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Só reunião secreta com investigado já incriminaria Temer, apontam juristas

Empresário confessa crimes de corrupção diante do presidente, que não toma providências legais

Marina Rossi
Michel Temer, em pronunciamento nesta quinta.
Michel Temer, em pronunciamento nesta quinta.EVARISTO SA (AFP)
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Temer admite “crise política de proporção ainda não dimensionada”

"Tem que manter isso, viu". A divulgação dessa frase, no final da tarde de quarta-feira, iniciou a maior crise que sacudiu o Governo Temer no seu breve um ano à frente da presidência do Brasil. Isolada, pode de fato ser inconclusiva, como muitos afirmam. Mas, dentro do contexto, ou seja, o áudio completo que revela a conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista, o que Temer disse é suficiente para enquadrá-lo em ao menos um crime, apontam especialistas.

O presidente pode se complicar não tanto pelas frases ditas — ou não ditas — mas pelo ato em si. O áudio, de acordo com Leonardo Isaac Yarochewsky, especialista em direito criminal, comprova que o presidente se encontrou com um empresário que estava sendo investigado, fora da agenda oficial, que relata ter praticado crimes de corrupção. E, ao ouvir as confissões do empresário, o presidente nada fez. "No mínimo o presidente prevaricou", diz. "Ele deveria ter agido imediatamente, acionando o Ministério Público Federal, por exemplo".

O Código Penal brasileiro configura em crime de prevaricação o ato de um funcionário público retardar ou deixar de praticar sua função visando satisfazer interesse pessoal. "Eu entendo que o presidente, ao tomar conhecimento do rol de crimes narrados por Joesley, tinha o dever de ofício de comunicar às autoridades competentes", concorda o professor da Faculdade de Direito da USP, Rafael Mafei Rabelo Queiroz.

De acordo com o Planalto, Michel Temer não tomou providências diante das confissões de Joesley Batista porque não acreditou no que o empresário dizia. "O presidente Michel Temer não acreditou na veracidade das declarações. O empresário estava sendo objeto de inquérito e por isso parecia contar vantagem", diz a nota. E segue: "O presidente não poderia crer que um juiz e um membro do Ministério Público estivessem sendo cooptados".

Para Rafael Queiroz, é difícil acreditar que Temer não acreditava. "Acho muito pouco sustentável a tese de que o presidente ouve uma serie de condutas criminosas em andamento com potencial de repercussão e entende que isso não tem nenhuma relevância", diz.

Os juristas também concordam que as delações do dono da J&F têm mais força pelo fato de virem junto com provas concretas. "Algumas delações ficaram só na palavra do delator", diz Leonardo Yarochewsky. "A prova do envolvimento de Temer vem dos áudios, não é o diz que diz", completa Queiroz. Por outro lado, a defesa de Temer deve alegar que a gravação foi editada, o que poderia comprometer o áudio como prova.

Corrupção, obstrução e organização criminosa

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aponta os crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução para pedir a abertura de investigações contra o presidente Michel Temer. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, considerou os indícios levantados por Janot consistentes e autorizou a investigação. 

Agora, caberá ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal realizarem as investigações. Se concluírem, porém, que Temer praticou de fato algum dos crimes dos quais é acusado, a denúncia só poderá ser oferecida com aval da Câmara dos Deputados.

Isso no caso de Michel Temer permanecer na presidência. Caso ele renuncie, parte das investigações até podem permanecer nas mãos do Supremo, se o entendimento for de que os crimes foram realizados enquanto ele era presidente, mas não há dependência da Câmara para o oferecimento de denúncia.

Temer aprovou "mesada" de Cunha

Em um dos inquéritos, Janot aponta que Temer aprovou o pagamento de mesada a Cunha feito por Joesley. Baseado nos áudios, Janot diz que o empresário “fala de propina paga ‘todo mês, também’ [a Eduardo Cunha], acerca da qual há anuência do presidente”.

No final, Rodrigo Janot se diz “perplexo” pelas práticas de corrupção que seguem ocorrendo mesmo com as investigações acontecendo. "O dado que provoca perplexidade é que toda a trama criminosa nos presentes autos, por meio de irrefutáveis provas, deu-se apesar e durante as investigações de delitos graves praticados por autênticas organizações criminosas enraizadas no poder público, envolvendo algumas das mais altas autoridades do país”. E "lamenta" que "o esperado efeito depurados e dissuasório das investigações e da atuação do Poder Judiciário não vem ocorrendo e a espiral de condutas reprováveis continua em marcha nos mesmos termos e com a mesma ou maior intensidade e desfaçatez".

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