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Justiça condena oito réus da Operação Hashtag por “promover Estado Islâmico”

Eles estavam detidos desde julho de 2016 e, segundo acusação, planejavam ataques na Rio 2016

Gil Alessi

A Justiça Federal do Paraná condenou nesta quinta-feira oito réus da Operação Hashtag, deflagrada em julho do ano passado, às vésperas da Rio 2016. Eles estavam presos preventivamente desde então, e foram enquadrados na lei antiterrorismo, que versa sobre “promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista”. De acordo com acusação do Ministério Público Federal, aceita pelo juiz Marcos Josegrei da Silva, eles se dedicaram a criar uma célula do Estado Islâmico no país. Leonid El Kadre de Melo, Alisson Luan De Oliveira, Oziris Moris Lundi dos Santos Azevedo, Levi Ribeiro Fernandes De Jesus, Israel Pedra Mesquita, Hortencio Yoshitake, Luis Gustavo de Oliveira e Fernando Pinheiro Cabral foram condenados a penas que variam de 5 a 15 anos de prisão em regime fechado. A decisão é de primeira instância e ainda cabe recurso.

Um dos suspeitos após ser detido em 2016.
Um dos suspeitos após ser detido em 2016.Valter Campanato (Ag.Br.)

A sentença, que é a primeira com base na lei antiterrorismo, deve provocar polêmica, já que a própria operação atraiu críticas uma vez que a investigação se baseou principalmente em trocas de mensagem em redes sociais e conversas em aplicativos de smartphones. Além disso, nenhum ato concreto — compra de armas ou explosivos — foi executado. De acordo com a denúncia, “a promoção [da organização terrorista] se daria por intermédio de publicações em perfis das redes sociais Facebook, Twitter e Instagram (...) de diálogos em grupos fechados do Facebook acompanhados de compartilhamento de material extremista”. Em diálogos sobre possíveis alvos de ataques no Brasil, os condenados chegam a ventilar a hipótese de atentados contra estrangeiros durante os Jogos Olímpicos, homossexuais, muçulmanos xiitas e judeus.

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Leonid El Kadre de Melo seria um dos cabeças do grupo. Para o juiz, "sem sombra de dúvidas [Melo] assumiu a posição de líder máximo dentre os demais denunciados". Em mensagens interceptadas, ele pede que o grupo "deixe as redes sociais, tire a barba e pare de frequentar a mesquita (...) para migrar e se reunir pessoalmente". Melo também foi enquadrado por “realizar atos preparatórios de terrorismo". O magistrado determinou que ele, Alisson de Oliveira, Luis Gustavo de Oliveira e Fernando Pinheiro Cabral não poderão responder em liberdade.

Em um áudio enviado no Telegram, Melo diz "vamos agir com quem estiver", e que "se estiver só uma pessoa, vai agir uma só. Se estiver duas, vai agir duas, e se tiver cinco iremos agir em cinco". "O que importa é qualidade, e não quantidade (...) se toda essa falação que temos feito todo esse tempo, se a gente colocar em ações, isso vai dar muitos frutos", diz o líder. Ele cobra seriedade e compromisso dos demais com a causa do Estado Islâmico: "a intenção deve ser sair do virtual e passar para o real assim que possível (...) Se a intenção aqui for somente conversar sobre o assunto e ficar postando fotos de decapitações (...) me avisem porque estou fora".

Outro condenado, Hortêncio Yoshitake, chega a mencionar e pedir cautela com a eventual vigilância da Polícia Federal e do principal órgão de inteligência do Governo em uma mensagem escrita no grupo. "A ABIN [Agência Brasileira de Inteligência] e Polícia Federal amigo, se querem fazer algo que seja na surdina de boa, muitos já caíram [foram presos] na França e Alemanha porque não souberam disfarçar", afirma.

No grupo de Telegram usado pelos supostos terroristas, eles trocavam receitas para bombas caseiras - "para a pólvora é preciso carvão de churrasco, salitre e enxofre" - e mensagens de ódio: "dá vontade de ir na avenida Paulista e espancar aquelas bichas". Os oito condenados foram absolvidos do crime de corrupção de menores: no grupo detido inicialmente havia um jovem com menos de 18 anos.

Trecho de mensagem enviada por Melo.
Trecho de mensagem enviada por Melo.

Agente infiltrado e morte no presídio

A Operação também foi alvo de outra polêmica, em outubro do ano passado, com a morte de outro detido, Valdir Pereira da Rocha. Ele foi linchado na Cadeia Pública de Várzea Grande, próximo a Cuiabá, dois meses após ser preso pela Hashtag. Ele teria sido agredido pelos detentos por ser considerado terrorista, crime malvisto pela população carcerária por mirar inocentes, crianças e mulheres.

"Se toda essa falação que temos feito todo esse tempo, se a gente colocar em ações, isso vai dar muitos frutos"

Durante o processo, a Defensoria Pública da União chegou a pedir a nulidade da denúncia, uma vez que os detidos na Hashtag ficaram sem acesso a advogados durante os interrogatórios iniciais, o que configuraria cerceamento do direito de defesa e colheita irregular de provas. O juiz indeferiu o pedido. A defesa também destacou que "nenhum dos acusados adquiriu artefatos terroristas, traçou planos de atentado, adquiriu passagens rodoviárias ou aéreas, ou detinham documentos com efetivo intento migratório e de engajamento terrorista", além de estarem geograficamente distantes. Outro argumento dos advogados é que parte das provas teriam sido colhidas de forma irregular nos grupos de conversa do Telegram, por um "agente infiltrado não-policial" e "sem autorização judicial".

Na sentença, o magistrado afirma que "as mazelas humanitárias causadas por grupos terroristas como o autodenominado Estado Islâmico são internacionalmente conhecidas e violam os mais comezinhos princípios de convivência pacífica". Para o juiz, a tese da defesa de que "as postagens e diálogos dos acusados de conteúdo extremista não passavam de expressão de curiosidade religiosa ou meras bravatas" não podem ser "aceitas como justificativas aptas a excluir a tipicidade (...) ou culpabilidade das ações".

A reportagem não conseguiu entrar em contato com os advogados dos condenados nem com a Defensoria Pública.

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