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Chefes com a mão na massa

Os dirigentes que passam tempo com a equipe conhecem melhor suas empresas

Getty Images

Poucos clientes do supermercado online Ulabox sabem que a pessoa que sobe suando pela escada para entregar os fardos de sua compra semanal é às vezes o próprio presidente da empresa. Porque parte das responsabilidades de Jaume Gomà, assim como as do resto dos diretores da empresa, é fazer um rodízio uma vez por mês pelos departamentos de atendimento ao cliente e entrega, realizando um turno de trabalho em cada um deles. Extravagância? Segundo eles, é mais uma questão de sobrevivência. “É muito importante que todos nós estejamos em contato direto com o cliente. O que nos transmitem sobre diferentes aspectos do negócio é informação em primeira mão que nos ajuda a aprender”, afirma Gomà.

Que o primeiro executivo da empresa suba às sete da manhã em um caminhão para iniciar a rota de distribuição não é corriqueiro. O que é, cada vez mais, é os altos diretores abandonarem temporariamente o conforto de seus escritórios para sentir o pulso da organização. “A vertigem de altura que acomete muitos diretores faz com que percam a noção do que suas decisões representam. Por isso é bom descer para a terra de vez em quando”, diz Paco Muro, presidente da Otto Walter International.

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Para o especialista, iniciativas como a da Ulabox deveriam ser obrigatórias, “pelo menos uma semana a cada dois anos”, em todas as empresas. “Por que se os executivos comerciais nunca foram à fábrica e não sabem quanto custa fazer o que vendem, dificilmente saberão defender o que vale.” Essa proximidade os torna melhores diretores? De cara, afirma Luis Huete, professor do IESE Business School e consultor de alta gestão, permite que se inteirem mais das coisas. “Ajuda a ter uma informação mais fresca, menos mediada pela estrutura hierárquica. É preciso saber os detalhes e os detalhes são melhor vistos quando se desce para as trincheiras.”

“Um oficial não deve nunca fugir do dever de apresentar-se diante de seus homens, de falar e de trocar de lugar com eles.” São palavras do general Eisenhower, de quem se conta que percorreu mais de vinte divisões e outros tantos aeródromos e barcos de guerra durante os meses anteriores ao desembarque na Normandia para tomar contato com suas tropas. Uma prática de liderança que continua sendo válida hoje. “Se é preciso exigir, mais vale ser próximo para criar um clima de confiança e respeito mútuo. Uma empresa não são planilhas nem balanços; uma empresa são clientes, funcionários e fornecedores. São pessoas”, recorda Huete.

Claro que nem sempre é possível fazer esse tipo de imersão, especialmente em empresas muito grandes. Nessas estruturas, comenta David Criado, fundador da iniciativa Vorpalina, é mais fácil para as gerências médias do que para a alta direção. “Porque enquanto os esforços desta se concentram no exterior e em posicionar a empresa no mercado, a gerência média projeta seu trabalho no controle e na gestão dos projetos internos.”

Há momentos na vida das organizações em que a aproximação do comando é especialmente necessária. A chegada de um novo diretor é uma excelente oportunidade para que o recém-chegado “tateie a empresa, fale com todo mundo, ouça e sinta a organização”, opina Luis Huete. David Criado recomenda “manter reuniões ágeis para abrir o dia ou encerrar uma fase ou projeto, para assim sentir o estado e o clima da organização”. Como resultado, “o sentimento de pertencimento é favorecido, e as pessoas passam a acreditar mais na empresa”, afirma Huete.

E não há risco de que o líder, por estar muito preocupado em se deixar ver entre os seus, acabe esquecendo suas verdadeiras responsabilidades? David Criado acredita que tudo depende de quais se considera que sejam essas responsabilidades. “Em termos de liderança autêntica, para um gerente médio conhecer a realidade de seus colaboradores não só é compatível com seu trabalho, como obrigatório.” Os problemas chegam “quando se administra em cima de uma expectativa que está apenas na cabeça do chefe e não na verdade do negócio”, afirma. É que o desapego que alguns dirigentes têm em relação à realidade de sua empresa faz com que “quando desçam para o térreo acabem atrapalhando mais do que ajudando”, lamenta Criado. A tentação de querer intervir em tudo é outro perigo latente. “Se o chefe se mete no pequeno, não atenderá o grande”, adverte Paco Muro. “Claro que há mil coisas cotidianas que ele faria de outra maneira, mas deve entender que agora seu trabalho primordial é dirigir, não fazer”, conclui.

Mesmo assim, a mão de um dirigente não cai por fazer uma xerox ou trazer um café da máquina para o restante da equipe e diz muito sobre seu estilo de liderança. “Ter o chefe ao seu lado atendendo com você as ligações dos clientes representa um apoio brutal para os funcionários”, afirma Jaume Gomà. Às vezes, pondera Paco Muro, um simples gesto será muito valioso. “Nada se compara à autenticidade de um cumprimento cordial, um aperto de mão ou chamar as pessoas pelo nome. Se o chefe me dedica seu tempo, demonstra que tenho importância para ele. Apesar de ser apenas um minuto. Mas é um grande minuto.”

O FATOR ‘GEOGRÁFICO’

Até há alguns anos, quando um gestor "ganhava" um escritório era um sinal de reconhecimento que reforçava seu status dentro da companhia. Mas isso está mudando nos atuais ambientes colaborativos. Em empresas como Coca-Cola, Ikea ou Facebook não é estranho ver os dirigentes sentados ao lado dos funcionários da base.

“Isolar-se em um escritório não faz com que tomem melhores decisões. Estar fisicamente perto da equipe permite que os dirigentes tenham acesso direto à informação e às pessoas e melhora o trabalho colaborativo”, destaca Alejandro Pociña, presidente da Steelcase.

Pociña reforça que os escritórios podem agir como “uma barreira não intencional que mina a troca livre e fluida de ideias”. O ideal, resume, “é que a empresa conte com uma diversidade de espaços que se adeque às funções e necessidades de cada departamento e não da hierarquia”.

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