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Mercado dá adeus a reformas de Temer no curto prazo e prevê dias difíceis na economia

Economistas já admitem que reformas trabalhista e previdenciária estão comprometidas Parada na bolsa é vista como ajuste depois de “autoengano” sobre recuperação

O economista André Perfeito, da Gradual Investimentos
O economista André Perfeito, da Gradual InvestimentosA.Penner (AP)

Da euforia à depressão, foi preciso parar o jogo e colocar as projeções em ordem. Foi assim que o mercado financeiro no Brasil viveu esta estranha quinta-feira, que demandou o chamado circuit breaker diante da tormenta política que começou na noite de quarta, com a revelação de áudios gravados clandestinamente pelo empresário Joesley Batista. Somente 20 minutos após a abertura da Bolsa de Valores de São Paulo os papeis caíram 10,47%, o que paralisou o pregão. “Nunca vivi uma situação como esta em 15 anos de mercado”, resumiu André Moraes, analista da Clear Corretora, em sua análise diária no programa Bom Dia Mercado. Na verdade, em 2008 a bolsa brasileira viveu quadro similar, mas era a crise do Lehman Brothers, que afetou o mundo todo.

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Desta vez, era o furacão Temer que, como ele mencionou em seu pronunciamento nesta tarde, estava vivendo uma espécie de lua de mel na economia. “Quero deixar muito claro dizendo que meu Governo viveu nesta semana o seu melhor e o seu pior momento.Os indicadores de queda de inflação, os números de retorno de crescimento da economia e os dados de geração de emprego criaram esperança de dias melhores. O otimismo retornava e as reformas avançavam no Congresso Nacional”, afirmou. Mas Joesley Batista cruzou seu caminho com um gravador escondido e colocou o presidente e seu projeto de poder em um terreno movediço. Algo que, como o próprio Temer reconhece, “trouxe de volta o fantasma de crise política de proporção ainda não dimensionada.” Crise política combina com instabilidade, que gera volatilidade no mercado, e deixa investidores no escuro. Tudo que agentes financeiros mais temem.

O efeito da crise aberta com as gravações da JBS se refletiram nas ações de empresas de varejo e empresas públicas, como o Banco do Brasil (que chegou a cair 25% antes do circuit breaker), Petrobras (-20% na parte da manhã) e Cemig (-42% também no mesmo período). A bolsa foi reaberta às 10h50, retomou um pouco dos negócios, recuperou um pouco das perdas, mas fechou com queda de 8,8%.

O dólar também chegou a subir 3,43 reais depois da abertura dos mercados, oscilou para baixo até fechar em 3,389, uma alta de 8,15% em comparação com o dia anterior, o maior pico em 14 anos. “O mercado de câmbio ficou tão louco que ninguém se atrevia a vender dólares”, comenta André Perfeito, da Gradual Investimentos. O Tesouro cancelou a venda de papeis para controlar a volatilidade.

O descontrole do dia, porém, foi visto com cautela por Perfeito. “O mercado vivia um autoengano de um quadro de ‘céu de brigadeiro’ que não se confirmava”, diz o economista, referindo-se ao discurso que tomou conta dos agentes financeiros e de integrantes do Governo de que a recuperação econômica já está em curso. O Planalto tem batido bumbo nas últimas semanas com indícios de que o país estaria deixando a recessão para trás. Nesta segunda, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central estaria indicando que a economia brasileira voltou a crescer nos três primeiros meses do ano com alta de 0,29% em comparação ao primeiro trimestre do ano passado. Na terça, a notícia de que o país registrou a criação de quase 60.000 postos de trabalhos formais em abril – o primeiro resultado positivo para um mês de abril desde 2014 – também foi alardeada pelo Governo.

A revelação de que o presidente foi grampeado, porém, com diálogos aparentemente muito comprometedores, embaralhou todas as previsões dos bancos e consultorias e evaporou o otimismo com a aprovação das reformas trabalhista (no Senado) e da Previdência. O mercado financeiro já tinha ‘precificado’ essa vitória de Temer, e precisará refazer contas para avaliar as chances de que essas mudanças avancem no Congresso diante de um quadro tão complexo como o que se abre diante da possibilidade do presidente não terminar seu mandato. “Os mercados terão que avaliar pontualmente os desdobramentos da crise e quase nada está garantido. Certamente, tudo ficou mais complicado e a divulgação de mais dados pode tornar a situação ainda mais frágil”, escreveu a seus clientes no final do dia o economista-chefe da Home Broker Modalmais, Alvaro Bandeira.

Para Nelson Marconi, coordenador do Fórum de Economia e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), há chances de que as reformas não sejam votadas. Ao mesmo tempo, a atividade econômica deve piorar diante da incerteza política. “O único setor que vinha demonstrando sinais de melhora era o agronegócio, tanto que o emprego aumentou no interior do país, e como ele é exportador e depende das condições do mercado externo, vai ser pouco afetado pela crise”, diz Marconi. Os demais segmentos, observa, serão impactados diante da “crise de confiança” que se abre com o presidente sob suspeita. Para ele, o mercado já sabe que a atividade econômica vai piorar e o ajuste pode estar acontecendo por isso. “Ninguém vai contratar ou aumentar a produção nesse cenário”, completa.

Perfeito pondera, entretanto, que apesar de todas as turbulências, nos últimos 12 meses a bolsa teve alta de 27% em dólar. “É mais que as bolsas americanas. Agora voltamos para a realidade”, diz.

Tanto Marconi quanto Perfeito preveem que o ritmo de queda da taxa de juros tende a ser afetado. Desde outubro do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central vem reduzindo a taxa de juros. Nas duas últimas reuniões, a queda foi de 0,75 ponto porcentual em cada, fechando a Selic em 11,25%. A inflação sob controle vinha garantindo essa diminuição acentuada. Agora, porém, a volatilidade do mercado pode diminuir o ímpeto do BC para o tamanho das reduções.

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