quem atuava”, diz. O BNDES também teria, a pedido do empresário, coordenado investimentos bilionários dos fundos de pensão Petros e Funcef, ligados à Petrobras e à Caixa Econômica Federal, na JBS.

Sociedade com o BNDES

A partir de 2007, com Mantega já no ministério da Fazenda, foram fechados dois outros negócios entre o BNDES e a JBS. Em 2007 e em 2008 o Banco adquiriu, por pouco mais de 1 bilhão de dólares, cotas do capital social da empresa que somavam quase 26% do total.

Com o tempo o empresário diz ter se tornado próximo de Mantega, a ponto do ministro externar o descontentamento de Luciano Coutinho, então presidente do BNDES, com as negociatas envolvendo a JBS. Em 2009 Batista narra aos procuradores o seguinte diálogo que teria ocorrido entre ele e Mantega: "Eu falei 'ministro, eu tratava com o Vic, fazia os depósitos pra ele, e agora, contigo, como é que eu faço?'. Ele falou: 'fica com você, eu não quero que você mande para conta nenhuma. Fica um crédito contigo, no dia que eu precisar, eu te falo'". Batista afirma que o ministro, ao contrário de Vic, não quis uma porcentagem fixa, mas sim sugeriu discutir “caso a caso”.

Ainda em 2009 o BNDES faz novo aporte para a JBS, com a compra de 2 bilhões de dólares em ações. Como contrapartida, Batista abriu uma conta no exterior para o ministro, e depositou 50 milhões de dólares. Em 2010 Mantega pediu ao empresário que abrisse nova conta, que seria destinada à então presidente Dilma. O delator indagou se a offshore que já fora aberta não bastava, e Mantega teria respondido que “aquela era de Lula”. Periodicamente Batista levava ao ministro o estrato das contas nas quais o dinheiro das propinas era depositado.

Outro negócio narrado por Batista envolveu o financiamento de 2 bilhões de reais por parte do BNDES para a construção, em 2011, da planta de celulose da Eldorado, empresa da holding J&F, do delator. A contrapartida foi um crédito de 30 milhões de dólares, que segundo ele se destinava à conta que de Dilma.

O empresário também menciona uma outra conta, utilizada por João Vacari, ex-tesoureiro do PT, e Guilherme Gushiken, filho do falecido petista Luis Gushiken. De acordo com Batista, Vacari afirmou que tinha pagamentos para receber no exterior mas não tinha uma conta para onde mandar. "Emprestamos então uma conta bancária no exterior, em nosso nome", diz Batista. A conta ficava nos Estados Unidos e Batista afirma que não "interferia" nas operações.

Em nota os advogados do ex-presidente Lula afirmam que “verifica-se nos próprios trechos vazados à imprensa que as afirmações de Batista em relação a Lula não decorrem de qualquer contato com o ex-presidente, mas sim de supostos diálogos com terceiros, que sequer foram comprovados”. Ainda segundo os defensores, foi feita uma “devassa” na vida de Lula, sem que “nenhum valor ilícito” fosse encontrado.

A assessoria da ex-presidenta Dilma afirmou em nota ela “jamais tratou ou solicitou de qualquer empresário, nem de terceiros doações, pagamentos ou financiamentos ilegais para as campanhas eleitorais, tanto em 2010 quanto em 2014, fosse para si ou quaisquer outros candidatos”, e que a petista “jamais teve contas no exterior”.

A reportagem não localizou os advogados dos ex-ministros Guido Mantega e Edinho Silva.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_